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Vistos gold: governo não concluiu uma única auditoria

A lei exige auditorias anuais à atribuição de vistos gold, mas a última realizou-se em 2014. Nessa altura, era apontada a ineficácia do controlo interno.
Mecanismo dos vistos gold sempre foi criticado enquanto potenciador do branqueamento de capitais.Foto Marco Verch/Flickr

De acordo com a lei, cabe à  Inspeção-Geral da Administração Interna realizar as auditorias anuais à atribuição de vistos gold, que desde 2012 já permitiram a mais de 6500 pessoas e respetivos familiares obter a autorização de residência em Portugal e a consequente liberdade de circulação no espaço Schengen. A esmagadora maioria dos vistos foram concedidos em troca de investimento imobiliário no país e apenas pouco mais de uma dezena foram dados em troca da investimento que permitisse criar postos de trabalho no país.

Mas apesar da obrigação de auditar anualmente este mecanismo, o atual governo não completou uma única auditoria, revela esta segunda-feira a TSF, que teve acesso às conclusões da auditoria de 2014, a última a ser realizada.

Nessas conclusões, a auditoria indica que o controlo interno da atribuição dos vistos gold era  "muito incipiente e fraco", "frágil", "havendo inclusive áreas em que é ineficaz". Segundo o documento citado pela TSF, foi dado um “poder ilegítimo” ao Grupo de Acompanhamento composto pelo diretor nacional do SEF, pelo presidente da AICEP e pelo Diretor-Geral dos Assuntos Consulares e das Comunidades Portuguesas.

"Grupo de Acompanhamento não se limitava a acompanhar", diz auditoria de 2014

O primeiro era Manuel Palos, que se demitiu no mês anterior à conclusão da auditoria, na sequência da investigação que o acusou de corrupção passiva e prevaricação, crimes pelos quais foi absolvido em julgamento. O segundo era o antigo deputado do PSD e atual administrador da TAP Miguel Frasquilho, que substituíra o gestor Pedro Reis à frente do AICEP em abril de 2014. Pedro Reis ocupava o cargo desde 2011 e foi depois presidente do think tank do PSD, o Instituto Francisco Sá Carneiro, estando atualmente na direção do Millennium BCP. O terceiro era João Maria Cabral, que então dirigia os assuntos consulares no Ministério dos negócios Estrangeiros e foi colocado pelo atual governo em Estrasburgo como representante diplomático junto do Conselho da Europa.

Segundo a auditoria citada pela TSF, este Grupo de Acompanhamento não se limitava a acompanhar os processos, mas "arrogou-se competência para interferir no procedimento, determinando o que devia ser feito, como devia ser feito e em que condições devia ser feito", assumindo "ilegitimamente o papel de intérprete preferencial" da lei. Quanto às normas internas que existiam para definir procedimentos na atribuição dos vistos gold, a auditoria de 2014 apontava o seu "caráter avulso, disperso e pouco claro".

Desde então, mesmo com uma investigação a decorrer sobre suspeitas de corrupção e favorecimento na atribuição de vistos, mais nenhuma auditoria foi concluída. De acordo com a resposta da IGAI à TSF, em novembro de 2016 o ex-secretário de Estado Jorge Gomes travou a auditoria em curso até que o novo Manual de Procedimentos estivesse em vigor. No ano seguinte, uma alteração à lei obrigou a rever esse manual e a redefinir novamente as auditorias anuais. A auditoria à aplicação do novo manual ainda decorre, justifica a IGAI. Ou seja, o decreto regulamentar que prevê auditorias anuais nunca foi cumprido.

No início deste ano, a proposta para abolir o regime dos vistos gold, apresentada pelo Bloco de Esquerda no parlamento, foi chumbada pelos votos de PS, PSD, CDS e PAN. PS e PSD foram mais longe e acabaram por ampliar este regime, ao aprovarem a proposta do PAN para a criação de “vistos green”, atribuídos em troca de investimento ligado ao ambiente.  

“Estamos muito convencidos de que se trata de um instrumento perverso que contribui significativamente para formas de corrupção, de branqueamento de capitais, de evasão fiscal, e que ao mesmo tempo acentua uma duplicidade entre um regime de imigração para ricos e um regime de imigração para pobres”, afirmou na altura o deputado bloquista José Manuel Pureza.

Dois meses depois, o Parlamento Europeu recomendou o fim do regime dos vistos gold, já apontados pelas diversas comissões acerca do combate à fraude e evasão fiscal como mecanismos que “não compensam os riscos graves de segurança, de branqueamento de capitais e de evasão fiscal que apresentam”.

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