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Desafios para o PS

O PS tem de ser claro: rasgará o memorando e procurará construir uma alternativa na esquerda, sem este memorando? Ou a tentação do poder valerá o risco de em poucos meses decretar a sua inutilidade como partido?

Na sexta-feira, com a declaração de inconstitucionalidade do Orçamento de Estado (OE) para 2013, foi dado mais um passo por Passos Coelho e Portas em direção à saída de emergência. Dois OE chumbados em dois anos seguidos tem explicação e tem consequência. A austeridade não compactua com a democracia e esses atentados partem cada vez mais os círculos próximos da maioria. A restrição a esse grupo de representantes é propositada, porque sobre apoio social os últimos meses demonstraram que este Governo não recolhe nenhum.

Uns dias antes, o PS apresentou a sua moção de censura, votada favoravelmente pelo Bloco e pelo PCP, que representa um momento: o momento para esticar e partir a corda. Esticou-a apressadamente e partiu com esta moção de censura. O debate trouxe ainda mais luz sobre certezas, algumas simplesmente caricatas.

António José Seguro está a fazer aquilo que Passos Coelho fez com Sócrates. Esperou pelo momento em que ele e os seus próximos sentiram ter força suficiente para quebrar o verniz. A tarefa estava facilitada para Passos Coelho, porque dependia mais de si; Seguro não tem essa “sorte”. Apesar da diferença de relação de forças parlamentares, não deixa de ser curioso que a base para confronto entre PS e PSD/CDS é a mesma, tendo apenas os intervenientes alterado de geografia. O PSD diz que a culpa é do PS. O PS diz que o Governo é um desastre porque foi além da troika. José Seguro diz que quer renegociar sem especificar o quê, Passos Coelho acusa-o de irresponsabilidade.

O debate no arco do poder chegou, e não foi nesta semana embora se tenha tornado mais claro, ao seu ponto de saturação. Não há nada de novo no discurso de qualquer um dos partidos subscritores do memorando e a atualidade política é pautada pela repetição ad eternum dos mesmos argumentos. E isso acontece, porque não há nada de novo no memorando que assinaram. A conclusão é bastante simples e mais que clara no debate da moção de censura. Entre memorandistas e austeritários o tom de voz flutua como um barco num dia de mau tempo no canal Faial-Pico, mas as propostas de cada um são de tal modo próximas e a diferença pouca, que uma rotação entre estes partidos seria sempre uma continuação política de quem ficou para trás.

Adivinhando um cenário de queda de Governo, já muitas pessoas têm expresso a sua preocupação com um futuro Governo. Enquanto na esquerda batalha-se por uma dinâmica conjunta, construção de programas agregadores e intervenientes e pontes entre organizações e pessoas, uma coisa é certa: não há qualquer solução governamental sustentável capaz de nascer do arco do poder. Em grande parte porque qualquer arranjo entre PS, a solo ou não, com PSD e ou CDS, não representa uma alteração significativa nas políticas de austeridade e portanto, será uma solução contra as pessoas, os seus salários e pensões. Mas essencialmente porque a estratégia do PS é só o poder, não é política.

As últimas sondagens têm mostrado um crescimento do PS, mas também outra coisa. Se houver eleições, e o PS ganhar, Seguro não será Governo sozinho e vai ter de escolher: salsa com o CDS, tango com PSD ou a criação duma nova dança a três. Portanto, a questão da alternativa ao memorando põe-se claramente, e põe-se também ao PS. A carta que o PS enviou à troika é um embuste político. Enunciar alternativas enquanto se reforça a convicção no voto sobre a regra de ouro que dificulta a construção de programas contra a austeridade; pedir-se o fim da austeridade enquanto se reafirma convicção na subscrição deste memorando. O PS tem de ser claro: rasgará o memorando e procurará construir uma alternativa na esquerda, sem este memorando? Ou a tentação do poder valerá o risco de em poucos meses decretar a sua inutilidade como partido?

Sobre o/a autor(a)

Membro da Comissão Permanente do Bloco de Esquerda. Doutorando em Ciência de Computadores
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