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Luta de Classes, por José Luís Peixoto
A cultura é usada como símbolo de status por alguns, alfinete de lapela, botão de punho. A raridade é condição indispensável desse exibicionismo. Só pertencendo a poucos se pode ostentar como diferenciadora. Essa coleção de símbolos é descrita com pronúncia mais ou menos afetada e tem o objetivo de definir socialmente quem a enumera.
Para esses indivíduos raros, a cultura é caracterizada por aqueles que a consomem. Assim, convém não haver misturas. Conheço melhor o mundo da leitura, por isso, tomo-o como exemplo: se, no início da madrugada, uma dessas mulheres que acorda cedo e faz limpeza em escritórios for vista a ler um determinado livro nos transportes públicos, os snobs que assistam a essa imagem são capazes de enjeitá-lo na hora. Começarão a definir essa obra como "leitura de empregadas de limpeza" (com muita probabilidade utilizarão um sinónimo mais depreciativo para descrevê-las).
Este exemplo aplica-se em qualquer outra área cultural que possa chegar a muita gente: música, cinema, televisão, etc. Aquilo que mais surpreende é que estes "argumentos", esta forma de falar e de pensar seja utilizada em meios supostamente culturais por indivíduos supostamente cultos, e só em escassas ocasiões é denunciada como discriminadora do ponto de vista sexual ou social.
Isso são livros de gaja, dizem eles. Às vezes, para cúmulo, há mesmo mulheres que dizem: isso são livros de gaja.
A raiz da minha cultura não pertence ao elitismo. Tenho orgulho das minhas origens, do meu avô pastor, do meu pai carpinteiro, como outros têm orgulho dos seus longos nomes compostos.
Depois de um trabalho que encerre convicções profundas, que tenha em conta os princípios da sua área artística, que seja consciente da história dessa área e que faça uma proposta coerente e inovadora, acredito na divulgação o mais ampla possível.
Esconder uma obra em tiragens de 300 exemplares não lhe acrescenta um grama de valor artístico. Quando essa falta de divulgação resulta de uma escolha, pressupõe, quase sempre, falta de consideração pelo público, a crença de que um público mais vasto seria incapaz de entender tamanha sofisticação.
Acredito que a poesia pode ser publicada em caixinhas de fósforos, escrita com trincha ou spray nas paredes, impressa em t-shirts, afixada no facebook. Em qualquer um desses lugares, será diferente, mas em todos continuará a ser poesia.
É ridícula a ideia de que a divulgação deturpa. A banalização é sempre tarefa de quem banaliza e não do objeto banalizado. Quem não for capaz de convocar os seus sentidos e a sua razão para apreciar uma determinada obra, apenas por acreditar que se encontra muito difundida, tem problemas graves ao nível do espírito crítico e da isenção mais básica. Esse é um daqueles casos em que se aconselha a lavagem de olhos. É aí que reside a deturpação.
Admiro o povo ao qual pertenço. Não o povo mitificado, admiro o povo quotidiano. Gosto de ir a feiras. Gosto de comer frango assado com as mãos. Devo tanto à cultura deste povo como devo a Dostoievski Há alguns meses, a personagem de uma telenovela citou um poema escrito por mim. Toda a gente da minha rua viu e ouviu. A minha mãe ficou orgulhosa e eu também.
Chamo-me José ou, se preferirem, Zé. Desprezo o elitismo. O verbo não é exagerado, adequa-se bem ao que sinto.
Hei de sempre divulgar o meu trabalho na máxima dimensão das minhas capacidades. Devo esse esforço à convicção que tenho naquilo que escolhi dizer. Fico feliz se vejo os meus livros disponíveis em supermercados, estações de correios, bombas de gasolina ou bibliotecas públicas.
Aquilo que faço não existe sozinho, precisa de alguém que lhe dê sentido, o seu próprio sentido e interpretação pessoal. Se uma árvore cair sozinha na floresta, sem ninguém por perto, será que faz barulho? Por esse motivo, o esforço de divulgação é também uma mostra de respeito para com essas pessoas, é um sinal da minha crença nelas e no seu valor. Exatamente como estas palavras, que existem porque estás a lê-las.
Escrevo romances, a minha força de vontade é enorme. Tenho 38 anos, conto estar por cá durante bastante tempo. Tenho ainda muito por fazer.
Habituem-se.
Não tenho medo.
Artigo de José Luís Peixoto, publicado a 8 de Junho de 2013 em Imenso Sul
Comentários
e o que é que isso interessa?
e o que é que isso interessa? Nada...
Excelente... infelizmente
Excelente... infelizmente muitos dos que leram este seu artigo pensam que pertencem às tais "elites" e por isso acharão que esta sua exposição nem sequer interessa para nada... um dia, já demasiado tarde, se aperceberão do quanto estavam enganados.
Um abraço fraterno.
Hasta siempre
Péssimo. É péssimo que uma
Péssimo. É péssimo que uma elite viva de estribilhos e más intenções, fechando outros em redomas inquebráveis e impenetráveis. Que bom seria se essas elites fossem apenas de "riquinhos". É pena mas, lamentavelmente, não há grupos que não lancem anátemas sobre quem não tem a mesma opinião. O Povo, isto é, sete mil milhões de humanos, não se distingue de um seu subgrupo, aristocrático, como descrito no texto do escritor "sub-júdice". Por todo o lado há uns que não gostam "dos outros" e acham que se tem gravata é... se não tem é... e assim sucessivamente. Para o mais normal dos populares se conduz mal "o gajo é doutor"... para o mais normal dos doutores se conduz mal "o gajo é pedreiro". Tenho 37 anos, sou doutorado, neto de ferreiro, orgulhoso de tudo o que o Universo contém, incluindo o meu sobre-nome, que nada vale, e o facto de ser quem sou, com ou sem trisavó conhecido e pentavô também. Bem haja quem se sente, mesmo sem ser filho de boa gente!
O sr. Peixoto chega-se à
O sr. Peixoto chega-se à frente. Como diria Eça, é um raposão; escreve para resolver contas lá da sua literatura e escreve sobre si próprio. Sobre a luta de classes, nada diz.
Quer dizer, a luta de
Quer dizer, a luta de classes, hoje, parece ser também entre aqueles que se afugentam se não forem avisados e os outros, ai de nós!, que de alguma forma foram sendo atraídos pelo magnetismo científico. Hard times!
por alma de quem é que este
por alma de quem é que este texto sem pés nem cabeça se chama "Luta de Classes" e porque é que é um tema no esquerda.net?
Agora que li este texto deste
Agora que li este texto deste jovem escritor, lamento-me por nunca ter lido nada seu.
Mas não é por isso que eu comento aqui.
A razão, é a impossibilidade de ficar indiferente a comentários que aqui leio, que dizem tanto acerca da desgraça do meu país.
O poder entregue a uma burguesia tão maldosa quanto imbecil, que nem se coíbe de deixar a sensação de exclusão, os que são a maioria que constituem a sociedade. Nota-se, quando não disfarçam o sentimento de serem mais cidadãos de Portugal que aqueles que, a sua influência política junto do poder vigente conduz à miséria e marginalização, parecendo que estes não têm o estatuto de cidadãos deste país. É inaceitável ver naqueles que tudo fazem para que a cultura não seja abrangente, constatar-se,
sentirem-se orgulhosos desse papel e exultando com sua «superioridade». Depois os do poder vêem para os seus púlpitos dizer que tudo está a ser feito pelos portugueses. Adivinha-se quem são para eles: o poder; os portugueses.
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