Braga, 10 de Dez de 2012, por Ernesto Valério Soares de Figueiredo
(Definição adoptada de organização do território: objectivo social universal, variando na dimensão das unidades territoriais, grau de coesão e (in)dependência, a fim de formar reagrupamentos integrados, federados ou associados)
Índice pag I- INTRODUÇÃO E ENQUADRAMENTO POLÍTICO--------------------------1 II- REFORMA DO ESTADO: DEMOCRACIA E DESENVOLVIMENTO-----6 III- ESTADO DEMOCRÁTICO E PODER REGIONAL-------------------------13 IV- EM JEITO DE CONCLUSÃO-------------------------------------------------19 V- BIBLIOGRAFIA---------------------------------------------------------------- 22
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I-INTRODUÇÃO E ENQUADRAMENTO POLÍTICO
Propomo-nos, [neste trabalho de índole algo mais proclamatória mas também científica, pela linguagem e forma nele conscientemente utilizadas, perpassado de alguma veemência (para não dizer violência escrita), por razões que se depreendem, claramente, e que também ficam inteiramente justificadas, ao longo da exposição produzida], abordar o tema em epígrafe, ainda que ao de leve e de forma livre. Na verdade, trata-se de uma aproximação política e administrativa (por conseguinte, em bases que se pretendem científicas) com base metodológica conferida pela noção de identidade ou cidadania, isto é, levada a cabo (no seu acervo prévio de investigação empírica) quase exclusivamente através de modelos estatísticos. Assenta na Estatística que significa portanto, pela sua evolução etimológica, estadística, ciência (de governar) o estado ou o estatuto ou statusou [stat ou stad(do alemão)] que quer dizer cidade, ou seja, cidadania.
Os textos que produzimos abaixo são claros quanto à questão fundamental do conceito de democracia política radicalizada, leia-se enraizada, na vontade popular. Não nos ocuparemos em detalhe (com definições nem com variantes) do sistema democrático em abstracto, [acrescentando que a sua base parlamentarista de representação (poder legislativo), o governo (poder executivo central), a justiça (poder judicial), as regiões (poderes regionais) e os municípios (poderes locais)], constituem as componentes integrantes básicas do modelo político e administrativo de democracia em concreto que advogamos. São utilizadas noções de descentralização, desconcentração, subsidiariedade, delegações, administrações, autonomias, províncias, distritos, regiões, associações municipais, etc., que se supõem conhecidas.
Daremos conta ao longo texto, quase exclusivamente, da importância suprema de que se reveste o escalão intermédio (regional), algures situado entre o nível da administração central (sediada em Lisboa) e o nível da administração local (sediada nos municípios e nas freguesias). Sendo estes dois níveis extremos consensuais na sociedade civil que os suportou ao longo de muitos séculos e ganhando por esta via estatuto de estabilidade, torna-se então evidente que o trajecto percorrido pelo escalão regional intermédio, com diversificadas variantes de forma (recorte territorial) e de funções (órgãos e funções), assume o papel preponderante que importa ter em devida conta. Não temos dúvidas em afirmar que a trajectória regional corresponde, grosso modo, à História da nossa Administração Interna e, por arrasto, à História do desenvolvimento (regional) do País. Admitimos inclusivamente a hipótese (empiricamente confirmada) de que a progressos de boa administração interna (ou seja, a períodos de progresso económico e social) correspondem administrações regionais (ou administrações com designativos equivalentes) bem formatadas e funcionais.
Porque nos parece melhor transcrever directamente algumas ideias formuladas por escrito por um dos precursores dos estudos regionais em Portugal nos tempos contemporâneos, [referimo-nos ao saudoso Professor Eugénio de Castro Caldas, que também promoveu estudos assinados pelo autor (e por ele e pelo autor)], até pelo inexcedível estilo de linguagem assertiva e clara que é sua prerrogativa, nomeadamente, no preâmbulo do livro do autor, Portugal: que Regiões, publicada pelo Instituto Nacional de Investigação Científica (INIC) em 1988, pode ler-se: “A apropriação do espaço onde todo o ser vivo procura assegurar a sobrevivência, é instintiva e natural. Por isso também o homem sempre demarcou fronteiras, que defende até à morte, no ambiente onde encontra os meios de subsistência, ou promove a implantação cultural e história da evolução civilizacional. Efectivamente, o processo de socialização humana, a repartição do território em obediência aos mais diversos ordenamentos comunitários, tem o suporte de raízes que constituem alicerce dos regionalismos. […]
Existem documentos notáveis, de indiscutível valor científico, que nos revelam culturas na sua expressão mais pura. Mas é evidente que os aspectos da diferenciação regional apresentam carência de indicadores quantificados. A maior dificuldade encontra-se ao procurar as fronteiras das regiões, mesmo quando o tipo ou sistema dessas regiões se encontra claramente definido. Na tradição portuguesa parece ter sido praticada a escolha de Rios e de Montanhas para demarcar limites, ou encontrar designações regionais. Em referência aos Rios o “Minho” é um exemplo, como o “Alentejo”, havendo regiões à “Beira” de rios importantes como o Douro, que deu também designação a espaços que foram fronteira de guerra como a “Estremadura” (Estremadurii). As Serras permitiram denominar “Trás-os-Montes” ou formar anfiteatros abertos sobre o mar e o Continente Africano como o “Algarve”. O esquema assim determinado afigura-se intuitivo, mas não se teria adaptado às exigências da administração regional moderna, muito especialmente porque os Rios não separam as margens, antes as unem, e as Montanhas formam por vezes unidades geoeconomias não divididas por cumeadas.”.
