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Stephen Hawking adere ao boicote académico a Israel

A informação é do jornal 'The Guardian'. Stephen Hawking, um dos mais importantes físicos teóricos e cosmólogos do mundo e professor da Universidade de Cambridge, recusou o convite para participar da conferência anual do presidente israelita Shimon Peres em junho, data em que também serão comemorados os 90 anos do mandatário. Artigo de Baby Siqueira Abrão, publicado na Carta Maior.

O movimento internacional de boicote académico e cultural a Israel acaba de ganhar um membro de peso. Stephen Hawking, um dos mais importantes físicos teóricos e cosmólogos do mundo, aderiu à causa, informou o jornal inglês The Guardian desta quarta-feira (8).

Hawking, 71 anos, professor da Universidade de Cambridge, aceitara o convite para participar da conferência anual do presidente israelita Shimon Peres em junho, data em que também serão comemorados os 90 anos do mandatário. Mas mudou de ideia. Segundo o Guardian, ele não anunciou a decisão publicamente. Foi uma declaração divulgada pelo Comité Britânico para as Universidades da Palestina, com a aprovação de Hawking, que colocou a notícia na ordem do dia. O texto afirma que o cientista tomou “a decisão independente de respeitar o boicote, baseado no seu conhecimento sobre a Palestina e na recomendação unânime dos seus contactos académicos palestinianos”.

Ao aderir ao boicote académico e cultural a Israel, Stephen Hawking une-se a outras personalidades britânicas que recusaram convites para apresentar-se lá, como Elvis Costello, Brian Eno, Annie Lennox, Mike Leigh e Roger Waters, um dos fundadores do extinto Pink Floyd e ativista incansável a favor dos direitos do povo palestiniano.

Desde que anunciou sua ida a Israel, quatro semanas atrás, Hawking diz ter sido “bombardeado” com mensagens de várias partes do mundo, que procuravam persuadi-lo a não ir. No final, segundo comentou com amigos, ele resolveu seguir o conselho dos seus colegas das universidades palestinianas e desistiu da viagem.

Essa seria a sua quinta visita a Israel. A última aconteceu em 2006, quando ele deu conferências públicas em universidades israelitas e palestinianas, a convite da embaixada britânica em Tel Aviv. De lá para cá a situação mudou muito, levando Hawking a repensar o país sionista. O bombardeio do exército israelita a Gaza, entre o final de 2008 e o início de 2009, teve um papel fundamental nessa mudança. À época, ele declarou à rede Al-Jazeera que a ação de Israel era “completamente desproporcional”. “A situação é semelhante à da África do Sul antes de 1990 [durante o apartheid] e não pode continuar”, afirmou então.

O gabinete do presidente Peres, ainda de acordo com o Guardian, não anunciou formalmente a desistência de Hawking nem aceitou pronunciar-se sobre o assunto. Mas o nome do cientista não consta mais da lista de oradores do site oficial da conferência (confira em http://2013.presidentconf.org.il/en/speakers/). É interessante notar que a maior parte dos conferencistas é de Israel e dos Estados Unidos, a maioria oriunda da comunidade judaica; os poucos que virão de outros países (França, Suíça, Alemanha, Canadá, Grã-Bretanha) têm, todos, sobrenomes judeus. Será, portanto, um encontro entre pares.

BDS, uma campanha em crescimento
BDS, sigla formada pelas iniciais das palavras boicote, desinvestimento e sanções [a Israel], é um movimento iniciado na Palestina em 2005 (http://www.bdsmovement.net/). Baseados no que ocorreu com a África do Sul na época do apartheid – em que o boicote económico internacional foi decisivo para derrubar o governo colonial e racista –, os palestinianos fizeram um apelo à população mundial para que boicotasse produtos de Israel, evitasse investir no país ou retirasse os seus investimentos de lá e pressionasse governos e órgãos internacionais a impor sanções ao país sionista pelos crimes cometidos contra a população nativa.

Nos seus oito anos de duração, a campanha já se espalhou pelo mundo, levando universidades, colégios, Igrejas, governos, supermercados, indústrias e centrais sindicais a votar a favor do BDS e a deixar de comprar produtos israelitas, sobretudo os que vêm das colónias ilegais construídas na Palestina. O crescimento do apoio à campanha tem acarretado prejuízos sérios à economia do país sionista, a ponto de em 2011 o Parlamento aprovar uma lei criminalizando quem quer que apoie o BDS dentro de Israel. Os sionistas também tentaram impor sanções ao movimento na França, sem sucesso.

Em 2013 prepara-se uma nova ofensiva contra o BDS e contra o crescimento do apoio internacional à Palestina. No Fórum Global de Combate ao Anti-semitismo (Jerusalém, 28 a 30 de maio), três grupos de trabalho terão como foco estratégias para “construir uma imagem mais positiva de Israel”. Não se espere, porém, que isso signifique o fim da ocupação da Palestina e o reconhecimento dos direitos da população nativa. Os grupos estão propondo levar aos tribunais os ativistas solidários aos palestinos, sob a acusação de anti-semitismo. Não se sabe como os sionistas conseguirão essa proeza, uma vez que os palestinianos são os verdadeiros semitas da história. A maioria dos israelitas, vinda do Leste Europeu, tem origem cazar, asquenázi, não semita. Nesse caso, anti-semitismo seria apoiar o sionismo, e não o contrário.

Outro objetivo do encontro é mudar as leis, de Israel e de países onde o BDS e o apoio à Palestina aumentam. Um dos alvos são os movimentos nos campus norte americanos, onde o sionismo vem perdendo terreno de maneira acelerada. É importante lembrar que outras tentativas nesse sentido foram em vão. Como escreveu o comentarista político Stephen Landmann numa análise recente, “Israel já perdeu toda a credibilidade”.

A decisão de académicos importantes como Stephen Hawking está ancorada nesse tipo de atitude, de insistência na repressão e no colonialismo, no regime de apartheid, na negação dos direitos do povo palestiniano. No mês passado, o governo israelita sofreu mais revezes: a União dos Professores da Irlanda tornou-se a primeira associação de mestres europeus a apoiar o boicote académico a Israel. Nos Estados Unidos, também em abril, a Associação de Estudos Asiáticos-Americanos votou pelo apoio ao BDS.

No Brasil, uma carta recente dos movimentos sociais critica o governador Tarso Genro pelo acordo assinado com a Elbit Systems, a principal indústria bélica israelita, exige o fim do acordo militar entre Brasil e Israel e subscreve o BDS. A CUT, Central Única dos Trabalhadores, votou pelo BDS em 2010. Oficialmente lançado aqui em setembro de 2011, o movimento tem sido coordenado pela Frente em Defesa do Povo Palestiniano, reunião de dezenas de associações, sindicatos, movimentos populares, organizações não governamentais, partidos, centrais sindicais e cidadãos solidários à causa palestina.

Só falta agora a cantora Gal Costa recusar o convite de se apresentar em Israel. Artistas brasileiros como Roberto Carlos, Gilberto Gil e Daniela Mercury não respeitaram o boicote, apesar da campanha que o BDS Brasil realizou no sentido de explicar a importância do boicote. Em relação a Gal, fãs da Europa já se uniram aos do Brasil para convencê-la a desistir da viagem a Israel.

Artigo publicado no site da Carta Maior.

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