Troika escreveu versão final das cartas assinadas por governantes portugueses

11 de fevereiro 2013 - 17:13

Análise dos documentos constantes no site do governo sobre o Memorando e sucessivas revisões mostra que na sua maioria foram emitidos a partir dos computadores de Abebe Selassié ou de seus subordinados.

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Abebe Selassié cuidou pessoalmente das últimas versões das cartas que Vítor Gaspar assinou. Foto de Andre Kosters/Lusa

A carta de intenções assinada pelo ministro das Finanças, Vítor Gaspar e do presidente do Banco de Portugal, Carlos Costa, e enviada à Diretora do FMI, Christine Lagarde, no âmbito da quinta revisão ao programa de assistência financeira a Portugal, foi emitida a partir do computador do próprio chefe da Missão do FMI, Abebe Selassié. Isto demonstra que pelo menos a última versão da carta das autoridades portuguesas ao FMI, de 14 de outubro de 2012, foi escrita pelo próprio chefe da missão do FMI a Portugal.

Mas não foi só essa carta. Um grupo de ativistas das redes sociais investigou a fundo os documentos que o próprio governo tornou públicos na página oficial de Memorandos, e analisou as propriedades dos mesmos, as datas em que foram emitidos os respetivos PDFs e quem os emitiu. A conclusão é no mínimo surpreendente: várias das cartas de intenções enviadas ao FMI e ao BCE/EC, assinadas pelo Ministro da Finanças e pelo Governador do Banco de Portugal e divulgadas no site oficial do governo português foram emitidas diretamente a partir de computadores dos parceiros da troika.

Qualquer um pode verificar as assinaturas

Não é preciso ser um perigoso hacker para chegar a esta conclusão. Basta olhar para as assinaturas dos respetivos PDFs, que podem ser consultadas depois de fazer o download do ficheiro do portal do governo e verificar as respetivas propriedades. No ecrã surge então o nome do proprietário do computador onde foi emitido o PDF. Assim, é fácil constatar que saíram de “sabebe2", referência a Abebe Selassie [FMI] 12 documentos; um documento foi emitido por "HUBSKI Mariusz (ECFIN)" (Mariusz Hubski [ECFIN]), outro por "Garjoi Oana" (Oana Garjoi [ECFIN]) e cinco por "schinta" (provavelmente Sarika Chinta [IMF]).

Apenas seis documentos foram emitidos pelo computador de "gonçalo.henriques" e um de "pedro.nascimento", que correspondem a Gonçalo Henriques e a Pedro Ginjeira do Nascimento, dois dos especialistas contratados pelo Governo para a Estrutura de Acompanhamento dos Memorandos.

No início, houve mais cuidado

Curiosamente, as assinaturas dos PDFs das cartas e documentos do memorando inicial não são visíveis, o que, segundo os autores da investigação, faz crer que em maio de 2011 o governo português (ou talvez por um dos parceiros da troika) teve particular cuidado na produção dos PDFs, limpando as propriedades e autores dos mesmos, cuidados esses que veio posteriormente a relaxar.