Eis, em suma, pelo paradigma regional, inexcedivelmente desenhado pelo Professor que ficou para sempre associado às Regiões Homogéneas, [em jeito de padrão regional de referência inculcado na bibliografia da especialidade e demais abordagens de investigação, acerca do planeamento socioeconómico do território e da sua História Regional], o que realmente é importante que se diga aqui e verdadeiramente aconteceu é o seguinte: foi este padrão regional referencial que nos instruiu, guiou e conduziu finalmente ao Mapa das Regiões Fundamentais que se ilustra adiante, no Cap. III. Portanto, o mosaico regional aí ilustrado (construído com base em unidades elementares representadas pelos municípios) serviu para testar, explicar e servir de ajustamento ao modelo concepcional acima formulado de forma, digamos, explícita, mas vagamente quanto ao recorte delimitador das seis regiões. O problema das demarcações realmente a ganhar estatuto de importância decisiva. É nossa convicção que fomos bafejados pelo sucesso no esforço (de procura de solução para este problema crítico) há altura em boa hora encetado.
Mas, remate-se, muitos anos já passaram sem que réplicas e aperfeiçoamentos necessários se tenham realizado e tudo parece ter estagnado nas vertentes das políticas regionais tão promissoras quanto ao futuro da administração pública descentralizada, melhor dito, regionalizada. E suspeitamos que este estado de estagnação imposto e recente (na sua modalidade de inoperância completa a roçar o esquecimento, quando não a interdição na sua forma tentada), favorece políticas preferenciais de grupos e categorias de políticos e seus correligionários que também estão na posse do aparelho de estado ao seu mais alto nível. Estas políticas (de desregulamentação financeira, de austeridade económica e de recessão) são bem conhecidas dos cidadãos que as têm suportado e que nos arrastaram para as crises financeira, económica, social, cultural e política, de onde só é possível sair-se por inversão das políticas. Tal significa renovação de actores políticos no arco da governabilidade, como está na moda dizer-se nos círculos mediáticos.
A reactivação do processo de regionalização do País contém os factores necessários à reforma do estado e da sua administração pública, à recuperação do Pais em termos de aprofundamento da democracia política, à reanimação do desenvolvimento socioeconómico sustentado, enfim, será (pela nossa óptica] o motor (ou um motor) da mudança social e política que levará de vencida as oligarquias (instaladas no Poder) e defensoras dos centralismos, das concentrações desmesuradas, da negação da regionalização pela sua vertente autárquica, entre muitas outras políticas de direita que (em desespero de causa) atacam inclusivamente (não só os ideias progressistas, mas) o próprio Estado Democrático. É por isso que a vemos (à regionalização) como imbuída de ideais e de políticas de esquerda, participativas, democráticas e plurais, bem no coração e na alma dos ideais de Abril de 1974. E para nós, a democracia completa e profunda não andará muito arredada dos ideais progressistas e do socialismo como doutrina política e ideológica, inspirada nos movimentos operários internacionais (autónomos e cooperantes) em luta (cerrada e sem tréguas) declarada contra os movimentos capitalistas globais (desregulados e agressivos).
Mas, reconheçamos, ficar-nos-emos por estas deduções argumentativas, porque o tema que nos ocupa não reclama (a todo o custo) mais detalhada definição ideológica clarificadora. Trata-se, no fundo (o que não é pouco!), do aprofundamento e da consolidação do Estado Democrático que conduz, naturalmente, pelas opções tomadas livremente, ao Estado Social e ao socialismo de rosto humano. Este facto explica cabalmente o ostracismo (para ser brando)a que as genuínas políticas de regionalização foram devotadas, tendo em conta que se trata de um governo do estado (em funções) ciente das suas prerrogativas de direita, burguesas, conservadoras, regressivas, mais devotado ao estado caritativo, etc. E sobre estas prerrogativas, conectadas aos seus governos, teremos que tomar posição nas urnas, se quisermos mudar de políticas. É o que há a fazer.
