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“A sociedade tem de sair do armário”

Milhares de pessoas participaram na Marcha do Orgulho LGBT deste sábado em Lisboa. O esquerda.net recolheu depoimentos de manifestantes sobre as razões da adesão a esta marcha. Por Pedro Ferreira.
Marcha do Orgulho LGBT 2017 em Lisboa. Imagem esquerda.net

 


“Disseram ao meu filho para ir ao médico”

Sou mãe de um jovem homossexual e é a terceira vez que venho à marcha porque é importante quebrar os preconceitos que persistem em relação às pessoas LGBT.

O meu filho sofreu muito e na escola chegaram mesmo a dizer-lhe para ir ao médico procurar tratamento. E acredite que a sugestão foi feita por alguém com responsabilidades diretivas no estabelecimento de ensino onde ele andou.

Eu aceitei a sua homossexualidade sem problemas porque sempre entendi que os comportamentos padronizados em torno da orientação sexual das pessoas são uma construção de natureza essencialmente cultural. Já o pai teve mais dificuldades, mas ainda assim nunca deixámos de ser uma família equilibrada que o apoiou para que ele conseguisse ultrapassar os receios que sentiu.

As novas gerações já têm outra atitude perante estas questões mas é preciso perceber que a legislação. que precisa de ser mais inclusiva, só por si não consegue evitar todas as situações de violência e exclusão que ainda se fazem sentir. E assim, continua a ser importante vir para a rua e afirmar de cabeça erguida que a homossexualidade a bissexualidade ou a transexualidade são tão naturais quanto a heterossexualidade. (Maria São Tomé, economista)

“As regras impunham o casamento e a maternidade ao lado de um homem”

A comunicação social anda sempre à procura de histórias fantásticas sobre a sexualidade, não é? Mais a sério, posso dizer-lhe que fiz um longo e violento percurso até encontrar o meu ponto de equilíbrio e assim reconciliar-me comigo mesma.

Quando era adolescente sentia atração por raparigas mas tentei sempre fugir dessa realidade para ser igual às minhas amigas. Por isso, namorei com rapazes e acabei mesmo por casar e ter dois filhos. Tinha de ser assim porque a regras eram para cumprir e estas impunham o casamento e a maternidade ao lado de um homem. Na minha vida durante muitos anos não houve lugar para a felicidade porque eu estava a contrariar a minha natureza. Só depois dos 40 anos e de um enorme sofrimento interior que me levou quase a por termo à vida tomei a decisão de mudar tudo e ir viver com a Teresa. A atitude do meu ex-marido não foi das melhores mas os meus filhos depois de terem passado dois anos em casa dos avós, vieram viver comigo e com a minha companheira.

Foi muito duro e de vez em quando ainda sinto algum constrangimento devido à atitude de determinadas pessoas. Às vezes basta um olhar para se perceber que toda esta abertura que se registou na sociedade portuguesa tem ainda muito de falso, hipócrita. É também por isso que aqui estou hoje, na defesa do respeito pela liberdade de cada um que é a única maneira sensata de impedir que a liberdade de todos seja posta em causa. (Adelaide, 47 anos, administrativa)

“Uma caminhada para a qual estamos todos convocados”

Talvez por ser de uma geração mais nova não consigo entender porque é que as pessoas ainda criticam as pessoas por causa da sua orientação sexual.

Eu tenho amigos gays e amigas lésbicas que muitas vezes confessam a sua mágoa pelas observações jocosas de que são alvo. Este tipo de atitudes são incompatíveis com o respeito pelos direitos das pessoas e apesar de serem crime continuam a ser prática corrente. Os estereótipos sociais ainda estão muito presentes no nosso país e é também por essa razão que o machismo ainda limita a afirmação das mulheres na sociedade. Podemos ser um oásis se comparados com a Tchetchénia onde os gays são perseguidos e assassinados ou a Indonésia onde recentemente um tribunal condenou dois jovens a 82 vergastadas em público. Isto faz sentido? Claro que não e por isso os passos que já demos são parte de uma caminhada para a qual estamos todos convocados para  não deixar que as questões de género fiquem prisioneiras do vazio que caracteriza os discursos politicamente corretos. (Ana Duarte, 24 anos, estudante)

“É raro sentir-me representado naquilo que me rodeia”

Sou gay, nunca tive problemas com esse facto, mas muitas vezes sinto que a sociedade se sente incomodada com algo que só me diz respeito a mim. Costumo dizer em tom de brincadeira a quem vem com a conversa do normal versus anormal para me dizer onde é que está escrito que a orientação sexual tem um único sentido? Como imagina, só ouvi argumentos disparatados.

