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A saúde de Cascais: um exemplo? Ou talvez não!

Cascais apresenta-se, perante o país, como um exemplo a vários níveis, sendo esse quadro largamente difundido por alguns órgãos de comunicação social.
Mas será mesmo assim?
Vejamos o caso da saúde para perceber o quadro real da situação dos serviços de cuidados de saúde no município de Cascais.
Comecemos pelos factos:
População Concelho de Cascais: 214.134 habitantes (Censos 2021)
População sem médico de família: mais de 23.000 utentes
Ou seja, 10,8% da população de Cascais não tem médico de família. Uma em cada dez pessoas!
10,8% da população de Cascais não tem médico de família. Uma em cada dez pessoas!
Continuando a falar de factos, sabemos que a Unidade de Saúde Misericórdia de Cascais – uma PPP que reúne a União das Misericórdias e a Administração Regional de Saúde – Lisboa e Vale do Tejo, com mecanismos subsidiários em Cascais através da Santa Casa da Misericórdia de Cascais, em associação com os Agrupamentos de Centros de Saúde de Cascais e a Câmara Municipal de Cascais – tem capacidade de assegurar 700 consultas mês.
O investimento do Município de Cascais efetuado em contexto de pandemia foi de mais de 650 mil euros… E com isso em Cascais conseguiu-se 700 consultas para 23.000 Utentes!!!
Imaginemos que se consegue uma operacionalização a cerca de 100% da capacidade. Teremos a totalidade dos utentes com consulta a cada 33 meses, ou seja, mais de 2 anos e meio para garantir consultas a todas e a todos.
É manifestamente insuficiente para as necessidades da população sem médico de família. E a agravar esta insuficiência vemos que nesta parceria, não há articulação com os restantes organismos do ACES do município de Cascais [agrupamento dos centros de saúde do concelho de Cascais].
Além de insuficiente, este projeto mostra-se ineficiente.
É certo que pouco é melhor que nada, mas é realmente pouco para tanta propaganda, para tanto dinheiro gasto e para as reais necessidades das populações.
Num município que terá um orçamento previsto para 2022 de cerca de 300 milhões de euros, o investimento na saúde da população é baixo e mal concretizado.
Quanto a recursos humanos, sabemos que no último concurso aberto pela ARS-LVT foram atribuídos para o ACES Cascais apenas 12 enfermeiros, sendo que 8 já se encontravam no ativo com contratos provisórios de 4 meses que se renovavam automaticamente.
A carência de meios é transversal nos cuidados primários, o que impede uma cabal resposta às solicitações da população.
A crise pandémica veio condicionar fortemente o atendimento presencial à população, com especial enfoque na freguesia de São Domingos de Rana, onde a população é mais idosa e não teve acompanhamento médico por este ser efetuado através de e-mail ou via contacto telefónico, com poucas ou quase nenhumas consultas presenciais.
E se analisarmos a Saúde oral, a situação mostra-se ainda pior, pois apenas foram disponibilizadas respostas para os utentes com situação de vulnerabilidade através do CASO (Centro de Apoio à Saúde Oral), sendo que os restantes utentes têm de procurar serviços privados. E aqui os números são outros…
A título de exemplo, sabemos que os Cheques dentista apenas foram destinados a crianças com 7, 10 e 13 anos de idades e que frequentam escolas públicas ou IPSS (Instituições Particulares de Solidariedade).
Já quanto a novos investimentos, temos o anúncio reiterado, desde 2012, de construção do centro de saúde de Carcavelos, sendo que a agora designada “nova Unidade de Saúde Familiar de Carcavelos”, depois de muitos anúncios e muitos locais, teve o início de construção previsto para 14/01/2019 (!!!) e com data de conclusão em 30/11/2021 (???)…
A agravar a situação já débil da saúde em Cascais, ficamos a saber que desde janeiro de 2022 o concelho de Cascais é o único concelho no País a ser servido por uma Unidade Hospitalar com a gestão de PPP (Parceria Público Privada). Nesta PPP, cujas virtudes ainda estão por descobrir, mas cujos problemas e ineficiências são já sobejamente conhecidos, temos os profissionais de saúde sujeitos aos ditames de uma gestão privada, com visão economicista da saúde, que sujeita os profissionais de saúde a pressões adicionais (horas extraordinárias exageradas, falta de material, altas antecipadas, etc.) com claro prejuízo para os profissionais e para o serviço prestado. Não sendo mais barato, também não demonstra melhor qualidade e eficiência no serviço.
Se isto se passa em Cascais, no quinto município mais rico do país, e em que a Câmara apresenta, para 2022, um orçamento de cerca de 300 milhões de euros(!!!), imaginem como se passa no resto do país…
Estou certo que todos e todas gostaríamos de melhor exemplo!
Artigo de Luís Mós, enfermeiro, e Luís de Castro e Salgado, solicitador
Dados:
-Atualmente o ACES (Agrupamento de Centros de Saúde) Cascais é composto por:
- 13 USFs (Unidades de Saúde Familiar); Utentes com médico de família modelo B
- 4 UCSPs (Unidades de Cuidados de Saúde Personalizados) (utentes sem médico de família);
- 2 UCC (Unidade de Cuidados na Comunidade); Serviço ao apoio domiciliário- saúde escolar- feridas-
- 1 URAP (Unidade de Recursos Assistenciais Partilhados); psicólogos, assistentes sociais, fisioterapia, dentistas…)
- 1USP (Unidade de Saúde Pública). Vigilâncias sanitárias -vacinas - juntas médicas - rastreio epidemiológicos
RECURSOS HUMANOS
- 125 médicos
- 148 enfermeiros
- 91 secretários clínicos
- 32 internos
- 54 outros profissionais
Para uma população de mais de 214.000 habitantes
Comentários
Certamente não moram e não
Certamente não moram e não são doentes em Cascais .
Hospital de Cascais melhorou significativamente com a PPP. Vários artigos a referir que Lusíadas deixa PPP do Hospital de Cascais com poupança de 230 milhões para o Estado. Até agora não fecharam as urgências por falta médicos.
Voltei a ficar sem medico familia, ACES não consegue manter médicos estrangeiros. Pior fica acesso a consultas. Ao menos que se crie alternativas.
Este modelo esta destruição acelarada e prejudica os utentes.
Gostava de artigo sobre o Luxemburgo ou Holanda se não são possiveis soluções.
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