Antes de mudar de assunto, diga-se ainda que para o contingente potencial de cidadãos a votar nos ideais expressos acima (base de apoio), a fim de pôr fim ao marasmo a que outras forças e ideologias (pelos seus governos) nos arrastaram (talvez para muitos ardilosamente), não temos a menor dúvida de que têm lugar, (num espectro de ideologias internacionalmente reconhecido), os social-democratas mais genuínos, os socialistas de diferentes sensibilidades, os marxistas-leninistas de diferentes sensibilidades, os radicais de esquerda de diferentes sensibilidades, os progressistas, os comunistas de diferentes sensibilidades, os anarquistas e os ecologistas, entre outros não citados, todos, duma maneira ou de outra, abraçando ideais enunciados acima. Não fossem o “PSD”/PPD e o “PS”, [dois partidos com designativos honrosos, Partido Social Democrata e Partido Socialista, que de ideologias implícitas nas nomenclaturas, em teoria sobreponíveis até], na prática se revelarem ser a antítese do que parecem deixar transparecer (isto é, não fosse o embuste que se mostrou ser o binómio PPD-PS) e os ideais do 25 de Abril de 1974 teriam sido muito provavelmente alcançados. Assim não aconteceu (isto é, os três Ds de Democratizar, Descolonizar e Desenvolver ficaram por cumprir, com maiores consequências no primeiro e no terceiro) e, justamente, estes dois partidos são sem dúvida os maiores responsáveis pela situação de crise actual e da situação de penúria e de endividamentoa que nos conduziram. Mas, reafirme-se, é daquelas ideologias apontadas que se irão colher os votos de esquerda necessários a suplantar os votos concorrenciais de direita (advindos de ideologias ou partidos da direita radical, da direita moderada, dos partidos monárquicos, dos partidos democratas cristãs, dos partidos liberais de diversas sensibilidades, de partidos sociais liberais e dos partidos neoliberais, para citar os mais conhecidos). E várias votações já ocorreram que confirmam que a maioria de esquerda não é nenhuma miragem.
II-REFORMA DO ESTADO: DEMOCRACIA E DESENVOLVIMENTO
Primeira grande tarefa a ser realizada por um governo democraticamente eleito e em pleno de funções: regionalizar o país. Isto é, dito de outra forma, reformar o Estado Democrático em bases consolidadas. O actual estado democrático permanece inacabado ou incompleto, amputado de funções básicas, mutilado de órgãos regionais, organicamente desestruturado, amputado de identificação de cidadania plena, centralizado e concentrado em Lisboa, ineficaz e sem possibilidades de se transformar politicamente (sempre no mesmo arco de governação oligárquica) e constituindo um entrave ao desenvolvimento socioeconómico. É necessária a construção de outro arco de governação à esquerda socialista.
Na periferia de uma União Europeia (UE) regionalizada, isto é, desconcentrada, descentralizada e subsidiária, o estado português (administrando o Continente) permanece absoluto, liberal e napoleónico (isto é, administrando uniformemente o território de norte a sul e da orla litoral à raia espanhola), insensível a identidades regionais, valendo-se de abundantes associações municipais (a grande maioria das vezes, a partir de 1835, sob a forma e designação de distritos). As Comissões de Coordenação Regionais (CCRs), entretanto criadas para servirem de base a um sistema administrativo regional estagnado, não se compadecem com a ausência do desenvolvimento (que não pode ser senão regional, enfatize-se), deixando a nu um interior exaurido e empobrecido.
A administração territorial distrital, nascida com a Revolução Liberal (1822), sob as insígnias emblemáticas da igualdade, liberdade e fraternidade, como suporte do poder central e por ele nomeada e fiscalizada, em nenhum período de tempo suficientemente alargado foi capaz de fortalecer o poder descentralizado de participação regional. Combateu sempre audaciosamente outros modelos ou paradigmas regionais concorrenciais e competitivos. Nomeadamente, administrações regionalizadas seguindo preceitos mais modernos e contemporâneos, a saber, administrações desconcentradas por todo o espaço territorial, dando lugar à descentralização de competências e à delegação de poderes dos órgãos do poder central para órgãos intermédios (regionais ou provinciais) da administração estatal e mais eficazes na aplicação do princípio da subsidiariedade.
