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Reabilitar e disponibilizar casas a preços baixos é perfeitamente possível

No período atual de campanha eleitoral muitos são os que têm falado de reabilitação urbana e de habitação. No entanto, é necessário ver qual o projeto (quando existe algum).

É preciso analisar o projeto defendido por cada uma das propostas para a reabilitação urbana, para ver quais as que, realmente, respondem às necessidades fundamentais associadas à reabilitação urbana: reabilitar o edificado e o património degradado; voltar a ocupar os milhares de casas devolutas que existem nas nossas cidades e no país em geral (750.000); criar a possibilidade de acesso à habitação de milhares de jovens com as vidas adiadas, a famílias que vivem em sobrelotação, a famílias em risco de despejo pela nova lei das rendas ou pela impossibilidade de pagamento do crédito à habitação; dar dinamismo a um sector importante da nossa economia e, naturalmente, criar milhares de postos de trabalho.

Há, no entanto, outras conceções, umas que colocam muitos entraves outras que veem o objetivo de forma diferente. Por um lado o argumento financeiro: as autarquias não o podem fazer porque não têm dinheiro e só através de um programa nacional (que consideramos igualmente pertinente) ou mesmo só com fundos europeus, é que vamos lá, e assim, ficamos dependentes do estado central. Por outro lado, o argumento legalista da propriedade privada intocável: grande parte do edificado vazio é privado e cabe aos proprietários reabilitar se quiserem e contra isso não podemos fazer nada, falta a legislação necessária para a requisição. Há outros que defendem a reabilitação urbana, como uma boa intenção que é preciso proclamar, que acontecerá se incentivarmos a iniciativa privada através do bom funcionamento do mercado imobiliário, retirando-lhe todos os entraves. Assim a reabilitação urbana acontecerá (foi com base neste argumento que se alterou a lei das rendas para a nova lei dos despejos).

Vamos então por partes: a perspetiva do bom funcionamento do mercado é o que temos atualmente e é o seguinte: a liberalização do arrendamento, a ausência de penalização eficaz contra a especulação, os PDMs que dão para tudo, e a insegurança total na habitação pelas famílias que, se se vêm num aperto arriscam um despejo rápido e sem proteção. A reabilitação neste contexto vai surgindo de forma casuística, ao sabor dos interesses e dos preços fixados pelos negociantes do imobiliário, que retêm fora do mercado um conjunto vasto de património e que vão comprando o centro das cidade e, virados para taxas de lucro elevadas, reabilitam para o mercado de luxo, inflacionando preços e expulsando quem não pode aceder a estes para as periferias. Se olharmos para Lisboa é isto que vai acontecendo, a reabilitação que se tem feito nos últimos anos é insuficiente, de luxo, e intercala com grandes conjuntos de imóveis que se mantêm vazios há anos. Isto é o funcionamento do mercado e a ausência de uma política pública.

 

Sobre os problemas financeiros e legais colocados por outro tipo de argumentação vejamos: a questão financeira resolve-se se houver coragem para fazer algo que é de justiça elementar, taxar (pode ser uma multa criada por regulamento municipal) a habitação vazia que está numa lógica de especulação, que pertence a fundos e imobiliárias, os quais são dos maiores proprietários de casas devolutas e, ao contrário das famílias em dificuldades, são isentos de IMI e IMT. Se os nossos autarcas criarem uma taxa penalizadora de casas vazias, com agravamento progressivo anual de uns milhares de euros, conseguem dois objetivos, por um lado financiar um fundo municipal de reabilitação urbana, por outro lado, convencer os fundos e as imobiliárias a arrendar e por preços mais acessíveis. Se esta medida fosse aplicada em Lisboa, que tem cerca de 50.000 casas vazias, e se a penalização começasse nos 5.000 euros anuais a cerca de 20.000 casas, teríamos num ano 100 milhões de euros. Por outro lado, é necessário, de uma vez por todas, promover de forma vigorosa a tomada de posse administrativa das casas que estão por reabilitar e cujos proprietários não podem ou não querem fazê-lo (o que está perfeitamente previsto pelo RJUE ou pela lei da reabilitação urbana) e integrar depois estes fogos numa bolsa de arrendamento (lei da reabilitação urbana, art. 59) o que traria um retorno de 30 milhões de euros por ano, para 10.000 casas, se o preço médio do arrendamento fosse, por exemplo, para Lisboa, cerca de 250 euros por mês. Tal medida viria também a pressionar o preço do arrendamento em geral tornando-o mais acessível. Iniciado este processo, depois era dar-lhe continuidade. Em alguns anos teríamos a cidade reabilitada, viva e habitada. A questão não é nem financeira, nem jurídica, a questão é de vontade política.

Sobre o/a autor(a)

Investigadora e ativista na Associação Habita
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