Tal é a questão que hoje se põe, nomeadamente no seio do movimento alter-mundialista. Trata-se, sem dúvida, na actual situação, de um debate inevitável mas cujos pressupostos assentam em análises contestáveis e enviesadas já que, numa tal perspectiva, os actuais problemas seriam o resultado da impossibilidade de converter em moeda a dívida pública, isto é, da impossibilidade imposta aos Bancos centrtais de emitir moeda. Tal é o postulado em que assenta tal raciocínio.
Na origem deste estado de coisas estaria a vontade dos bancos privados de obter uma prerrogativa: emitir moeda, de onde resultariam lucros fabulosos. Este raciocínio, baseado em teorias mais ou menos « conspirativas », segundo as quais os bancos se teriam arrogado excessivos privilégios, está repleto de ambiguidades. Dizem-nos, como se fosse um segredo detido por alguns iniciados, que os bancos, quando abrem uma linha de crédito, emitem moeda. O que é apresentado como coisa oculta, é, no entanto, o lote comum dos conhecimentos de um estudante de primeiro ano de economia: « com créditos fabricam-se os depósitos ». Adiante pois, basta de fustigar « os que sabem » e que olham com ar de superioridade o povo.
Tudo isto tem qualquer coisa a ver com a Europa, já que ela alargou o princípio de interdição de emissão de moeda. A sequência é a seguinte: o défice terá de ser financiado pelo Banco de França e, para reencontrar este elemento de soberania, temos de abandonar o euro. A ideia de construção de uma outra Europa é varrida prontamente, como se fosse um objectivo impossível de alcançar, enquanto que a saída do euro seria uma medida simples e compreensivel para a grande maioria.
O abandono do euro não é, no entanto, tão fácil como parece e não podemos desvalorizar os riscos que acarreta. Abandonar o euro equivale a uma desvalorização e caso seja acompanhada de emissão de moeda, desembocamos numa inflação incontrolável. Enquanto que uma inflação moderada pode ser eficaz para aliviar a dívida, uma inflação incontrolável desemboca em planos de austeridade brutais muito piores, sem dúvida, do que os que hoje vivemos. É evidente que seria necessário combatê-los e impor uma outra redistribuição das riquezas, mas tudo isto prova que as medidas técnicas (abandono do euro e emissão monetária) não podem ocultar as lutas sociais.
Esta ideia simples, digamos simplista, segundo a qual a monetarização da dívida é a chave mestra, comporta um outra deficiência mais importante, a de ratificar o défice. Em vez de se questionar as razões deste défice e demonstrar que é o resultado de bónus fiscais, explica-se que o abandono do euro permitiria alcançar bons resultados fabricando francos. É um caminho errado, já que a prioridade na actual conjuntura é sublinhar a necessidade de uma reforma fiscal que ponha em causa as exonerações que estão na origem do défice. Numa altura em que se prepara um orçamento de um rigor extremo, a questão entre saber se se vão diminuir as despesas públicas ou aumentar as receitas é equivalente à seguinte: quem é que vai pagar a crise?
Uma medida (entre outras) permitiria matar dois coelhos com uma cajada: impôr aos bancos um limiar de títulos de dívida pública com uma remuneração baixa. Deste modo assegurar-se-ia uma fonte de financiamento do orçamento do Estado, transformando-se tal norma numa regra de prudência. Os bancos pagariam desta forma a garantia que o Estado assume, de facto, em tempos de crise.
A nível europeu, a escolha parece estar a fazer-se entre uma aventura arriscada – o abandono do euro – e uma harmonização utópica. Para sair deste dilema, é preciso imaginar uma estratégia combinada: um país tomaria medidas unilaterais, propondo ao mesmo tempo a sua extensão a nível europeu, apoiando-se no seu carácter cooperativo. Os liberais e os soberanistas estão de acordo para afirmar que esta medida é impraticável; uns para preservarem as normas neoliberais, outros para fazerem do abandono do euro um assunto preliminar na discussão de qualquer outra alternativa. Ora, uma tal suposição é errada, por exemplo, no que diz respeito à taxação e ao controlo de capitais e leva-nos para um impasse estéril.
2 de Setembro de 2010
Tradução de José Costa para o Esquerda.net