Assim se foi instalando ao longo de muitas décadas (cerca de 177 anos) um padrão administrativo estatal fortalecendo um, designemo-lo no seguimento (em jeito de conceito instrumental) por, virtual estado robusto. Materializando este virtual estado robusto, ocorreram as sucessivas governações do País, no período descrito. Estas governações obedeceram a variadíssimas ideologias políticas (mais ou menos conservadoras, liberais, monárquicas, republicanas, fascistas e socialistas) e perduraram no poder por intervalos (fugazes ou de décadas) tão díspares que mostram bem, tanto a instabilidade política da altura, quanto a violência da ditadura fascista. Do ponto de vista da organização administrativa do estado, seja a nível central, regional ou local, seja do ponto de vista dos poderes do estado, a nível executivo, legislativo ou judicial, deram-se mudanças e alterações tão significantes que direccionaram o processo civilizacional experimentado no País para todo o sempre.
O escalão intermédio da administração estatal, primeiro provincial, depois distrital, depois provincial e distrital de novo, instituiu-se num motor de busca do almejado modelo de administração pública estável e identitário pré-liberal (inspirado nas seis circunscrições administrativas formalmente consagradas desde pelo menos o reinado de D. Dinis até à Revolução Liberal). No entanto, nunca foi conseguido, embora tenha sido ensaiado em pelo menos dois períodos efémeros (1827-28 e 1914). Nota-se bem que, a procura dum modelo administrativo regional tecnicamente bem conseguido, constituiu sem dúvida uma grande ambição política face ao progresso experimentado e às actividades económicas desenvolvidas de então.
Isto faz todo o sentido, pois o processo de regionalização (a ser reactivado) é dotado de sentido que não pode ser invertido, isto é, primeiro, trata-se de inventariar as macro-regiões, depois (e só depois) é possível dar forma às sub-regiões intra-regionais. Os NUTs oficiais (que se utilizam por aí no dia a dia) não oferecem a mínima credibilidade em termos de critérios metodológicos utilizados e inquinam os estudos regionais (e nacionais e internacionais, por arrasto), tendo por base os territórios geridos. Como se explica, por exemplo, que a actual Região Norte ou a actual Região Centro sejam das mais pobres do Continente, atrás, por exemplo, da Madeira e do Algarve? Terão sido desenhadas de propósito para captar mais fundos provenientes da União Europeia e assim conseguirem competir com Lisboa, actualmente desprovida da sua clássica cintura industrial? E como se justifica uma terceira auto-estrada (chamada na gíria estrada do lá vai um) recentemente construída entre o Porto e Oliveira de Azeméis? Dá para citar com pertinência o ditado que diz que só não vê quem não quer ver, ou dito de outro modo, o cego mais cego não é o invisual, antes o que não quer ver.
No seguimento do 25 de Abril de 1974, com a turbulência política presente devido à própria natureza do virtual estado robusto, agora adicionalmente qualificado de republicano e democrático, instalou-se no poder governamental uma nova categoria de quadros políticos [advindos de um partido apelidado de Partido Popular Democrático/”Partido Social Democrata” (PPD/PSD) e de outro apelidado de “Centro de Democracia Social”/Partido Popular (CDS/PP)] de ideologia neo-liberal extremista e obsessiva, cujo objectivo programático é reduzir ao máximo o estado (virtual, robusto, republicano e democrático) herdado, juntamente com o complexo aparelho da administração pública. Defende esse grupo de tratantes, uma refundação do estado (e das suas funções próprias inalienáveis) consubstanciada no emagrecimento das gorduras do estado e na redução tanto quanto possível do número de funcionários efectivos das administrações (central, regional e local) através de despedimentos maciços e diminuições salariais substanciais.
Um arremedo de escalão regional, representado pelas actuais CCRs nomeadas pelo poder central para espaços territoriais de delimitações muito deficientes, para não dizer perversas e retrógradas, (já que a norte juntam em circunscrição única regiões identificadas com níveis de desenvolvimento muito díspares). Da mesma forma se pode dizer que ao centro aglutinam sub-regiões beirãs de níveis de desenvolvimento extremamente diferenciados. Ora, é de todos bem conhecida a situação gritante de desertificação extrema do interior do País, com concomitante concentração socioeconómica numa faixa litoral (grosso modo, entre Braga e Setúbal e na orla litoral algarvia) de escassas dezenas de quilómetros a contar do mar, quando muito. Sem políticas regionais adequadas, contrariando e invertendo o esvaziamento do interior que se tem vindo a verificar, teremos a curto prazo um território continental incapaz de suportar qualquer estado de direito digno do nome.
