O Presidente dos EUA assinou esta quinta-feira um decreto para fechar o Departamento da Educação, alegando que este organismo criado em 1979 pelo Congresso dos EUA e que emprega cerca de quatro mil funcionários, gerindo um orçamento anual de 79 mil milhões de dólares, “consolidou a burocracia da educação e procurou convencer a América de que o controlo federal sobre a educação é benéfico”.
Trump acrescenta que o Departamento da Educação só foi criado para que o ex-presidente Jimmy Carter pudesse cumprir a promessa eleitoral feita em troca do apoio do maior sindicato de professores do país. Para justificar o seu fim, o Presidente referiu os dados que mostram os resultados abaixo da média dos estudantes do 8º ano em leitura e matemática, dados produzidos e compilados justamente pelo organismo que quer agora destruir, embora a decisão de extinguir o Departamento só possa ser tomada pelo Congresso.
Na mira do Presidente está também o portfolio de dívida estudantil de 1,6 biliões de dólares gerido por este Departamento. No decreto presidencial, Trump compara o montante do programa de empréstimos aos universitários com o que é gerido por um dos grandes bancos do país, o Wells Fargo. “Mas embora o Wells Fargo tenha mais de 200.000 funcionários, o Departamento de Educação tem menos de 1.500 no seu Gabinete de Apoio Federal ao Estudante. O Departamento de Educação não é um banco e deve devolver as funções bancárias a uma entidade equipada para servir os estudantes americanos”, escreveu Trump.
Desde sempre que as competências do Departamento de Educação são em grande medida conferidas pelos congressistas, pois a Constituição dos EUA não prevê um papel do estado federal na Educação. E a própria existência deste Departamento estava na mira dos Republicanos quase desde a data da sua criação.
Como o desmantelamento pode ameaçar o financiamento das escolas de zonas pobres e rurais
A esmagadora maioria do financiamento das escolas públicas vem dos estados ou das autoridades locais. Os números oficiais de 2018 apontavam para uma fatia entre 6% e 13% de verbas federais no total do financiamento. Dois dos fundos mais significativos são o “Title I”, criado em 1965 e destinado a escolas situadas em comunidades com baixo rendimento e que em 2023 receberam 19 mil milhões de dólares, e o IDEA (Individuals with Disabilities Education Act), criado em 1975 para ajudar as escolas a acompanhar alunos com deficiência, com uma verba que superou os 15 mil milhões em 2024. Estes financiamentos têm apoio dos dois partidos e não estão em causa, só podendo ser revogados pelo Congresso. Tal como o REAP (Rural Education Achievement Program), destinado a escolas em zonas rurais, com 215 milhões no orçamento para este ano.
Embora Donald Trump não possa acabar com estes financiamentos, o que está a fazer ao desmantelar o Departamento de Educação é na prática pô-los em risco. É nesta instituição que trabalham os técnicos que tratam e avaliam os dados estatísticos que depois vão servir de base à atribuição do dinheiro destes apoios às escolas que determinam ser elegíveis. Ou melhor, trabalhavam. A partir de sexta-feira, serão dispensados do serviço e colocados em licença com vista ao despedimento. Dos 100 técnicos do Centro Nacional para Estatísticas da Educação (NCES), apenas três vão continuar a trabalhar.
Criado em 1867, o NCES é a principal fonte de informação de professores, investigadores e do público em geral sobre o estado da educação nos EUA. Por isso é evidente que os cortes “terão um efeito absolutamente devastador”, diz à NPR o investigador de financiamento escolar da Universidade de Washington, Matthew Gardner. Um efeito não apenas no acesso a esta informação, mas também nos orçamentos escolares, pois os fundos não poderão ser atribuídos sem esse trabalho. Estes fundos ajudam a pagar salários aos funcionários das escolas, materiais vários, programas de acompanhamento e outros serviços básicos que não existiriam de outro modo. O trabalho para o próximo ano letivo está concluído, mas a decisão de Trump fez crescer a incerteza sobre o que acontecerá a partir daí, pois já não existirão os técnicos que faziam esse trabalho. Pior ainda: os cortes anunciados por Donald Trump no Gabinete de Censos irá complicar ainda mais a distribuição dos vários financiamentos federais às escolas.
Além de produzirem os dados e determinarem quais as escolas elegíveis para os apoios, os técnicos do NCES apoiavam também aos líderes das escolas locais - que decidem onde vai ser gasto o financiamento. “Acho que não exagero se disser que em qualquer ano recebo milhares de chamadas de dirigentes ou outro tipo de responsáveis locais ou estaduais nos gabinetes do Title I a pedir conselhos e ajuda”, diz William Sonnenberg, reformado do NCES desde 2022 ao fim de quase cinco décadas ao serviço da instituição.
Departamento da Educação não tem poderes sobre o que as escolas ensinam
Ao contrário da propaganda de Trump contra o Departamento da Educação, substanciada na retórica “anti-woke” e de voltar a passar a Educação para os estados, a verdade é que este Departamento federal não tem qualquer poder para interferir nos currículos que são ensinados nas escolas dos EUA. A sua responsabilidade passa por gerir os empréstimos federais aos estudantes, que somam 1.6 biliões de dólares de dívida estudantil e outros apoios federais a cerca de 17 milhões de estudantes universitários por ano.
O Departamento também recolhe e analisa dados de cada universidade que participa nestes programas de ajuda federal aos estudantes, permitindo ao público comparar as entradas e saídas académicas, as taxas de diplomados e outros dados. O sucesso escolar é outro dos indicadores produzidos pelo Departamento de Educação no Nation’s Report Card, considerado o teste padrão em matérias como a leitura, matemática e ciência. Os dados produzidos são depois usados pelos professores, políticos e comunidades escolares para adaptarem e melhorarem a educação no ensino primário e secundário.