Saint Denis – De pé, contra a nova lei do trabalho e o estado de emergência

16 de junho 2016 - 0:33
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Na hora em que jantamos, no centro de St Denis está a iniciar-se uma “Nuit Debout”. Traduzem-nos: para Noite de Pé, espécie de assembleias populares que se estão a realizar todas as semanas, desde março do corrente ano nas principais cidades francesas. Por Liberato Fernandes.

Saint Denis tem história para além da cidade industrial, de construções baixas, edificada na segunda metade do século XIX. A Basílica de Saint Denis está classificada como um dos mais antigos monumentos góticos da Europa (1.140 /1.144), e necrópole dos Reis de França, com o destaque para as sepulturas de Luís XVI e Maria Antonieta, dadas as circunstâncias da sua execução, em 1793, durante a Revolução Francesa. A cidade alberga igualmente um importante Museu da Arte e da História de França e, nela se situa, o Estádio de França, uma das sedes do Euro – 2016.

A tarde do primeiro dia é passada na visita à basílica, capelas e necrópole. O fim da tarde permite-nos percorrer o agradável parque urbano contíguo à Catedral, parte inacessível, por constituir um jardim privado integrado no internato feminino destinado às descendentes dos membros da Legião de Honra, também edifício monumental, não acessível ao público.

Dos planos de viagem fazem parte duas condições: só viajar em transportes públicos e, não jantar em restaurantes. Jantamos em casa de emigrantes, espécie de “comuna” com os custos partilhados, (renda do apartamento e consumos de energia e água). A partilha implica alguma identificação com modelo de vida e relativa proximidade de idades. É uma casa multinacional, com residentes originários (as) da Europa do Leste, de França e de Portugal. O jantar serve para conversar e conhecermos a vida de Paris. Hoje, sabemos que, na hora em que jantamos, no centro de St Denis está a iniciar-se uma “Nuit Debout”. Traduzem-nos: para Noite de Pé, espécie de assembleias populares que se estão a realizar todas as semanas, desde Março do corrente ano nas principais cidades francesas. Dizem-nos que, neste momento devem estar a realizar-se assembleias iguais em várias das cidades periféricas e, nomeadamente na Praça da República, centro de Paris. Os temas comuns a todas elas: a “Lei Khomri”, cuja discussão inicia-se a 3 de Maio e, o estado de emergência, decretado na sequência dos atentados de Novembro. Parte dos (as) residentes vai para a “Nuit Debout”. Farei parte do grupo.

Às 21h00 o vento frio é cortante e desagradável. Mas apesar da rudeza do início da noite, mais duma centena de pessoas está na praça, entre a Basílica e o edifício camarário. A maioria dos(as) presentes são jovens (menos de 40 anos) e, de origem europeia. Aqui, na assembleia de rua os(as) franceses(as) de origem magrebina, turca ou africana, são minoritários(as). Existem cadeiras, dos participantes e equipamento de som. Qualquer pode falar e os temas são: a greve geral, decretada para o dia seguinte, em oposição à proposta de lei do trabalho, que tornará precárias as relações laborais em França e, o estado de emergência, que atinge profundamente as liberdades pelas quais a França realizou a Revolução há mais de dois séculos.

Que dizem os participantes? Um francês de origem magrebina fala das últimas expulsões ocorridas no seu bairro para dar lugar à construção de infraestruturas de apoio ao Euro de 2016. A narrativa faz lembrar-me de situações ocorridas no Brasil nas vésperas do último mundial de Futebol e da estranha semelhança entre o comportamento de quem ocupa o governo atualmente em França (um governo presidencialista de centro esquerda), com quem ocupava o governo no Brasil: os empresários do imobiliário, em ambos os países, aplaudem as atuações governamentais suportadas em partidos de esquerda. em seu próprio proveito. Os resultados desta atuação estão à vista: no Brasil foram, além duma das fontes de corrupção, a causa remota justificativa para o atual golpe da direita e, em França, são o alimento da Frente Nacional de Marie le Pen, e serve de pretexto para o crescimento de grupos nazis e, do fundamentalismo islâmico, na Europa.

Às 23 horas a “Noite de Pé” termina. Praticamente já só restam jovens que acertam atividades de apoio à greve logo para a madrugada seguinte. Terão poucas horas para descansar mas constituem um sinal de que os ideais da liberdade, da igualdade e da fraternidade, não se rendem, e não serão derrotados. A forte presença da juventude revela que, a longa luta pela Humanidade contra a brutalidade da guerra (que é sempre terrorismo em grande escala!), vai continuar.

Artigo de Liberato Fernandes, publicado no “Diário dos Açores” a 12 de junho de 2016