O Jornal de Negócios anunciava no passado dia 15 de março que a remuneração de Pedro Soares dos Santos só em 2017 subiu 58,3% num total bruto de 2.009 milhões de euros face aos 1.269 milhões de euros do ano precedente. Deixando de lado o decomposto remunerativo e explicativo que o dito jornal anunciava num detalhe irrisório de milhões para o comum do cidadão, convém analisar em igual detalhe as remunerações dos trabalhadores da grande distribuição e a sua luta permanente por melhores condições de trabalho. Trabalhadores de super e hipermercados, essa nova e mais recente forma de exploração a que tendemos apelidar de empregos e que vamos interiorizando com a mesma naturalidade, ignorando os verdadeiros dramas que tais ocupações desencadeiam na vida dos seus trabalhadores.
Um setor que sempre viveu de um pressuposto baseado num modelo de sociedade, em que se privilegiam as remunerações baixas como alguém um dia defendeu e onde muitos atualmente ainda estabelecem os alicerces dos seus impérios. Os trabalhadores são a mão de obra barata com que as fortunas se vão acumulando e onde os seus direitos são convenientemente suprimidos por leis feitas à medida dos grandes grupos empresariais, de mãos dadas com a conivente classe política deste país e que nos tem governados desde o pôs 25 de abril. Nem no período de aperto orçamental a que o nosso país foi ainda recentemente sujeito a que a troika impôs a conveniência do seu neoliberalismo selvagem, tão em voga na classe dominante de Bruxelas, os lucros do tecido empresarial português desceram com significativo impacto. Aliás, foram aos mesmo de sempre que foram pedidos os maiores sacrifícios, àqueles que sempre foram, no fundo, os mais sacrificados.
O período a que alguns convencionaram chamar de salvação nacional, mais não foi que o pretexto encontrado para a implementação de um conjunto de medidas, que tinham como principal objetivo a supressão de muitos dos direitos dos trabalhadores, tal como e a título meramente exemplificativo, o agilizar dos despedimentos, supra-sumo de entre um conjunto de outras medidas, que teriam o dom de nos catapultar para um novo período de desenvolvimento e crescimento. Ora tal não se veio a verificar. Muito pelo contrário. O efeito anunciado pelos ideólogos de então, fora precisamente o oposto, agravando a já de si débil economia nacional e prejudicando em larga medida aqueles que já viviam das magras remunerações.
Os trabalhadores do grande retalho habitam uma espécie de universo paralelo, onde as leis laborais parecem muitas vezes ter alguma dificuldade em fazer-se sentir. Os trabalhadores deste setor, são confrontados com ritmos verdadeiramente frenéticos e desumanizados, obrigados a terem que permanecer nos seus locais de trabalho muito para além do horário regulamentar, sem que lhes seja pago aquilo que é devido, prejudicando em muito a saúde e o tempo disponível com as suas famílias, diminuindo drasticamente a sua qualidade de vida. Os períodos de descanso inadequados, impossibilitando uma simples ida ao wc, são também práticas veiculadas por parte de algumas empresas, que em muito contribuem para a desmoralização e o cansaço extremo. O clima repressivo e o uso inapropriado dos sistemas de videovigilância que não para os efeitos estritamente a que se convencionaram; tal como o controle indevido de trabalhadores, são outro aspeto de uma longa e extensa lista de irregularidades praticadas, onde a legislação laboral parece em definitivo ausente, arredada da realidade e da vida dos trabalhadores.
A APED(associação Portuguesa de empresas de distribuição) tem-se mostrado pouco incomodada ou interessada na resolução destes e outros problemas; exigindo contrapartidas irrisórias; àquilo que os sindicatos (CESP/CGTP) reivindicam e que no fundo mais não são que a reversão de algumas das medidas impostas no período de ajustamento financeiro. As iniciativas levadas a cabo pelas organizações sindicais inseridas no contexto da convenção coletiva que decorre há mais de dois anos, continua sem acordo entre as partes. A intransigência do representante dos associados das empresas distribuidoras, acena aos seus trabalhadores e respetivos sindicatos uma mão cheia de nada, exigindo o ridículo, ou seja, uma ainda maior flexibilidade horária e a continuação das irregularidades praticadas até ao momento. Entre elas, a discriminação dos operadores de armazém de logística, e os trabalhadores especializados que desempenhando idênticas funções, auferem remunerações distintas consoante a sua localização geográfica (Lisboa, Porto e Setúbal recebem mais 41 euros que trabalhadores noutros pontos do país). A estas e outras injustiças praticadas, a APED parece fazer ouvidos de mercador, exigindo sempre mais dos seus trabalhadores.
Um trabalhador no setor em questão leva para casa uma remuneração na ordem dos 600 euros. Valor esse pouco acima do ordenado mínimo nacional. E quando mais se impunha um governo ao lado da classe trabalhadora capaz de reverter as medidas impostas pelo governo PSD/CDS, os socialistas na assembleia da república sobre a legislação laboral, votam ao lado do anterior governo, insistindo na mesma política e impossibilitando a reversão de medidas como o banco de horas, algumas delas que constavam no programa deste governo. Resta pois a luta dos trabalhadores e sindicatos, para que a justiça seja reposta, para que os seus direitos sejam preservados, para que as injustiças tenham um fim.
Por Marco Filipe Alcaide Barrancos, operador de portagem, delegado sindical e membro do conselho nacional do Cesp (sindicato dos trabalhadores do comércio, escritórios e serviços de Portugal).