Várias dezenas de trabalhadores das plataformas, motoristas TVDE e estafetas, estiveram esta quinta-feira presentes na audição marcada pelo Bloco de Esquerda sobre a sua situação laboral, sob o lema "muito quilómetro para pouco dinheiro: direitos para motoristas e estafetas das plataformas". Nesta audição, foram muitos os que tomaram a palavra para descrever o agravamento das condições de trabalho. Os testemunhos revelaram o estreitamento dos rendimentos dos trabalhadores e a revolta face à indisponibilidade das plataformas para o diálogo e para reconhecer os problemas de motoristas e estafetas.
Ouviram-se também reclamações sobre estarem a ser ignorados pelas empresas e pelo Governo. Os trabalhadores apelaram ainda a mais pressão para que a sua voz seja ouvida e os seus problemas sejam resolvidos. Alguns deles declararam mesmo estar no limite, sem rendimentos para sequer suportar a atividade e sem alternativa.
A “economia do futuro” não pode ser “uma regressão ao passado do salve-se quem puder”
Na intervenção que encerrou o encontro, Mariana Mortágua agradeceu a presença destes trabalhadores e defendeu que "as aplicações, as plataformas, os algoritmos fazem parte da economia do futuro” e esta “não pode ser uma regressão ao passado do salve-se quem puder, sem direitos, sem condições, sem férias, sem proteção de saúde”.
Acusou estas empresas de terem condicionado “as leis que são aplicadas em cada país” com “duas grandes empresas” a controlar o mercado e a imporem uma suposta ausência de regras que “é apresentada como uma coisa boa para as pessoas” mas resulta em que “há carros a mais para a quantidade de serviço”, “há licenças de estafetas a mais para a quantidade de serviço” e que “para sobreviver estão a competir pelo preço”. Sendo que não há tarifas mínimas, há “um dumping em que se paga para trabalhar”. Para a coordenadora bloquista, “é impossível competir para ver quem ganha menos porque essa é uma economia de miséria em que toda a gente empobrece e por isso tem que haver valores mínimos de tarifa”.
Mariana Mortágua defendeu também que “não podemos ter gente a trabalhar nas ruas todos os dias, que não ganha um salário decente, que tem um acidente e fica e casa sem trabalhar e não tem nenhuma proteção no emprego, que quanto tem um filho fica meses fora do trabalho e não tem como fazer a sua vida”. Lembrou que houve gerações de trabalhadores que lutaram por estes direitos e por outros, como o direito a férias pagas, tempo de descanso e proteção no trabalho”. Concluiu assim que ”não há nenhuma plataforma que chegue e que apague esses direitos” conquistados, porque este país “não é uma selva em que meia dúzia ganha a explorar todos os outros”.
O Governo tem de ouvir estes trabalhadores
Para além da audição, o Bloco agendou para esta quinta-feira um debate na Assembleia da República sobre o seu projeto de resolução sobre o setor. José Soeiro quer confrontar o Governo "precisamente com a necessidade de regular este setor, ouvir os trabalhadores e garantir mais direitos para quem trabalha através de plataformas digitais”. O deputado do Bloco traçou o quadro de um setor que é "muito desregulado, onde se trabalham muitas horas, 10, 12, 14 horas, para um rendimento que tem vindo a ser comprimido", além da desproteção face a acidentes de trabalho e a ausência de direito a férias.
Na resolução que o Bloco traz a debate no Parlamento, recomenda-se que o executivo reúna com estes trabalhadores dado que “é preciso que comece a haver negociação coletiva dentro deste setor também”. Considera-se ainda necessária uma "fiscalização no âmbito das obrigações fiscais e contributivas das plataformas e dos intermediários" e "garantir direitos a estes trabalhadores, nomeadamente, fixando tarifas".
Outra das propostas em discussão é que as empresas que operam no país aqui tenham uma sede física de forma a que os trabalhadores possam saber onde se podem dirigir para resolver os seus problemas.
O partido acredita ainda que é necessário discutir e regulamentar um setor que é “uma nova realidade do mundo do trabalho”