Depois do Tribunal Constitucional espanhol ter anulado a lei catalã sobre as rendas em 2022 e de a lei estatal sobre a habitação de 2023 ter retomado parte do espírito dessa norma impulsionada pelos sindicatos de inquilinos, a Catalunha volta a ter, a partir de 16 de março, um texto legal que permite impor limites às rendas e baixá-las em certos casos. A Catalunha tornou-se assim a primeira comunidade autónoma a aplicar a regulamentação das rendas prevista na lei da habitação. Por enquanto, foi a única a solicitá-lo, embora as Astúrias e Navarra tenham manifestado interesse.
Numa ação organizada pelo Sindicat de Llogaters de Catalunya, outros sindicatos da habitação e organizações políticas, no passado dia 12 de março, o porta-voz deste coletivo, Enric Aragonès, qualificou a entrada em vigor da regulação como um “passo firme na defesa dos inquilinos”. A regulação sobre as rendas será aplicada em 140 municípios da Catalunha, incluindo Barcelona, as principais cidades catalãs e muitas cidades turísticas do litoral e do interior, todas elas declaradas zonas de tensão. Em todos estes municípios, os pequenos proprietários não poderão aumentar as rendas e os grandes proprietários – aqueles que têm mais de cinco casas – terão de baixar os preços para se situarem no intervalo estabelecido pelo índice de referência apresentado pelo governo no início de março.
Apesar dos progressos registados com a restauração da regulação das rendas no território, o Sindicat de Llogaters não acredita que a lei seja suficiente por si só para baixar os preços. Será necessário 2ir mais longe” para alcançar o objetivo de fazer com que o pagamento das rendas não retire uma grande parte do rendimento à população mais precária. “Temos um plano para baixar as rendas e sabemos que só o conseguiremos através da união e da luta organizada”, assegura Aragonès.
Entre as ações deste plano, explicou o porta-voz a uma audiência de 300 pessoas, o sindicato propõe-se informar e organizar os inquilinos para que “façam frente às pressões das imobiliárias e dos senhorios e não aceitem qualquer aumento”. No caso dos inquilinos que vivem em grandes condomínios, defende, será necessário um trabalho coletivo para conseguir reduzir os preços da renda. “Vamos bater à porta dos inquilinos e depois vamos à procura dos senhorios”, resume Aragonès.
O Sindicat parte do princípio de que os patrões do imobiliário, os grandes e os pequenos proprietários farão tudo o que puderem para contornar a lei e apela a uma resposta coordenada às tentativas de continuar a especular com a habitação.
A Catalunha volta a ter uma lei de regulação do arrendamento, mas ainda está longe de atingir a ambição da anterior, que previa um regime de sanções para os senhorios que não cumprissem as suas obrigações e obrigava os portais imobiliários a publicar o preço do contrato anterior e o preço recomendado pelo índice de referência. A não publicação destes dados levou à aplicação de coimas aos portais Idealista, Fotocasa, Habitaclia, Pisos e Yaencontré.
As principais críticas a este novo sistema de regulação das rendas centram-se no facto de refletir um preço médio de mercado e não estar ligado ao rendimento da população de cada zona, pelo que o resultado, na melhor das hipóteses, seria a contenção do preço e nunca a sua redução. Outras críticas incidem sobre a diferença entre a renda mínima e máxima que os senhorios podem fixar, com a tentação de estes escolherem sempre o valor mais elevado. A subjetividade do índice também gerou polémica ao introduzir padrões não objetivos que influenciam o preço final. Os valores subjetivos do índice incluem o “bom estado” do apartamento, “vistas especiais” ou o facto de estar mobilado ou não. A possibilidade de os senhorios aumentarem a renda em 10% se tiverem efetuado determinadas melhorias nos apartamentos abre caminho a todo o tipo de abusos, na ausência de sanções e de pessoal de inspeção, segundo os sindicatos de inquilinos.
Os mecanismos para garantir e fazer cumprir a regulação das rendas também não são muito claros. “Sabemos, com base em dados empíricos, que isso é sinónimo de incumprimento maciço, sobretudo num país onde o contrato de arrendamento não é renovado automaticamente, o que significa que o inquilino que tenta negociar o preço ou pedir que o limite da renda seja respeitado pode ser despejado”, declarou Jaime Palomera, do Instituto de Investigação Urbana de Barcelona (IDRA), ao jornal Ara.
A falta de regulamentação dos arrendamentos sazonais e de quartos é outro dos grandes problemas, já que permite que os senhorios recorram a estas modalidades de contratos para contornar as restrições de preços da lei da habitação, salienta Palomera.
O porta-voz do Sindicato de Inquilinos de Madrid, Pablo Martínez, concorda que se trata de uma “lei insuficiente que não responde à necessidade de baixar os preços nas zonas de tensão”. No entanto, reconhece que se trata de um passo em frente que vai gerar “novos cenários de conflito e de organização”. E não só na Catalunha, mas também no resto de Espanha, ao centrar-se na necessidade de regular as rendas, seguindo o exemplo catalão e pressionando os proprietários a baixar os preços e a aceitar negociações coletivas, utilizando como argumento o índice de referência de preços, embora este não seja vinculativo fora das zonas de tensão.
“Não é o que queríamos, mas permite que se abra um cenário em que outras políticas mais ambiciosas podem ser consideradas”, diz ao El Salto. Também se conseguiu mudar a narrativa: “Antes, o debate era se as rendas podiam ou deviam ser reguladas. Depois de tanto trabalho dos sindicatos de inquilinos, o debate passou a ser 'temos de regular, sim, mas de que forma'. Agora, acrescenta, é necessário lutar por “medidas mais ambiciosas”, incluindo a possibilidade de os municípios declararem uma zona de tensão ou começarem a falar de expropriação dos grandes proprietários, como já está a acontecer em Berlim.
Texto publicado originalmente no El Salto Diário. Traduzido para o Esquerda.net por Carlos Carujo.