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Está na hora de correr aos bancos ou de correr para a rua?

A estupidez sem limites da troika leva-nos a uma situação em que temos de escolher entre ficar numa zona euro, com regras de funcionamento claramente desfavoráveis para metade dos países cobertos, e sair da moeda única, com tudo o que isso implica para perda de poder de compra e de confiança nas instituições políticas e no sistema bancário.

Os tempos são duros para os austeritários. Em todos os países onde a receita austeritária está a ser aplicada, incluindo o Sul da Europa e o Reino Unido, o desemprego aumenta, as pessoas empobrecem e a dívida pública cresce descontroladamente. Não há um único indicador a que se possa recorrer para argumentar que a estratégia de combater a crise com cortes nos salários, nas pensões e nos serviços públicos serve para controlar as finanças públicas.

Este gráfico, retirado de um artigo de Paul de Grauwe e Yuemei Ji, é suficiente para demonstrar o descalabro da teoria austeritária:1

Em nenhum dos países intervencionados a austeridade tem reduzido a dívida pública. Pior, o gráfico mostra como a uma maior intensidade da austeridade corresponde um maior aumento da dívida pública. Se a austeridade é catastrófica em Portugal, é ainda mais na Grécia.

À tragédia, os representantes da troika e dos seus governos lacaios têm respondido com um constante adiamento do dia em que a austeridade trará resultados positivos para a vida das pessoas. Este dia tornou-se como o “longo prazo” das teorias ortodoxas da economia, em que existirá pleno emprego, equilíbrio nos mercados e unicórnios no fim de cada arco-íris. O “longo prazo” é um horizonte, e o horizonte por definição está sempre à mesma distância, por muito que andemos em frente.

Mas há ainda uma outra resposta que os austeritários são capazes de dar. Perante o falhanço completo da sua receita, podem sempre encontrar uma outra receita que seja ainda mais explosiva. Foi o que aconteceu com o saque dos depósitos no Chipre e o anunciado saque aos depósitos noutros países da Eurozona.

Se as recomendações do presidente do Eurogrupo e do governo da Alemanha forem aceites, os depósitos em Portugal podem ser alvo, de um dia para o outro e sem qualquer pré-aviso, de um saque. Compreendamos o que isto significa: os bancos podem fechar num dia, para que noutro dia reabram com os depósitos reduzidos em 20% ou mais. As poupanças de uma vida podem desaparecer de um dia para o outro, como se estivéssemos perante um banco local daqueles que vemos nos filmes de “cowboys”, depois de ter sido assaltado por Billy the Kid.

Compreendamos também porque tem que ser feita sem aviso a operação de saque. Se um governo tiver a honestidade de dizer às 14h de um dia que no dia seguinte os depósitos serão taxados então toda a gente sairá a correr dos seus empregos para chegar ao balcão do banco antes das 15h e levantar tanto dinheiro quanto possível. A falência de todo o sistema bancário seria uma certeza.

Compreendamos ainda porque seria irrazoável para o Chipre responder à chantagem com um “vão à fava”, saindo do euro. O efeito de uma saída unilateral do euro, com a conversão dos depósitos para a nova moeda e a inevitável desvalorização da nova moeda, causaria uma queda no valor das poupanças de um dia para o outro e uma corrida aos bancos em tudo semelhante à causada pelo saque aos depósitos. Mesmo que fossemos otimistas ao ponto de achar que a economia do Chipre recuperaria com alguma rapidez do choque, o impacto político desta medida seria enorme. Ninguém quereria estar neste governo, que rapidamente seria odiado pela população, a não ser quem já tem um qualquer lugar à espera na Comissão Europeia.

A estupidez sem limites da troika leva-nos, então, a uma situação em que temos de escolher entre ficar numa zona euro, com regras de funcionamento claramente desfavoráveis para metade dos países cobertos, e sair da moeda única, com tudo o que isso implica para perda de poder de compra e, talvez mais importante ainda, de confiança nas instituições políticas e no sistema bancário. A saída passa, como sempre acontece com as escolhas difíceis, por redesenhar o espaço das alternativas, algo que só a força cidadã pode fazer.

Defender a democratização da economia, a criação de emprego, o controlo público da banca, a recuperação da agricultura, a redução da dependência energética, a expansão dos serviços públicos e tantas outras causas indispensáveis à sobrevivência económica do país, é uma opção porventura mais difícil que acreditar que a salvação estará numa qualquer medida miraculosa, seja o corte de salários de um lado, seja a saída do euro do outro. Mas esta é a opção de quem não desiste do seu país e do seu povo e defende na rua, no trabalho, no café e na urna uma política feita pelas pessoas e para as pessoas. Independentemente de ir ou não levantar o dinheiro do banco para o pôr debaixo do colchão.


Sobre o/a autor(a)

Ricardo Coelho, economista, especializado em Economia Ecológica
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