Está aqui

Tribunal anula multa europeia de 13 mil milhões à Apple. O que está em causa?

O Tribunal Geral da União Europeia deu razão à multinacional norte-americana na disputa com a Comissão Europeia sobre o pagamento de impostos. "Critério, zero", critica o eurodeputado José Gusmão.

O Tribunal Geral da União Europeia (TGUE) emitiu esta quarta-feira a sua decisão no caso que opunha a Comissão Europeia à Apple, tendo dado razão à multinacional na disputa sobre pagamento de impostos. O Tribunal anulou a multa de €13 mil milhões previamente aplicada pela Comissão à Apple.

A origem do caso

O caso remonta a 2016. Nesse ano, a Comissão Europeia considerou “ilegais” os benefícios fiscais atribuídos à Apple na Irlanda. O tratamento favorável de que as multinacionais beneficiam no país, pagando taxas de imposto efetivas significativamente mais baixas do que em outras jurisdições, motivaram a decisão da Comissão, que entendeu que violavam as regras sobre ajudas estatais na União Europeia. Para a então comissária europeia para a Concorrência, Margrethe Vestager, tratava-se de um caso de “tratamento seletivo” da empresa na Irlanda.

A Irlanda é há muito conhecida por atuar como um verdadeiro paraíso fiscal dentro da União Europeia. O país tem apostado em taxas de imposto reduzidas para atrair as multinacionais, que desviam os seus lucros de outros países onde a atividade é desenvolvida para evitarem o pagamento de impostos. A Apple beneficiou desde cedo de um tratamento preferencial: em 2014, pagava uma taxa de imposto efetiva de apenas... 0,005%.

Foi isso que levou a Comissão Europeia a abrir uma investigação à Irlanda por incumprimento das regras de concorrência, que restringem os apoios dos Estados às empresas no âmbito do Mercado Único europeu. A Comissão deliberou que a Irlanda teria de “recuperar os auxílios ilegais” à multinacional.

Apesar desta decisão ter merecido a contestação da Apple e do próprio governo irlandês, o acordo para o pagamento do montante devido (13,1 mil milhões em impostos, referentes ao período compreendido entre 2003 e 2014, e 1,2 mil milhões em juros) foi alcançado em 2017. O ministro das Finanças irlandês, Paschal Donohoe, confirmou um “acordo com a Apple em relação aos princípios e operação do fundo” para o qual o dinheiro seria transferido, apesar de o governo apoiar a batalha legal que a empresa iniciou para reverter a decisão.

A decisão do TGUE e as implicações

O comunicado do TGUE, emitido esta quarta-feira, esclarece que “O Tribunal Geral anula a decisão impugnada porque a Comissão Europeia não conseguiu provar, segundo a norma jurídica necessária, que existiram benefícios” que violam as regras de concorrência europeias. A Comissão tem agora pouco mais de dois meses para apresentar um recurso no Tribunal de Justiça da UE, a instância europeia mais elevada.

Vestager não demorou a reagir e garantiu que a Comissão irá “agora estudar cuidadosamente o acórdão e refletir sobre os próximos passos possíveis”. A comissária lembra que “se os Estados-membros concederem a certas empresas multinacionais vantagens fiscais não disponíveis aos seus rivais, isso prejudica a concorrência leal na UE, e também priva o erário público e os cidadãos de recursos para investimentos muito necessários, cuja necessidade é ainda mais premente em tempos de crise.”

Entretanto, o Financial Times deu conta de que a Comissão Europeia pretende avançar com um plano para limitar a concorrência fiscal e combater as práticas de planeamento fiscal agressivo, elisão e evasão fiscais dentro da UE. Este plano terá como objetivo inverter a tendência verificada nas últimas décadas, ao longo das quais as multinacionais têm pago cada vez menos impostos.

“Contexto muito preocupante” a nível europeu

Em Dublin, a decisão do tribunal foi recebida com agrado, sendo que o comunicado do Ministério das Finanças sublinha que “a Irlanda sempre foi clara sobre o facto de não existir tratamento especial” à Apple e lembra que o país sempre aplicou as suas regras de tributação normalmente. O comunicado não deixa de ser relevante, já que Donohoe, ministro das Finanças irlandês, foi recentemente eleito presidente do Eurogrupo, tendo ganho um papel de destaque nas matérias de governação económica europeia.

Para o eurodeputado José Gusmão, a decisão demonstra, mais uma vez, que “as decisões sobre concorrência na UE são tomadas caso a caso, em função do músculo das empresas/Estados. Critério, zero.”

Gusmão critica ainda o comunicado do governo irlandês, lembrando que a liderança de Donohoe no Eurogrupo reforça o “contexto muito preocupante quanto à aprovação de recursos próprios ou combate à evasão fiscal na UE”.

 

Termos relacionados Política
(...)