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Secretário de Estado da Cultura pede ajuda aos criadores para exigir mais dinheiro ao governo

O governo lançou uma reforma dos apoios às artes e organizou reuniões de debate com criadores. No entanto, não distribuiu nem publicou o decreto-lei que define a reforma.
Secretário de Estado e Ministro da Cultura. Foto de António Cotrim, Lusa (arquivo).
Secretário de Estado e Ministro da Cultura. Foto de António Cotrim, Lusa (arquivo).

“Este modelo tem de ser capaz de dar resposta à grande variedade e heterogeneidade do setor”,  afirma o Secretário de Estado da Cultura num documento publicado esta quinta-feira no site da Direção Geral das Artes (DGArtes), com a intervenção feita em reuniões com as estruturas de criação em Faro, Évora, Lisboa, Coimbra e Porto “entre 10 e 13 de julho”. 

Segundo o Secretário de Estado, “é fundamental que as sugestões ao diploma que possam ter, nos cheguem com rapidez e de forma objetiva, para que seja viável a sua leitura, interpretação e, sendo possível, a sua integração ao diploma”, defendo os contributos serem enviados até 17 de julho.

No entanto, nem o diploma foi distribuído pelas estruturas nem foi disponibilizado juntamente com a comunicação do secretário de estado no site da DGArtes, estando apenas disponível um resumo sintético da reforma. 

Qualquer governo pode publicar ante-projetos de Decreto-Lei que entenda serem importantes para o debate público, sendo inclusivamente uma prática comum em reformas semelhantes, como por exemplo as alterações ao Decreto-Lei de financiamento do Cinema, introduzidas ainda pelo atual governo.

Expectativa dos criadores e indefinição da reforma

esquerda.net falou com produtores e criadores que participaram na reunião realizada em Coimbra e, se a expetativa é clara, a indefinição parece ser a palavra de ordem. 

“Não consigo ainda ter uma opinião ainda muito formada sobre o novo regime” de apoios sustentados”, diz Vasco Neves, do Citemor. “Só os regulamentos vão dizer exatamente como vão funcionar”, acrescenta. 

Para além do decreto-lei, diz, “parece-me que o essencial é realmente o reforço das verbas”. Apenas isso “significará uma melhoria, porque, independentemente da legislação ser melhorada e adequada aos nossos tempos, sem o reforço de verbas não me parece possível que a situação evolua muito favoravelmente.” 

“Havia de facto problemas na legislação anterior que precisavam de correção, mas não era esse o motivo principal da precariedade a que a maior parte das estruturas está condenada desde 2009”, conclui. 

Esta é também a opinião de Catarina Saraiva, produtora independente: “Se o caráter de serviço público das estruturas de criação for reconhecido, e se o combate à precariedade é de facto uma prioridade, então as verbas de financiamento têm obrigatoriamente de aumentar para garantir estabilidade das equipas”. 

“O Secretário de Estado não avançou nada sobre verbas”, diz João Maria André, professor universitário e produtor em Coimbra. Apesar de garantir que os concursos iriam abrir na segunda quinzena de setembro (no regime dos sustentados, atuais plurianuais), “as verbas disponíveis só serão claras no Orçamento de Estado 2018”, que irá ser apresentado no final do ano.

Confrontado por vários agentes presentes na reunião sobre as verbas, o responsável do governo terá apenas deixado como “meta” a reposição do financiamento “a nível de 2009”, mas não deixou um compromisso nesse sentido. Pediu no entanto ajuda às estruturas para “exigirem mais orçamento” para a Cultura. 

Novo modelo de parcerias é uma incógnita

Se as verbas para os apoios sustentados se mantêm indefinidas, o próprio sistema de “projetos de parceria” não é ainda claro. Segundo os documentos publicados, os apoios “sustentados” vão substituir os atuais apoios plurianuais (bienais e quadrienais) também na sua modalidade de apoios tripartidos, criada pelo anterior governo durante a tutela de Jorge Barreto Xavier. 

Este regime de tripartidos criou um modelo onde a Direção Geral das Artes estabelecia contratos entre a estrutura de criação e a autarquia onde a atividade era proposta para se realizar. Apesar de ter absorvido quase metade das verbas disponíveis para os apoios plurianuais (5 dos 11 milhões por ano desde 2013), o mecanismo pouco ágil e a imprevisibilidade da sustentabilidade do compromisso das autarquias deixou o programa debaixo de duras críticas. O fim dos tripartidos é por isso vista como positiva.

Segundo as informações veiculadas na reunião de Coimbra, as estruturas atualmente financiadas através dos tripartidos deverão candidatar-se aos apoios sustentados. Mas o destino das verbas dos atuais tripartidos não é clara, sobretudo com a criação do novo modelo de parcerias que, segundo o novo Decreto-Lei, deverá permitir à Direção Geral das Artes lançar iniciativas com "entidades públicas ou privadas" que o Ministério da Cultura considere necessárias. 

Em 2009, o ano definido como meta de financiamento, o investimento nos plurianuais correspondia a perto de 18 milhões de euros, um valor que diminuiu bruscamente em 2011 para 15 milhões (fruto dos cortes introduzidos ainda por Gabriela Canavilhas no final do segundo governo de José Sócrates) e depois para 10 milhões em 2012. A grande alteração estrutural surge em 2013, quando perto de metade desse valor é redirecionado para a modalidade dos apoios tripartidos. 

Com o atual governo, o investimento manteve-se inalterado e, ao invés de lançar os concursos para os apoios plurianuais no final de 2016, como prevê o atual o Decreto-Lei ainda em vigor, o atual Secretário de Estado da Cultura suspendeu os concursos criando um ano de prolongamento dos atuais contratos de forma a lançar a reforma do sistema. 

A proposta de reforma do sistema de apoios às artes está dependente da implementação do novo Decreto-Lei. Ao contrário de projetos e propostas de lei, um Decreto-Lei necessita apenas de ser aprovado em Conselho de Ministros e, depois, aprovado pela Presidência da República para publicação em Diário da República. Após a sua publicação, o governo tem ainda de apresentar os regulamentos do Decreto-Lei para os respetivos concursos. 

A abertura dos concursos para apoios sustentados na segunda quinzena de setembro é, por isso, um desafio de calendário para onde as estruturas olham com atenção uma vez que o concurso para apoios pontuais, lançado no início de maio deste ano, não tem ainda os resultados apresentados. Um tempo “preocupantemente longo”, segundo um dos testemunhos recebidos pelo esquerda.net, e que denota uma máquina pouco ágil na Direção Geral das Artes. 

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