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Os Malandros

O aumento do volume de horas de trabalho semanais representa um corte na remuneração superior a 14%. E o travão agora colocado pelo Tribunal Constitucional à requalificação da função pública poderá não ser um sério revés na estratégia de purificação do Governo.

Pouco tempo depois da promulgação pelo Presidente da República, a lei das 40 horas foi publicada em Diário da República. Para regozijo de muitos, parece que finalmente caiu mais um dos baluartes da malandragem generalizada na Função Pública. A semana de 35 horas de trabalho, um suposto progresso, passou a ser coisa do passado, dos tempos em que se vivia acima das possibilidades. Agora com estas quarenta horinhas semanais de trabalho na função pública, com os despedimentos previstos e com o novo regime geral da função pública que o Governo pretende aplicar em 2014, é que este país irá ao lugar.

Infelizmente, será necessário um grande trabalho de consciencialização dos trabalhadores do setor público para que uma verdadeira resistência à aplicação desta lei aconteça. No seguimento de tudo o que tem vindo a ocorrer (e.g. cortes nos salários, cortes nos subsídios, progressões congeladas, insegurança no trabalho), este aumento da jornada semanal de trabalho surge como algo há muito prometido, sendo inclusive assim assumido como quase normal. Esquece-se deste modo que este aumento do volume de horas de trabalho semanais representa um corte real na remuneração superior a 14%. Ou seja, um corte tão duro como o anunciado há dois anos atrás, quando foram retirados os subsídios. E o travão agora colocado pelo Tribunal Constitucional à requalificação da função pública poderá não ser um sério revés na estratégia de purificação do Governo.

Num momento em que qualquer direito é rapidamente confundido com um privilégio, as 35 horas semanais eram claramente um alvo a abater. E em vez de serem encaradas pela generalidade da opinião pública como um progresso social, como algo que devia ser progressivamente adotado pelo setor privado, eram há muito consideradas como mais um dos grandes privilégios dos malandros da função pública. Nivela-se deste modo por baixo e parece ficar no ar um sentimento de justiça feita.

Não vou aqui elencar todos os problemas gerados pelo súbito aumento do horário de trabalho. Limito-me a sublinhar que esta lei passou com grande facilidade devido à mitologia criada em torno das mordomias de trabalhar na função pública. E, como é sabido, para isso não contribuiu apenas a direita portuguesa. Quando ocuparam posições governamentais, muitos dos atuais campeões da esquerda portuguesa nunca se inibiram de justificar algumas das suas políticas com os privilégios existentes na Função Pública. Os resultados estão à vista, só é pena que exista falta de memória a este respeito. Devemos esperar que o PS se comprometa desde já a revogar a presente lei quando, no futuro, voltar a assumir funções governamentais?

Sobre o/a autor(a)

Politólogo, autor do blogue Ativismo de Sofá
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