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Tunísia: lutas defensivas contra a restauração autoritária e a crise social

O golpe de estado impôs às classes populares e médias condições materiais muito degradadas com a austeridade imposta pelo FMI como condição de um novo empréstimo. A situação social é explosiva. Por Abir Mestiri e Khalil Amor.
 Kaïs Saïed. Foto: Wikimedia Commons.
Kaïs Saïed. Foto: Wikimedia Commons.

A Tunísia está a sofrer uma restauração autoritária sob a forma de uma personalização do poder e do aperto da repressão policial. Desde o golpe de estado de 25 de julho de 2021, o Presidente Kaïs Saïed alargou os seus poderes. Após ter posto fim ao Parlamento, suspendendo a Constituição de 2014 resultante da revolução e governando por decretos-lei, institucionalizou o golpe de estado.

O referendo sobre a nova Constituição, realizado a 25 de Julho de 2022, apesar dos apelos a um boicote e uma abstenção de 72,6%, legitimou um poder ultra-presidencialista e a submissão do poder judicial ao Presidente.

A nova Constituição ratifica legalmente o fim da democracia liberal e desafia os direitos e liberdades contidos na constituição de 2014. Ao definir o país como um "umma islâmico" (comunidade de povo muçulmano), justifica as políticas mais opressivas, sexistas, LGBTfóbicas, etc. É uma Constituição reacionária com o objetivo de pôr fim às lutas de emancipação que acompanharam a revolução.

Personalização do poder e repressão policial mais dura

O referendo sobre a Constituição foi precedido de uma maior repressão contra ativistas e organizações feministas e LGBT. Mais genericamente, todos os ativistas que promovem protestos, assim como jornalistas críticos e opositores políticos, são os alvos da repressão, que visa especialmente quem se defina como revolucionário.

Para além da jornalista e feminista Arroi Baraket, cujo julgamento está marcado para outubro próximo, várias feministas, pessoas LGBT e ativistas de extrema-esquerda são alvo de processos policiais. Entre as pessoas ameaçadas estão Myriam Bribri, Wael Naouar, Jawaher Channa, Saif Ayadi, Samar Tlili, Anis Harrathi, Hamza Nasri, Ayoub Amara, Mariem Mnaouar, Wajdi Mahouachi, Asrar Ben Jouira, Souhaiel Idoudi, Rania Amdouni, etc.

A polícia também reprime os adeptos de futebol dentro e em redor dos estádios. A repressão policial é um fenómeno estrutural mas, com o golpe de estado, os polícias sentiram rédea solta.

Uma contestação mais ampla, mas dispersa

A repressão e a personalização do poder dissiparam as ilusões sobre Kaïs Saïed. Em Julho de 2021, este conseguiu aproveitar a mobilização contra o partido Ennahda em seu proveito. Apresentou-se como "salvador da revolução" ao prometer que as elites políticas corruptas seriam levadas à justiça. Ao fazê-lo, pôs fim ao movimento de protesto e à democracia liberal instituída desde a revolução. Contudo, apenas uma minoria de ativistas de esquerda e de extrema-esquerda interpretou o evento como um golpe de estado contra-revolucionário marcando uma restauração autoritária.

Desde então, a abolição do Conselho de Magistrados e a demissão de quase sessenta juízes, em fevereiro de 2022, o endurecimento da repressão policial e a apresentação do projeto de Constituição, em junho, alteraram as linhas. A denúncia da "deriva autoritária" espalhou-se amplamente e há muitas lutas defensivas, mas as ações coletivas continuam bastante dispersas.

Uma situação social explosiva

A restauração autoritária visa impor às classes populares e médias condições materiais muito degradadas com a austeridade imposta pelo FMI como condição de um novo empréstimo. A situação social é explosiva, com inflação galopante, escassez de alimentos básicos (café, açúcar, etc.), uma desintegração acelerada dos serviços públicos (cortes de água e eletricidade são frequentes e cada vez mais longos)…

Contra a crise social e a arbitrariedade patronal, são organizadas greves localizadas: a dos empregados da cadeia francesa de fast-food "Pomme de pain" na Tunísia, protestando contra o não pagamento dos seus salários durante vários meses; a dos técnicos de navegação aérea, etc. Hoje, as resistências continuam, seja para salvaguardar os restantes espaços de liberdade da revolução e/ou para protestar contra a degradação das condições materiais. Ganhariam muito se fossem mais coordenadas e conhecidas internacionalmente.


Publicado no originalmente no L’Anticapitaliste e republicado no Viento Sur.

Traduzido por António José André para o Esquerda.net.

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