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Turbulência nos mercados financeiros

A passada segunda-feira foi marcada pela maior queda da bolsa de Nova York desde 2011. Gerou-se, entretanto, uma onda de desconfiança e volatilidade nos mercados da Europa e da Ásia. Que está a acontecer? Por Alejandro Nadal.
Bolsa de Nova York na terça-feira, 6 de fevereiro de 2018 – Foto de Justin Lane/Epa/Lusa
Bolsa de Nova York na terça-feira, 6 de fevereiro de 2018 – Foto de Justin Lane/Epa/Lusa

O mercado bolsista dos Estados Unidos abriu na terça-feira com sinais de que se avizinhava outro dia de turbulência. A passada segunda-feira foi marcada pela maior queda da bolsa desde 2011: o comportamento do índice S&P 500 anulou os ganhos de todo o ano anterior. Tudo isto provocou uma onda de desconfiança e volatilidade nos mercados da Europa e da Ásia. Que está a acontecer?

Parece que a Reserva Federal dos Estados Unidos (Fed) é o primeiro banco central que consegue sair de uma política de flexibilidade monetária com taxas de juro zero e uma colossal expansão do seu balanço sem grandes dificuldades e sem provocar uma recessão. Conseguir isso não seria pouca coisa. Há que recordar que o Japão não alcançou este resultado e a sua política de flexibilidade monetária não conseguiu romper a inércia da estagnação. E na Europa, o Banco Central Europeu não abandonou as taxas zero e a flexibilização quantitativa. No seu apogeu, essa política monetária manteve uma injeção de liquidez de 80 mil milhões de euros mensais e, apesar de hoje se ter reduzido a 30 mil milhões de dólares mensais, a injeção de liquidez continua.

Parece que a Reserva Federal dos Estados Unidos (Fed) é o primeiro banco central que consegue sair de uma política de flexibilidade monetária com taxas de juro zero e uma colossal expansão do seu balanço sem grandes dificuldades e sem provocar uma recessão. Mas talvez o triunfalismo seja prematuro

A Fed considera que aplicou com sucesso uma política de taxas zero para compensar os efeitos da crise, e hoje retomou o caminho da normalização com o primeiro aumento de taxas de juro em 2015. Quando a Fed começou o seu programa de compra de títulos, muitos pensaram que se desencadearia um período de hiperinflação. As pressões inflacionistas não surgiram, nem abrandou o crescimento que a economia norte-americana tem tido nos últimos anos. Mas talvez o triunfalismo seja prematuro.

No entanto, na semana passada o Departamento do Tesouro do governo dos Estados Unidos deu a conhecer dados sobre os seus planos de endividamento para este ano. O anúncio inclui uma nova emissão de 955 mil milhões de dólares em 2018 e outras de um bilião (castelhano, [milhão de milhão]) adicional nos próximos dois anos fiscais. O mais importante deste anúncio não é o aumento do nível de endividamento do governo federal, porque neste processo os Estados Unidos são os criadores do meio de pagamento com o qual se podem saldar as suas dívidas. Mas o impacto que estas emissões têm sobre as taxas de juro é outra questão.

O anúncio do Tesouro dos EUA confirmou os temores dos investidores sobre o comportamento futuro das taxas de juro e serviu para detonar o forte ajustamento no mercado bolsista. Enquanto o sentimento negativo destes investidores perdurar, o ajustamento em baixa vai manter-se. Aqui há dois problemas intimamente ligados entre sim que é importante considerar. O primeiro é que enquanto a Fed planeia aumentos da taxa de juro, o governo norte-americano decidiu aumentar o seu endividamento. Isso pressiona mais as taxas de juro e, naturalmente, torna mais caro o serviço da dívida. O segundo é que precisamente na passada sexta-feira (quando começou o ajustamento na bolsa de Nova York) foi dado a conhecer o relatório sobre o estado do mercado laboral. O principal dado nesse relatório é que os aumentos salariais foram os mais importantes desde 2009. Trata-se de um aumento modesto em termos históricos (2,9 por cento), mas essa mudança foi considerada como um anúncio de novas pressões inflacionistas por muitos gestores de fundos e contribuiu para a venda massiva de títulos em Wall Street. Nesta economia louca o que promete ser uma melhoria para a população e o que promete reduzir a desigualdade é interpretada como um mau sinal. Em qualquer caso, os investidores concluíram que a Reserva Federal aceleraria o calendário de aumentos das taxas de juro previstos para este ano.

O que estamos a presenciar é o último episódio da normalização que a Reserva Federal procura

O que estamos a presenciar é o último episódio da normalização que a Reserva Federal procura. A sua posição de flexibilidade monetária assentava em dois pilares. O da injeção de liquidez terminou em 2014, mas contribuiu para inflar desmesuradamente os preços dos ativos financeiros. O segundo componente é o das taxas muito baixas ou próximas de zero que apenas começou a ser revertido em 2016. Hoje é evidente que os investidores estão a recalcular o nível de risco existente, o que deviam ter feito logo que a Fed parou a injeção de liquidez. Se não o fizeram então, é porque a Fed manteve as taxas em níveis muito baixos. E apesar de hoje ainda existir uma grande quantidade de liquidez nos mercados financeiros, isso não acalmou os agentes que hoje se inquietam com o aumento nas taxas de juro e com as expectativas inflacionistas.

A sobrevalorização dos ativos financeiros gerada pela política monetária posterior à crise é reconhecida por todos os analistas do mercado. Hoje ainda estamos a observar os efeitos da correção da Reserva Federal: ainda está por se saber se poderá concluir a saída da flexibilidade monetária com sucesso. A volatilidade e o tempo dirão.

Artigo de Alejandro Nadal, publicado em La Jornada a 7 de fevereiro de 2018. Tradução de Carlos Santos para esquerda.net

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