O veterano combatente pela paz e adversário da ocupação israelita da Palestina estava hospitalizado desde o início do mês em Telavive. A sua vida foi marcada pela oposição feroz aos abusos de Israel aos direitos humanos e à discriminação do estado israelita contra a população árabe.
Uri Avnery nasceu na Alemanha em 1923 e fugiu do país com a sua família para a Palestina com dez anos de idade, meses depois da ascensão de Hitler ao poder. Na juventude, juntou-se aos paramilitares sionistas para combater as tropas britânicas e lutar pela independência. Abandonou essa organização — Irgun — três anos depois, discordando da linha anti-árabe e defendendo que os árabes, tal como os judeus, também tinham direito à independência. Defendeu a instauração de um só estado e só mudou a sua posição após a Guerra da Independência de 1948-49.
“A guerra conseguiu convencer-me de que existe um povo palestiniano e que a paz deve ser construída antes de mais com eles. Para o conseguirmos, teria de existir um estado-nação palestiniano”, afirmou nas suas memórias, citadas esta segunda-feira pelo diário israelita Haaretz, onde publicou as suas crónicas de guerra e chegou a ser editor-chefe.
A solução dos dois estados, que foi ganhando consenso com o passar das décadas entre os protagonistas políticos da região, era então muito minoritária. “Nem sequer havia dez pessoas a defendê-la naquela altura”, lembrou Avnery em 2009.
O jornalismo preencheu boa parte da sua vida, chefiando a redação do semanário Haolam Hazeh ao longo de 40 anos. Ali expôs as suas ideias que agitaram a sociedade israelita, as denúncias da discriminação da população árabe, dos casos de corrupção do governo e os ataques à democracia. Chegou a ser nomeado pelo chefe dos serviços secretos como o “inimigo nº 1 do governo”. O tom do semanário, que muitas vezes resvalava para o sensacionalismo, tornou-o alvo de ataques à bomba que chegaram a destruir por completo o seu arquivo em 1972. O próprio Avnery sofreu várias agressões físicas por causa das ideias que defendia.
A lei anti-difamação de 1965, que Avnery sentiu como um golpe contra o seu jornal, levou-o a fundar um movimento político e a candidatar-se às eleições, chegando a ser eleito em 1969 e reeleito em 1973. Defendeu as liberdades civis, os direitos LGBT, a laicidade e a paz na região. Voltou a ser deputado em 1979 pelo partido Sheli.
Avnery foi um dos primeiros israelitas a estabelecer contactos com a OLP de Yasser Arafat, tendo criado em 1975 o Conselho Israelita para a Paz israelo-palestiniana. Em 1982, em plena guerra do Líbano, foi a Beirute encontrar-se com Arafat, o que lhe valeu ameaças do governo israelita de julgamento por alta traição.
Em 1993 fundou o movimento Gush Shalom (Bloco da Paz) para defender um estado palestiniano, o desmantelamento dos colonatos israelitas e tornar Jerusalém na capital dos dois estados. O movimento apoia a recusa dos soldados israelitas em participar em operações na Cisjordânia e na Faixa de Gaza e reconhece o direito ao regresso dos palestinianos aos territórios ocupados, enquanto dá apoio às ações de desobediência civil e resistência à construção de colonatos.
Para além do ativismo pela paz, Avnery colaborou enquanto colunista em vários órgãos de comunicação internacionais, como o portal Counterpunch. O esquerda.net publicou também algumas das suas crónicas entre 2006 e 2014.