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Tributação de multinacionais: Impasse na UE, acordo aquém dos mínimos nos EUA

Já passou quase um ano desde o acordo do G20 e OCDE para obrigar as multinacionais a pagar impostos. Mas os bloqueios dos Republicanos nos EUA e da Polónia e da Hungria na UE continuam a adiar a implementação da taxa mínima de 15% de IRC.
Joe Biden e Ursula von der Leyen. Foto Adam Schultz/Casa Branca/Flickr

Depois de em outubro 136 países assinarem o acordo do G20/OCDE sobre a tributação de multinacionais, parece provável que a sua efetivação no quadro jurídico dos países novamente adiada ou ainda mais enfraquecida.

Para que a medida se torne realidade, é importante o sinal político de dois lados: os EUA, com a administração Biden a ser crucial na diplomacia internacional deste acordo, e a União Europeia, que apresentou o primeiro texto legislativo sobre a matéria. 

Veto da Hungria impossibilita aprovação da diretiva europeia

A Comissão Europeia apresentou em dezembro a diretiva que traduz o pilar 2, isto é, uma taxa mínima efetiva de 15% de IRC sobre as multinacionais. Consiste num conjunto de regras que determinam o direito à imposição de um imposto complementar (top up tax) até perfazer os 15%.

O objetivo era que a diretiva fosse transposta para as normas nacionais até ao final deste ano, estando em aplicação a partir de 1 de janeiro de 2023. Contudo, ainda que tendo recebido a luz verde do Parlamento Europeu sem qualquer sugestão de alteração, ficou retida já três vezes em votação na EcoFin, o sub-órgão do Conselho onde se sentam os ministros das Finanças de cada Estado-Membro. 

As matérias fiscais têm que ser decididas por unanimidade, bastando um veto para que uma legislação não avance. Tudo indica que nesta situação os dois países responsáveis, a seu turno, pelo impasse - primeiro a Polónia e depois a Hungria - utilizaram o seu voto como moeda de troca para negociar outros processos legislativos. A Polónia, depois de ter rejeitado duas vezes a diretiva na primavera, passou a votar favoravelmente depois de ter visto o seu Plano de Recuperação e Resiliência aprovado. A Hungria, que anteriormente apoiava no Conselho a diretiva, passou em junho a bloquear. As suspeitas são que poderá ser pelos mesmos motivos políticos. 

A próxima reunião da EcoFin será a 9 de setembro, ainda não se sabe como serão os votos desta vez. Parece, contudo, que há vontade política dos restantes Estados-Membros, com a França à cabeça, de executar unilateralmente a diretiva.

Outra possibilidade já discutida pelo ministro das Finanças francês, Bruno Le Maire, é a implementação através de cooperação reforçada. Neste cenário não haveria necessidade de unanimidade, apenas um mínimo de nove Estados-Membros envolvidos. 

Acordo de Biden com Republicanos enfraqueceu legislação

Já do outro lado do Atlântico, Joe Biden vê-se confrontado com a oposição republicana e o lóbi corporativo, ambos resistentes à aplicação do acordo. Um sinal disso mesmo foi, logo no início de julho, o agradecimento público do bloqueio húngaro por um grupo de legisladores republicanos do congresso norte-americano.

Depois de meses de pressão, a 16 de agosto, Biden promulgou o pacote legislativo Inflation Reduction Act. Trata-se de um pacote de incentivo à produção de energias renováveis e à redução das emissões poluentes. Inclui várias medidas de financiamento, entre as quais um imposto mínimo de 15% para empresas com lucros muito elevados. No entanto, tal como salienta o Financial Times, a proposta de Biden “fica aquém dos padrões da OCDE para a taxa mínima”.

A administração de Biden tinha avançado originalmente a reforma do regime GILTI - global intagible low-taxed income. Este, que se poderá traduzir como Regime Global de Rendimentos Intangíveis e de Baixa Tributação, foi introduzido em 2017 como um imposto complementar de 10,5% a ser aplicado aos lucros de subsidiárias de empresas dos EUA baseadas em jurisdições de baixa tributação. A proposta de Biden, para que se alinhasse com o acordado internacionalmente, era aumentar essa taxa para 15%.

No entanto, esta proposta não foi aprovada no Senado. O que o pacote recentemente promulgado inclui é uma taxa de 15% ao rendimento contabilístico (aquele que é reportado financeiramente) para empresas com uma receita acima de mil milhões de dólares. Mas o pilar 2 da OCDE é mais ambicioso: refere-se a uma taxa efetiva de IRC de 15%, ou seja, já deduzida de isenções e deduções, e para grupos com uma receita anual de 750 milhões. Para além disso, esta última versão aplica-se apenas ao nível do grupo, em vez de país a país, falhando o objetivo de eliminar o incentivo de estabelecer subsidiárias em paraísos fiscais. 

Assim, é possível que esta legislação não seja considerada compatível com o acordo internacional. No entanto, há quem defenda que estas alterações norte-americanas, ainda que desapontantes, não sejam fatais para a consistência do acordo. O argumento é que a arquitetura do pilar 2 permite que outros países imponham uma taxa complementar até perfazer os 15% efetivos sobre o rendimento de uma subsidiária aí localizada caso o país de origem (neste caso os EUA) não o faça. 

Implementação do Pilar 1 ainda mais atrasada

Já o pilar 1 do acordo internacional, que se refere à distribuição dos direitos a tributar os lucros de multinacionais por cada jurisdição, assente em fatores como o número de trabalhadores, ativos e vendas, parece ainda mais atrasado. Na UE não existe ainda legislação para o efetivar, mas prevê-se que surja nos próximos meses. Poderá, contudo, ter os mesmos impasses que o Pilar 2.

Nos EUA, a ala Republicana mantém-se altamente cética do valor acrescido para a economia doméstica. O pilar 1 tem um âmbito de aplicação ainda mais restrito: apenas se aplica às 100 multinacionais com maiores lucros, mas cerca de metade têm as suas sedes nos EUA. Do lado oposto está a China, que ainda não deu sinais de querer avançar com nenhuma medida. Os republicanos defendem, por isso, que os EUA sairiam a perder por abdicarem parcialmente de lucros a serem tributados domesticamente a favor de outras jurisdições.

Como parte das negociações internacionais, os EUA exigiram às contrapartes que abdicassem dos seus impostos digitais nacionais e outras medidas impostas unilateralmente até 2023. Num cenário plausível em que os EUA não implementem o pilar 1, torna-se possível que as medidas nacionais de tributação ao setor digital se mantenham ou até aumentem.

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