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"Tem de haver soluções para quem caiu abaixo do limiar da pobreza”

Em entrevista à Antena 1, Catarina considera que “há uma área de intervenção fundamental que é a criação de emprego. Precisamos de estratégia que crie emprego em Portugal”. Por isso “será fundamental debater que tipo de investimento público devemos ter para criar emprego” em áreas como o parque habitacional, transição energética e mobilidade, e o setor social.
Tem de haver regras sobre investimento europeu. "Já vimos fortes investimento públicos que criaram ricos e não criaram riqueza em Portugal”, sintetiza.
Tem de haver regras sobre investimento europeu. "Já vimos fortes investimento públicos que criaram ricos e não criaram riqueza em Portugal”, sintetiza.

Numa entrevista liderada pela editora de política da Antena 1, Natália Carvalho, a coordenadora do Bloco de Esquerda esclareceu o papel do Bloco na definição das soluções para o país, dando prioridade aos “direitos do trabalho”, fragilizados pela troika e relativamente aos quais “não houve ainda uma reconstrução destes direitos”.

Esta recusa do Partido Socialista “teve um efeito muito violento na pandemia”, explica. Porque “os salários são muito baixos, despedir é muito barato e há muita gente sem proteção social”.

“Ganhamos em posicionarmo-nos face às soluções do país porque é por elas que surgem as soluções de maiorias no parlamento. Em 2015 não havia extraordinária proximidade entre o PS, PCP ou Bloco de Esquerda diferente da que há hoje. Mas sim um acordo sobre o que era urgente, que permitiu convergências”, relembrou.

O Partido Socialista “não quis continuar este caminho. Teria sido vantajoso que em 2019 tivesse havido novo acordo porque isso permitia um horizonte de legislatura, um horizonte de convergências e de que passos estratégicos seriam dados para o país. O Partido Socialista não o quis fazer. Logo em 2019 decidiu fazer uma série de acordos com o PSD, afastando-se do acordo de 2015, nomeadamente na área do trabalho. O PS decidiu esse caminho”, continuou.

E esclareceu que “não nos pomos de lado de convergências com o país. Recusamos sim uma estratégia de PS minoritário que não negoceia com ninguém e os restantes partidos estão obrigados a aprovar quer concordem ou não. Uma democracia não funciona assim. Quem votou no Bloco de Esquerda votou num mandato. Sobretudo numa altura de crise onde o país precisa de pensar seriamente nas soluções”.

O PS “entendeu que já não tinha sentido uma reconstrução de patamares que sempre estiveram associados a conquistas de esquerda, seja sobre serviços públicos essenciais ou direitos do trabalho. Isso está errado porque está muito por fazer. Não é novidade porque, em 2015 quando criámos o grupo de trabalho da precariedade fizemos algum avanço, mas depois o Governo decidiu ir para a concertação social alterar o que foi trabalhado e negociar com a direita”.

Do ponto de vista do Bloco de Esquerda, “o que é importante é saber se há maioria para decisões fundamentais no país, nomeadamente no emprego, proteção social e habitação”.

O Orçamento do Estado para 2021 não respondia aos problemas

Catarina afasta as relações pessoais como fator determinante nas negociações com o Governo. “A questão é sempre de relação de forças e de vontade. O Bloco achou que não devia aprovar um Orçamento que não garantia proteção social a quem perdeu com a pandemia. Porque esse era o nosso mandato. A ideia, básica, de que quem perdeu rendimento com a pandemia deve ter apoio social que não coloque as pessoas abaixo do limiar da pobreza, porque se nós empurramos milhares de pessoas para a pobreza, não só é uma tragédia pessoal como é um problema de recuperação do país”, diz.  

“Registo que, já depois da aprovação do Orçamento, até o Governo teve de alterar os apoios sociais porque não serviam para nada neste quadro”, sintetiza. No SNS, “o Governo rejeitou a fixação de profissionais mas depois proibiu os profissionais de se despedirem durante o estado de emergência. Acho que é melhor fixar profissionais do que proibir de se despedirem”, ironiza.

Para lá das questões imediatas, como apoios sociais, serviços públicos ou do Novo Banco, “há uma área de intervenção fundamental que é a criação de emprego. Precisamos de estratégia que crie emprego em Portugal. A Economia está muito fragilizada. O setor privado não terá capacidade para criar emprego na dimensão necessária”. Por isso “será fundamental debater que tipo de investimento público devemos ter para criar emprego” em áreas como o parque habitacional, transição energética e mobilidade, ou ainda o setor social “devido à enorme fragilidade dos equipamentos sociais e apoio ao fim de vida”.

Novo Banco espelha um tipo de economia rentista

“O Novo Banco ao longo destes anos tem levado em injeções públicas o equivalente a três vezes o aumento extraordinários das pensões mais baixas. É muito dinheiro que espelha um tipo de economia rentista de quem vive de favor e de quem não tem nenhuma responsabilidade na criação de riqueza do país”, diz.

Considerando “um erro” a recusa do primeiro-ministro em discutir no Parlamento as injeções no Novo Banco, Catarina afirma que “seria bom início de conversa para convergências largas que o projeto de lei do Bloco fosse aprovado também pelo PS. Até por uma questão de transparência: porque razão o Governo há-de fazer essa injeção sem explicar ao Parlamento como a faz. Ainda para mais quando o Tribunal de Contas faz denúncias gravíssimas sobre a forma como o dinheiro dos contribuintes está a ser gasto”.

“Face a tudo o que sabemos, seja sobre o que foi revelado pela comissão de inquérito, seja pelo Tribunal de Contas, não há nenhuma razão para fazer esta nova injeção no Novo Banco. Se o Governo assim o entende, então que o explique no Parlamento”, diz.

O investimento europeu tem de ter regras e objetivos

Sobre as negociações para o próximo Orçamento do Estado, Catarina define que “precisamos negociar soluções para o país. O Bloco nunca impôs o seu programa. Mas negociamos caminhos e trajetórias. Há uma diferença entre ter um SNS mais forte ou mais fraco. Há uma diferença entre ser capaz de proteger a segurança social ou não. Há uma diferença entre ter um apoio social que evite uma tragédia social, ou fecharmos os olhos ao que está a acontecer”.  

“Não dizemos que tem de ser a medida A, B ou C, mas tem de haver soluções para estes caminhos. Tem de haver soluções para quem caiu abaixo do limiar da pobreza”, afirma.

E sobre o investimento europeu, alerta que “ou há regras de investimento que correspondam a emprego digno com direitos e não à exploração como se viu em Odemira, ou o investimento serve objetivos e tem regras, ou serve para quê? Não passamos cheques em branco sobre o futuro. Já vimos fortes investimentos públicos que criaram ricos e não criaram riqueza em Portugal”, sintetiza.

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