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A tirania consentida do dragão chinês

A abertura do XVIII Congresso do Partido Comunista da China, na sexta-feira, levará ao poder uma nova camada de dirigentes, escolhidos numa luta de bastidores, cujo desenrolar poucos conhecem e que, provavelmente, a história jamais irá conhecer.
Dragão chinês. Foto de GoShow, wikimedia commons

O mitológico dragão chinês, ao chegar ao posto de segunda economia mundial, transformou-se numa importantíssima engrenagem do sistema capitalista. E só a partir dessa perspetiva é que podemos compreender o significado deste congresso no futuro imediato da China e também as suas repercussões no cenário mundial.

A tirania consentida pelo imperialismo mundial

Há vários dias, as mais importantes publicações da imprensa mainstream têm dedicado um lugar de destaque a este congresso, cuja principal tarefa é apresentar os nomes dos homens responsáveis para governar essa potência nos próximos anos. Um período cuja duração será determinada pela evolução da luta dos trabalhadores e das nacionalidades oprimidas nas suas fronteiras.

Todos os artigos não apresentam muitas variações, mas o que mais chama a atenção é que em nenhum deles o governo chinês é chamado pelo seu verdadeiro nome, ou seja, parece que, por conveniência, todos se esqueceram de que se trata da mais importante ditadura do planeta. Uma ditadura que não se diferencia de nenhuma outra que existe ou que existiu, como a de Khadafi, Mubarak ou Assad. Nenhum líder americano diz que vai enviar os drones sobre os chineses, como fazem no Afeganistão, matando famílias e crianças. Ninguém diz que as chamadas “forças democráticas” vão invadir Pequim para tirar os tiranos que exploram e oprimem a maior população do planeta ou seja, mais de 1,3 mil milhão de pessoas. O que equivale a mais de 4 vezes a população dos Estados Unidos; quase 7 vezes a população do Brasil; e cerca de 130 vezes a população de Portugal. Como vemos, não se trata de uma ditadura insignificante, porque sob uma ditadura vivem pessoas, seres humanos.

O dragão chinês pode, hoje, cuspir fogo, bater a cauda em qualquer direção, meter as garras onde melhor lhe aprouver e todos os governos farão de conta que nada está a acontecer. Isso ocorre devido ao extremo entrelaçamento das economias imperialistas com a China, que se aprofundou nos últimos anos. A volta aos trilhos capitalistas abriu as portas para a exploração da mão-de-obra chinesa, submetida a uma brutal situação, permitindo que as multinacionais aufiram lucros fabulosos. Um verdadeiro negócio da China, como diz o ditado popular.

Com um grande número de países, imperialistas, emergentes ou miseráveis a fazer negócios com a China, ninguém se dispõe a criticá-la. Mesmo que o regime chinês seja um dos mais retrógrados do mundo, todos estão dispostos a consentir a tirania do dragão chinês. E a subida da nova liderança fará com que as “democracias” de todo o planeta estiquem os tapetes vermelhos para receber os novos tiranos.

Quais as tarefas que esperam os novos dirigentes?

Sem, neste artigo, entrar na discussão dos nomes dos novos dirigentes chineses, resta saber a que vêm esses senhores. Deles se espera que mantenham, custe o que custar, a estabilidade política que toda a ditadura oferece por um certo número de anos. Manter a ditadura chinesa é mais conveniente que substituí-la por um regime onde os governantes percam ou possam perder o controlo da situação, a fingir que são “democratas”. É importante ressaltar que vivemos um dos períodos mais turbulentos da história humana, com governos a cair em várias partes do globo. O sistema imperialista tem sofrido um forte golpe com a revolução democrática que tem assolado o mundo árabe e que ainda não terminou, prometendo novos lances de fúria e de revoltas populares. Existe também uma fenomenal crise na Europa, no Japão, e tudo isso agrava a decadência do imperialismo americano. Turbulência política na China é o pior que pode ocorrer para as potências imperialistas, atascadas nos seus próprios problemas domésticos. E isso, certamente, tentarão evitar a qualquer preço.

O regresso ao capitalismo impulsionado por Deng Xiaoping abriu caminho para o surgimento de uma nova burguesia na China, classe esta que fora aniquilada pela Revolução Chinesa de 1949. Outro fenómeno paralelo, se podemos usar esta expressão, foi a transformação de burocratas comunistas em parte da nova burguesia chinesa. Os melhores exemplos disso são os recentes escândalos financeiros envolvendo pelo menos três dos homens mais poderosos da atual China; Bo Xilai, ex-governador de Chongqing, e um dos mais fortes candidatos à sucessão chinesa, até cair em desgraça neste ano, cuja família acumulou milhões de dólares; Xi Jinping, cuja família tem uma fortuna avaliada em 376 milhões de dólares; e Wen Diabao, atual primeiro-ministro, cuja família acumulou nos últimos anos a quantia de 2,7 mil milhões de dólares. São apenas três casos que compõem a ponta de um iceberg cujo tamanho ninguém sabe qual é. Não estamos a falar de pequenos burocratas comunistas privilegiados, mas, sim, de fortunas acumuladas com base numa fantástica corrupção. Disto só podemos concluir que a manutenção dos seus próprios interesses, cujo destino está ligado, neste momento, aos investimentos imperialistas será a tarefa principal dos futuros líderes chineses.

Novas reformas?

Muitas linhas foram escritas sobre este tema, mas, como demonstra a história recente, em todos os governos que sofreram nos últimos anos a rebelião das massas, a única coisa cuja reforma está garantida é a da polícia anti-distúrbios. A possibilidade de uma reforma democrática na China, certamente, não fará parte da agenda dos novos escolhidos. Num país onde fontes independentes afirmam que ocorrem 200 mil conflitos anuais e cujo governo desmente, alegando tratar-se de apenas 90 mil, a única maneira de governar será com base na repressão. Os melhores exemplos disso são: a manutenção de Liu Xiaobo, Prémio Nobel da Paz, encarcerado; o exílio do ativista cego Cheng Guangcheng; e a perseguição sistemática ao famoso artista Ai Weiwei; o exílio do Dalai Lama, sem falar nos milhares de presos políticos cujo número não conhecemos.

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