Nunca me sentei num café ou num banco de jardim para decidir se queria ser hetero, homo, bi, tal como não fui eu que decidi que ia ter esta altura ou a pele branca. Faço-me entender? Não sou menos homem do que os outros, mas é raro sentir-me representado naquilo que me rodeia porque o universo em que nos movemos é homofóbico e olha para a realidade de uma forma preconceituosa . E é por isso que se continua a insistir em divisões ridículas e artificiais que passam pela existência de brinquedos para meninas e meninos, nas cores masculinas e femininas ou na publicidade que nos mostra sempre quadros familiares compostas pelo homem, a mulher e eventualmente os filhos. Por isso e na minha opinião é a sociedade que tem de sair do armário porque eu sinceramente nunca lá estive. (Hugo Santos, 34 anos, professor)

“Um beijo ofensivo e criminoso”

Há umas semanas estava numa estação de metro aqui em Lisboa com o meu namorado e trocámos um beijo o que é natural entre duas pessoas que se amam. Quase de imediato ouvimos uma voz masculina gritar “porcos, criminosos, deviam ser presos, vão fazer para isso para a puta que vos pariu”.

Já era noite, a estação tinha pouca gente e o caso morreu ali, com exceção de um ou outro olhar que denotava curiosidade e até reprovação em relação à nossa atitude.

É crime manifestar publicamente o sentimento que nos une a outra pessoa só porque ela é do mesmo sexo? Depois de chegarmos a casa eu e o Afonso [companheiro de Diogo] falámos um pouco sobre o que tinha acabado de acontecer e tomámos a decisão de o fazer mais vezes para combater este tipo de comportamentos que inibem ainda muitas pessoas de viver a sua vida com naturalidade.

Curiosamente, passados alguns dias veio a público o caso daquelas raparigas que numa escola do norte do país foram admoestadas pelos responsáveis da escola por terem dado um beijo durante o intervalo das aulas.

Portugal tem nesta matéria legislação avançada em relação a muitos países o que já é muito positivo porque a mesma contribuiu para a diminuição da segregação das pessoas LGBT. Falta ainda um avanço cultural e aí os educadores dos miúdos têm um papel decisivo na desconstrução de mentalidades ainda marcadas por um conservadorismo sem sentido e que atenta contra os mais elementares direitos humanos.

Se fizer uma sondagem serão poucos, muito poucos mesmo, aqueles que lhe vão dizer que são racistas, homofóbicos ou machistas. No entanto, aquilo que se passou connosco na estação do metro não surgiu do nada, tal como não é circunstancial os números terríveis relacionados com a violência doméstica, ou as atitudes de natureza xenófoba ou racista que são tomadas não só pelo cidadão comum mas também por responsáveis políticos como aconteceu ainda esta semana com aquele deputado europeu do PS.

É importante que as pessoas não ignorem estas manifestações. Em Lisboa, no Porto, em Bragança ou em qualquer outra parte, estamos aqui para afirmar a diversidade e exigir que a mesma seja respeitada. (Diogo, 29 anos, biólogo)

“A gente vem a este mundo para ser feliz”

Acha estranho que um velho como eu lhe diga que não acha mal essa coisa da homossexualidade? Nunca vi isso com maus olhos porque cada um tem o direito de gostar de quem quiser. Se calhar eu não sou a pessoa mais indicada para falar consigo sobre o assunto. Eu moro aqui perto do jardim do Príncipe Real e como já estou reformado venho aqui quase todos os dias e até conheço alguns moços e moças que namoram uns com os outros e vem para esta zona por causa dos bares e das discotecas. A minha mulher já é mais critica do que eu mas mesmo assim não ofende ninguém. Nós somos de outro tempo onde tudo tinha de ser feito às escondidas senão estávamos tramados. Olhe eu vi-me aflito para dar o primeiro beijo à minha mulher. Ela tinha medo, dizia que isso era uma vergonha e que depois eu já não casava como ela.

Quando era novo conheci um rapaz...eh pá, sofreu muito aquele homem. Era homossexual e depois a polícia começou a andar atrás dele, os pais puseram-no fora de casa. Foi para o estrangeiro, ninguém lhe dava trabalho. Nunca mais soube dada dele.

Agora já podem casar e adotar filhos e assim é que está bem. A gente vem a este mundo para ser feliz não é para sofrer, não é verdade? E há por aí tanta miséria, tanta gente a passar mal. Tive dois dois filhos que me deram três netos e aquilo que mais quero é que eles sejam felizes. (António Pascoal, 74 anos)

Marcha do Orgulho LGBT 2017 em Lisboa | ESQUERDA.NET

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