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"A dívida é uma bola de neve insustentável"

O economista Nuno Teles faz o convite à participação no I Encontro Nacional da Iniciativa para uma Auditoria Cidadã à Dívida, que se realiza no próximo sábado em Lisboa. Para além de dar a conhecer a composição da dívida pública, serão apresentadas "algumas pistas de trabalho sobre a necessidade de reestruturação da dívida e as diferentes formas que ela pode tomar".
Nuno Teles, economista e membro da IAC, apresenta o I Encontro Nacional do movimento

Um ano depois do arranque desta auditoria cidadã, que balanço fazem do vosso trabalho?

Este I Encontro da Auditoria na verdade é o segundo, porque houve o Encontro fundador no final de 2011. Este ano, há duas novidades no nosso trabalho: tivemos mais um ano de intervenção externa com o empréstimo da troika, o endividamento público cresceu e hoje estamos em profunda recessão. As coisas alteraram-se para pior, tanto na dívida como nas metas do défice. Em consequência, aumentou a pertinência da auditoria neste último ano e há uma atualçização do trabalho que desenvolvemos - tentar explicar o que aconteceu. A outra novidade foi o aprofundamento do programa de trabalho que tínhamos desde o Encontro fundador da Auditoria Cidadã, sobretudo no que respeita à análise da dívida e da sua composição.

O que se pretende com a auditoria é saber qual a dívida pública, do Estado, as suas maturidades, a quem é que devemos  - isto alterou-se com a troika - mas também as causas do endividamento público. A segunda parte do nosso trabalho é essa análise com estudos de caso do endividamento público, uma análise mais sectorial sobre o que é o Estado e porque é que se teve de endividar.

O trabalho que iremos apresentar, feito pelo grupo técnico, será por um lado mostrar qual foi a evolução da dívida e qual é a sua composição, ou seja, a quem é que estamos a dever dinheiro. Houve uma alteração radical dessa composição: há um ano atrás era apenas uma pequena componente que era devida à troika, mas os empréstimos oficiais têm ganho espaço dentro do endividamento público. Muito importante é também a análise evolução da dívida e o seu crescimento até hoje, a níveis de mais de 120% do PIB, e a análise da sustentabilidade da dívida, ou seja, com uma dívida de 120% do PIB a determinada taxa de juro, sabermos se estamos ou não numa espiral de endividamento sustentável. A dívida funciona como bola de neve e nós concluímos que é insustentável para o país e por isso tem de ser reestruturada.

Quais os objetivos deste 1º Encontro Nacional?

Pretendemos fazer uma discussão alargada, aberta ao público, nesta apresentação de contas do que é a Comissão de Auditoria e os seus diferentes grupos de trabalho. Será discutido um relatório sobre o nosso trabalho e análises de caso como a questão das PPP na saúde, as empresas públicas de transportes e - muito importante - os apoios à banca. Todo este processo de recapitalização bancária tem óbvias implicações na dívida e é preciso conhecer a forma como foram processados. E iremos apresentar algumas pistas de trabalho sobre a necessidade de reestruturação da dívida e as diferentes formas que ela pode tomar.

Desde a entrada da troika, a dívida pública portuguesa disparou 25 mil milhões. Como se pode travar esta espiral de empobrecimento que aumenta a dívida?

Este aumento da dívida teve vários componentes. Um deles tem a ver com o alargamento do que é considerado o perímetro do Estado, pois havia endividamento para-público, porque era de empresas públicas, mas que hoje é contabilizado como endividamento do Estado. Há aqui um factor contabilístico que é relevante para dar transparência à dívida do Estado. Há outros componentes, como o aumento do défice, que tem de ser financiado por nova dívida, e há a questão da recapitalização da banca e a forma como os empréstimos da troika são contabilizados na dívida.

Sobre a forma de contrariar este aumento, a opinião que é partilhada neste grupo técnico é que numa espiral recessiva, em que o Produto contrai e a dívida cresce em termos absolutos, o seu peso relativo é cada vez maior. Por isso a atual trajetória é insustentável. Só uma reversão das atuais políticas de austeridade e com crescimento económico é que conseguiremos ver diminuir o peso relativo da dívida no PIB. E o perfil da dívida tem de ser alterado. Pode tomar diferentes formas: uma renegociação das maturidades, juros e montantes é um dos cenários que constatamos. Esta dívida e o peso que tem o serviço da dívida - o que o Estado paga de juros -  é insustentável e por isso tem de haver um processo que leve à diminuição desse peso para os contribuintes portugueses.  Por outro lado, a total condicionalidade que está associada aos empréstimos da troika está a corroer os fundamentos do Estado Social e a nossa economia em geral. Esta recessão está a matar a economia. 

Onde se realiza o Encontro?

O Encontro decorre no dia 19 de janeiro no Instituto Franco Português, em Lisboa, durante todo o dia [início às 10h]. Dados os objetivos desta iniciativa em dar maior transparência na análise da dívida pública, é muito importante a participação de todos. Esta não é uma questão técnica, é uma questão política que diz respeito a todos os portugueses.

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