África Austral

Uma espantosa vitória da esquerda no Botsuana

24 de novembro 2024 - 16:37

A vitória eleitoral da esquerda suscitou a esperança de uma rutura com as políticas inigualitárias que prevaleceram desde a independência do país.

por

Paul Martial

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Comício do Umbrella for Democratic Change.
Comício do Umbrella for Democratic Change. Foto da página de Facebook da coligação.

As eleições no Botsuana, um país da África Austral com 2,6 milhões de habitantes situado acima da África do Sul, tiveram lugar a 30 de outubro. Inesperadamente, a oposição de esquerda obteve uma vitória esmagadora, obrigando a uma mudança de governo que não se via desde a independência do país em 1966.

Diamantes para alguns

Mais do que uma derrota, foi uma derrocada. A Umbrella for Democratic Change (Coligação para a Mudança Democrática) conquistou 36 lugares e obteve a maioria absoluta, com o seu líder Duma Boko a tornar-se Presidente da República. O Partido Democrático do Botsuana, o antigo partido no poder, ficou reduzido a quatro deputados. O Botsuana não deixou de fazer jus à sua reputação de país democrático, tendo Mokgweetsi Masisi, o Presidente cessante, reconhecido a sua derrota e manifestado empenho numa transferência de poder justa. Para o país, este é um acontecimento histórico que não pode ser explicado apenas pelo desgaste do poder.

A relativa prosperidade do Botsuana deve-se às suas minas de diamantes. O país é o segundo maior exportador mundial de diamantes, que representam 90% das suas exportações económicas. Masisi tem-se contentado em gerir esta riqueza sem nunca enveredar pela diversificação económica, numa altura em que a concorrência da produção de diamantes sintéticos, utilizados nomeadamente na indústria, é feroz. Esta crise só serviu para reforçar a elevada taxa de desemprego, sobretudo entre os jovens. A este quadro sombrio junta-se a deriva autoritária do poder, com uma elite dirigente profundamente dividida.

Miséria para os outros

A sondagem do Afrobarómetro revelou que uma grande maioria dos habitantes considera que o círculo do Presidente é corrupto e critica Masisi pelo seu nepotismo e desprezo pelo Parlamento.

O sistema eleitoral de escrutínio maioritário a uma só volta impunha que a oposição, tradicionalmente dividida, tivesse de se unir. A partir de 2012, formou-se a UDC, com a Frente Nacional do Botsuana como espinha dorsal, um partido que se reivindica social-democrata e do qual surgiu Duma Boko, os ganhos eleitorais regulares consagraram a perenidade desta unidade.

Os outros elementos decisivos são os temas sociais da campanha da UDC, que giram em torno do emprego dos jovens e, como salienta o meio de comunicação The Voice Botswana, “um sistema nacional de seguro de saúde que garanta a todos o acesso a cuidados de saúde de qualidade, pagos pelo governo e que lhes garanta uma vida e um sustento decentes”. Num país onde a prosperidade beneficia uma minoria, esta proposta acerta em cheio. O Botsuana tem quase 2.500 milionários e é considerado um dos países mais desiguais do mundo. O financiamento desta medida exigirá uma nova distribuição da riqueza em detrimento da elite rica do país. Estará a UDC disposta a fazê-lo? A mobilização popular será um fator decisivo para impor esta nova política social.


Paul Martial é editor do Afriques en Lutte.

Texto publicado originalmente no L’Anticapitaliste.