Governo tem de corrigir os atrasos e evitar mais despedimentos

04 de março 2018 - 10:27
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O programa de regularização da precariedade no setor público está a passar por uma fase crucial: a da determinação do número de concursos que terão lugar para o acesso dos atuais precários do Estado a um contrato por tempo indeterminado – algo que há muito lhes é devido, nalguns casos há décadas. Por Daniel Carapau.

O PREVPAP, programa de regularização extraordinária dos vínculos precários da Administração Pública, tem tido vários atrasos.
O PREVPAP, programa de regularização extraordinária dos vínculos precários da Administração Pública, tem tido vários atrasos.

Contudo, existem sinais de que o Governo não está a garantir uma aplicação correta dos critérios inscritos na Lei nº 112/2017, nem responde à necessidade de um calendário para a realização dos concursos. Várias medidas urgem por parte do Governo para garantir que o PREVPAP dá resposta às dezenas de milhares de trabalhadores para os quais foi criado, regularizando-se todas as situações em que estão a ser supridas necessidades permanentes – sem exceção.

Com vários meses de atraso, a Lei que rege todo o processo foi publicada já no final do ano de 2017, após um período de consulta pública muito participado, múltiplas audiências no Parlamento, e semanas de negociação. Em que fase do programa nos encontramos agora?

Em primeiro lugar, há que distinguir os vários setores abrangidos, que têm calendários distintos: a Administração Central, que inclui a apreciação de todos os casos por Comissões de Avaliação Bipartidas (CAB); o da Administração Local, da responsabilidade de cada um dos executivos; e o do Sector Empresarial do Estado, incluindo as Empresas Municipais, onde existe uma regularização sem a necessidade de concursos prévios.

A Lei nº 112/2017 define que o Sector Empresarial do Estado tem até final de maio para proceder à regularização dos seus precários, enquanto as Autarquias, a Administração Central, e as Instituições de Ensino Superior teriam até meados de fevereiro para iniciar os concursos necessários à regularização dos seus precários. Acontece que, ao contrário do que se previa quando a Lei foi aprovada no Parlamento, nenhuma das Comissões de Avaliação terminou ainda os seus trabalhos. No que toca às Autarquias, o Ministro da Administração Interna garantiu recentemente que “Há autarquias que já têm o seu processo de regularização concluído e muitas autarquias iniciaram já o processo de legalização", porém sem quantificar.

Os atrasos que se vão acumulando, já de vários meses nos trabalhos das CAB, têm causado muita instabilidade junto dos trabalhadores abrangidos e também dos serviços, visto que até ao momento o Governo não anunciou qualquer calendário alternativo ao previsto na Lei nº112/2017, deixando as dezenas de milhar de precários sem saber qual o prazo máximo para receberem uma resposta da respetiva CAB, nem, em caso de parecer positivo, quando terá lugar o concurso para a regularização da sua situação. Isto apesar do pedido da Plataforma dos Precários do Estado dirigido aos Ministros das Finanças e do Trabalho e Segurança Social a requerer essa clarificação, o qual continua até hoje sem resposta.

A não adoção de um novo calendário para a realização dos concursos por parte do Governo tem outra consequência ainda mais gravosa para os precários do sector público. A Lei do PREPVPAP prevê um “Regime transitório de proteção” (Art. 16º) que garante a prorrogação automática dos vínculos atuais até à conclusão dos concurso correspondente quando já exista parecer da CAB e a homologação dos “membros do Governo competentes”, ou seja, de 3 Ministros (Finanças, Trabalho e Segurança Social, e a tutela respetiva). Ora, este articulado, como já referido, partia do princípio que no mês de janeiro a grande maioria dos trabalhos das CAB já estariam concluídos. Dado o atraso de vários meses nos trabalhos das CAB, seria expectável que o Governo desse indicações a todos os serviços da Administração Central, Autarquias, Universidades e Empresas públicas no sentido de, enquanto não existir parecer da CAB, serem prorrogados todos os vínculos de quem submeteu o seu requerimento, visto o atraso ser apenas da responsabilidade do Governo e não do trabalhador. Tal indicação surgiu no comunicado do Ministério das Finanças de 16/1, só que, apenas duas semanas depois, fonte anónima do mesmo Ministério dizia ao jornal Público que são necessárias as homologações para que se prorrogue os vínculos. Estas indicações contraditórias têm gerado muita confusão junto dos trabalhadores precários e dos dirigentes dos serviços. Perante os relatos de não renovações de vínculos temporários, incluindo em Juntas de Freguesia de Lisboa, como denunciado pelos eleitos do Bloco de Esquerda, os trabalhadores veem-se confrontados com a falta de aplicação do Regime transitório de proteção. Nem têm garantias de que os seus vínculos serão retomados assim que cheguem as homologações ministeriais, tal como a Lei obriga.

Se o cumprimento da Lei não for garantido pelo Governo, poderemos ter centenas, ou quem sabe milhares, de trabalhadores com pareceres positivos da CAB, ou então já sinalizados para regularização pela sua Autarquia, que terão de esperar vários meses em casa até que o respetivo concurso de regularização seja concluído. Com a agravante de que muitos destes trabalhadores não têm qualquer apoio no desemprego, por serem bolseiros, estagiários, ou falsos recibos verdes que não cumprem os requisitos mínimos para aceder a esse apoio.

Nada disto faz sentido. O acordo alcançado no Parlamento entre PS, BE, PCP e PEV, plasmado na Lei nº112/2017, está a ser desvirtuado pela prática do Governo do Partido Socialista, ao não garantir o cumprimento dos prazos inscritos na Lei. Tudo isto está a ter a consequência perversa de termos um número desconhecido, mas significativo, de precários que já perderam o seu vínculo. É urgente a reintegração imediata destes trabalhadores, bem como a correção do calendário em função dos atrasos verificados. Só assim se garantirá que o processo é justo e credível. É esse o compromisso do Governo.

 

Daniel Carapau, bolseiro de gestão de ciência e tecnologia, membro da plataforma de Precários do Estado e da Associação de Combate à Precariedade – Precários Inflexíveis