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Surto europeu de varíola dos macacos: o que precisa de saber

Num ambiente pós-pandemia, devíamos dedicar mais atenção à compreensão das implicações locais e globais da febre de Lassa, varíola dos macacos, Ébola e outros agentes patogénicos raros mas graves. O surto indica um fardo mais pesado da doença em países de baixo rendimento com acesso limitado a cuidados de saúde. Por Michael Head.
Macaco-cinomolgo. Foi nesta espécie que os investigadores primeiro encontraram este vírus. Isso não significa que a "varíola dos macacos" tenha como hóspede principais este animal. Foto de Sakurai Midori/wikimedia commons.
Macaco-cinomolgo. Foi nesta espécie que os investigadores primeiro encontraram este vírus. Isso não significa que a "varíola dos macacos" tenha como hóspede principais este animal. Foto de Sakurai Midori/wikimedia commons.

Quatro novos casos de varíola dos macacos foram noticiados no Reino Unido, elevando o número total de casos confirmados para sete. A Agência de Segurança Sanitária do Reino Unido (UKHSA) está a investigar com urgência a origem do surto.

O primeiro caso do corrente surto foi confirmado a 6 de maio. Mas não é a primeira vez que a varíola dos macacos foi noticiada no Reino Unido. Três casos foram relatados em 2021 e um em 2018. Contudo, estas infeções são raramente descobertas no Reino Unido e estão esmagadoramente ligadas às viagens internacionais a áreas endémicas, incluindo partes da África ocidental e central.

A 18 de maio, cinco casos foram relatados em Portugal com mais 20 casos suspeitos a serem investigados. No mesmo dia, as autoridades de saúde espanholas relataram oito casos suspeitos em homens que tiveram sexo com outros homens.

Este é o maior surte do varíola dos macacos jamais visto na Europa. Não se sabe se os casos estão ligados.

Termo impróprio

A varíola dos macacos, como o nome sugere, foi descoberta pela primeira vez em macacos de laboratório no final dos anos 1950. Contudo, os cientistas não têm a certeza se os macacos são os principais reservatórios animais (portadores do vírus), assim o termo pode ser um pouco impróprio. A hipótese mais recente é que o reservatório principal são provavelmente animais menores, como os roedores.

Ao contrário da Covid, a varíola dos macacos não passa facilmente de humano para humano. Requer habitualmente interação com animais que sejam portadores do vírus ou contacto muito próximo com a pessoa infetada ou contacto com “fómites” (como roupa, toalhas ou mobiliário contaminados). Também ao contrário da Covid, a varíola dos macacos não é conhecido que se espalhe assintomaticamente. Porém, as provas sobre a varíola dos macacos são escassas e o surto atual proporcionará novos conhecimentos sobre o seu impacto e transmissão.

A varíola dos macacos pertence à mesma família de vírus que a varíola, mas é menos transmissível. As pessoas que a apanham tipicamente desenvolvem uma febre e uma erupção cutânea distinta e bolhas. A doença é normalmente auto-limitada, com sintomas a desaparecerem após algumas semanas. No entanto, a varíola dos macacos pode causar doenças graves, com os surtos a mostrar tipicamente uma taxa de fatalidade (a proporção de pessoas com a doença que morrem dela) entre 1% e 15%, com doença grave e a morte a ser mais provável entre as crianças.

Sexualmente transmitida?

A UKHSA diz que alguns dos casos do surto de maio de 2022 não podem ser explicados com viagens internacionais recentes, sugerindo que houve provavelmente “transmissão comunitária”. Quatro em sete dos casos são em pessoas que se identificam como gays, bissexuais ou outros homens que têm sexo com homens. Um epidemiologista da instituição tweetou que isto é “altamente sugestivo de uma disseminação através de redes sexuais”. Os casos em Espanha também podem ser objeto de observações semelhantes.

Assim, a transmissão pode estar a ser um pouco incomum quando comparada com surtos anteriores. Apesar de ainda muito estar por saber sobre a varíola dos macacos, sabemos que o vírus pode ser transmitido por contacto próximo, por exemplo, incluindo contacto prolongado pele a pele.

Não há provas de que seja uma infeção sexualmente transmitida como o HIV ou a clamídia. O contacto próximo durante a atividade sexual ou íntima pode ter sido um fator chave durante a transmissão.

Esta pode ter sido a primeira vez que a transmissão da varíola dos macacos por via sexual ou atividade íntima foi documentada. Mas as implicações não são assim tão significativas na medida em que sabemos que é preciso contacto próximo para a transmissão. A dinâmica social ao redor da transmissão de doenças infeciosas significa que isto pode ser útil para as equipas de saúde pública envolvidas no “rastreio de contactos” – em encontrar outras pessoas que possam ter sido expostas ao vírus.

Riscos muito baixos para o público em geral

Os riscos da varíola dos macacos no público em geral no Reino Unido são extremamente baixos e o Serviço Nacional de Saúde tem unidades especializadas no tratamento de infeções tropicais. E, felizmente, há formas de tratar do vírus.

O Centro para o Controlo e Prevenção de Doenças dos EUA sublinha como a vacina contra a varíola, o cidofovir (um medicamento anti-viral) e imunoglobulina imune ao vírus da vaccinia podem ser usados no controlo deste surto.

Contudo, para além da vacina da varíola, não há nenhuma vacina específica para proteger contra a varíola dos macacos. Alguns especialistas sugeriram que o fim da vacinação generalizada contra a varíola pode ter diminuído a imunidade da população à varíola dos macacos, tornando os casos e surtos mais prováveis. Um encontro em 2019, na Chatham House de Londres, sugeriu que uma consequência inesperada da erradicação da varíola podia ser que a “emergência ou re-emergência da varíola dos macacos nos humanos preencha o nicho epidemiológico deixado vago pela varíola”.

Estes casos importados de varíola dos macacos e outras infeções tropicais (como o Ébola, a malária e a febre Lassa) indicam um fardo mais pesado da doença noutros pontos do mundo, tipicamente em países de baixo rendimento com acesso limitado a cuidados de saúde. Num ambiente pós-pandémico, deveríamos dedicar mais atenção à compreensão das implicações locais e globais da febre de Lassa, da varíola dos macacos, do Ébola e de outros agentes patogénicos raros mas graves.


Michael Head é investigador de Saúde Global na Universidade de Southampton.

Artigo publicado originalmente no The Conversation. Traduzido para o Esquerda.net por Carlos Carujo.

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