Um novo tratado internacional impulsionado pelos governos dos Estados Unidos e da União Europeia, Trade in Services Agreement (TiSA), está a ser negociado secretamente entre 50 governos do planeta. Se for aprovado, vai impor a continuidade e intensificação do modelo financeiro desregulado que foi responsável pela crise financeira global de 2007-2008 que arrastou as economias ocidentais, crise que estamos a pagar após quase uma década de austeridade empobrecedora, cortes sociais e resgates bancários. Quem ganha com o novo tratado são as grandes companhias privadas multinacionais, ao mesmo tempo que governos e instituições públicas ficam de pés e mãos atados.
Pacto de silêncio
O nível de segredo com que o TiSA está a ser negociado é de tal forma que tudo permanece envolto no mais estrito segredo e que se pretende que esse pacto de silêncio se mantenha por mais cinco anos. Assim, quando for dado ao conhecimento público, já terá entrado em vigor.
O nível de ocultamento com o que foram elaborados os artigos e anexos do TiSA – que cobrem todos os campos, desde telecomunicações e comércio eletrónico até serviços financeiros, seguros e transportes – é mesmo superior ao do Trans-Pacific Partnership Agreement (TPPA) entre Washington e os seus sócios asiáticos, para o qual se preveem quatro anos de vigência na clandestinidade.
Os documentos originais do TiSA foram agora revelados pela Wikileaks, e estão a ser divulgados por um pool jornalístico de parceiros da Wikileaks, que inclui o Público (Espanha), The Age (Austrália), Süddeutsche Zeitung (Alemanha), Kathimerini (Grécia), Kjarninn (Islândia), L'Espresso (Itália), La Jornada (México), Ponto24 (Turquia), OWINFS (Estados Unidos) e Brecha (Uruguai).
Intenção fraudulenta
Segundo o Público.es, “é patente a intenção fraudulenta dessa negociação clandestina pela sua descarada violação da Convenção de Viena sobre a Lei de Tratados, que requer trabalhos preparatórios e debates prévios entre especialistas e académicos, agências não governamentais, partidos políticos e outros agentes, algo a todos os títulos impossível quando a elaboração de um acordo é feita em estrito segredo e às escondidas da luz pública”.
É patente a intenção fraudulenta dessa negociação clandestina pela sua descarada violação da Convenção de Viena sobre a Lei de Tratados, que requer trabalhos preparatórios e debates prévios entre especialistas e académicos, agências não governamentais, partidos políticos e outros agentes
De momento, os governos implicados na negociação secreta do TiSA são: Austrália, Canada, Chile, Colômbia, Coreia do Sul, Costa Rica, Estados Unidos, Hong Kong, Islândia, Israel, Japão, Liechtenstein, México, Nova Zelândia, Noruega, Paquistão, Panamá, Paraguai, Peru, Suíça, Taiwán, Turquia e a Comissão Europeia, em representação dos 28 países membros da UE, apesar de ser um organismo não eleito por sufrágio universal. Além disso, entre os parceiros há três paraísos fiscais declarados, que participam ativamente na elaboração dos artigos, especialmente a Suíça.
Os documentos agora revelados mostram que o que se pretende é eliminar todos os controlos e obstáculos para a liberalização global dos serviços financeiros, suprimindo qualquer limite às suas instituições e qualquer restrição aos seus produtos inovadores, apesar de terem sido precisamente esses inventos financeiros, como os derivados ou os CDS (credit default swaps) – autênticas apostas sobre possíveis falências –, que geraram a bolha bolsista mundial que ao estourar em 2007-2008 destruiu os fundamentos económicos das potências ocidentais e forçou o resgate dessas entidades com centenas de milhares de milhões em fundos públicos.
BRICS de fora
O pool de parceiros da Wikileaks teve mesmo acesso às notas internas sobre as negociações com Israel e a Turquia para a adesão ao tratado secreto, foi negada, em contrapartida, à China e ao Uruguai quando o solicitaram, provavelmente temendo que revelassem o conteúdo do pacto quando compreendessem o alcance do que se pretende.
É reveladora a lista das nações latino-americanas que participam no TiSA, todas elas fiéis aliadas dos EUA, como a Colômbia, México e Panamá (paraíso fiscal que é muito ativo na negociação), bem como a exclusão não só dos países bolivarianos como também até do Brasil e de outras potências regionais em que Washington não confia. Na realidade, todas as potências emergentes dos chamados BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) ficaram afastadas do tratado secreto, precisamente por serem as que mais perdem ao serem aplicadas as condições pactuadas.
Os acordos do TiSA levam em conta todas e a cada uma das exigências da indústria financeira de Wall Street e a City londrina, bem como os interesses das grandes empresas multinacionais, para as quais o tratado não é secreto.
Os acordos do TiSA levam em conta todas e a cada uma das exigências da indústria financeira de Wall Street e a City londrina, bem como os interesses das grandes empresas multinacionais, para as quais o tratado não é secreto. Como alertou há meses a catedrática de Direito da Universidade de Auckland (Nova Zelândia) Jane Kelsey "o maior perigo é que o TiSA impeça que os governos fortaleçam as regras do setor financeiro".
Governos de pés e mãos atados
Desenhado em acordo estreito com esse setor financeiro mundial, o TiSA vai obrigar os governos signatários a sustentar e ampliar a desregulação e liberalização bolsista que foi causa da crise; retira-lhes o direito de manter e controlar os dados financeiros dentro dos seus territórios; força-os a aceitar derivados creditícios tóxicos; e ata-os de pés e mãos se quiserem adotar medidas para impedir ou responder a outra recessão induzida pelo neoliberalismo. E tudo isso será imposto por uns secretos, sem que a opinião pública possa tomar conhecimento dos verdadeiros motivos que arrastam a sua sociedade à ruína.