O escalão regional adoptado por sucessivos governos do pós-25 de Abril de 1974 (cuja autoria se deve ao então ministro do ordenamento do território Valente de Oliveira) não respeitou ou, melhor dizendo, errou rotundamente na especificação dos pressupostos por detrás da implementação e fomento do desenvolvimento regional. Nem a delimitação regional obedeceu a critérios objectivos conectados com os níveis de desenvolvimento acumulado, nem ao figurino regional inventado foi atribuído qualquer estatuto de autarquia representativa. Em termos de identificação e delimitação regionais, há que referi-lo, o que se passou a norte e ao centro do País, não ocorreu felizmente a sul: as duas regiões (algarvia e alentejana) foram respeitadas, seja do ponto de vista da delimitação regional (grosso modo), seja das designações atribuídas, historicamente consagradas. À Estremadura, igualmente consagrada pela história, foi no entanto sonegada a designação regional, baptizando-a de Lisboa e Vale do Tejo!
O acima aludido conceito de virtual estado robusto, justificando a ideia de aparelho de estado que suportou os sucessivos governos, desde a monarquia constitucional do século passado, ao 25 de Abril de 1974, a partir de aqui requalificado de estado democrático e republicano, sempre se apoiou nos dois pilares administrativos de maior consolidação, a saber, o nível central (sediado em Lisboa) e o nível local (sediado nos municípios). O último, de tradição autárquica secular. O nível regional, intermédio na hierarquia administrativa estatal, sem estatuto autárquico digno do nome (dado que ou não existia ou carecia de robustez por concorrência contra ele movida por administrações paralelas burguesas, clericais, nobiliárias ou mesmo estatais plagiadas), sempre foi postergado do ponto de vista político e administrativo. Este facto explica, na nossa óptica, a razão pela qual o conceito operacional designado por virtual estado robusto, entrando em declínio pela revolução liberal, suportando diacronicamente a independência do Brasil, a rotatividade política da monarquia constitucional, a instauração e curta vigência da 1ª República, a ditadura salazarista e a turbulência do pós-25 de Abril, mesmo apelidando-se de democrático e republicano a partir de aqui, permanece, nos dias de hoje, sem legitimação democrática na verdadeira acepção da palavra.
A restauração do virtual estado robusto democrático e republicano em termos da União Europeia (EU) exige a atribuição do estatuto de autarquia ao escalão regional, isto é, exige que os poderes regionais, à semelhança dos poderes locais, possam funcionar em moldes autonómicos, face ao poder central. Por um lado, quebra-se a relação de dependência unidireccional face ao poder central; por outro, aprofunda-se o conceito de democracia plena, relativizando o estado centralizado que passa a ser descentralizado e regional. A democracia sai fortalecida como sistema e a confiança política dos povos aumenta. Então e em simultâneo, também a sensibilidade das políticas democráticas descobrirá formas de equilíbrio inter-regionais, de forma ao estado-nação, no seu todo, encarreirar pela trajectória do desenvolvimento socioeconómico auto-sustentado.
Uma das funções primordiais do estado, como factor de distribuição e regulamentação na sociedade, integrando políticas sectoriais ou regulando perfis de acumulação, gozará finalmente da estabilidade política de longo prazo. Problemas do foro da assistência social, combate ao desemprego, recessão versus estagnação económicas conjunturais, erradicação da pobreza, níveis de saúde e de educação elevados, salários condignos e reformas no sistema judicial serão equacionados em bases bem mais sólidas. Acaba-se a discricionariedade entre o poder central todo-poderoso e os seus múltiplos interlocutores mais afastados, situados na base da pirâmide administrativa.
Introduzindo-se níveis hierárquicos intermédios, introduzem-se simultaneamente formas de aplicar princípios de subsidiariedade no sistema de decisão atinente aos actos administrativos, sob alçada da respectiva esfera de competências. Agora, será possível tratar problemas a nível dos governos regionais (tornando a resolução mais ajustada e mais célere) que congestionavam a administração central e a tornavam um estorvo à satisfação da qualidade de vida dos cidadãos. Esta mais-valia imediata não dispensa, acrescente-se, a necessidade de construir administrações intermunicipais (associações municipais intra-regionais ou inter-regionais) para fins específicos e sob a alçada dos governos regionais. Antes pelo contrário, a dinâmica da gestão e administração públicas, agilizando-se, sai claramente reforçada. Esta é, certamente, a verdadeira reforma do estado que se torna obrigatório levar a bom porto e em tempo útil.
É necessário chamar a atenção do cidadão menos informado para um facto que, no nosso entender, pode escapar a uma análise e reflexão mais superficiais daquilo que está em discussão. Os designativos regionais do Continente (consagrados pela história regional, a saber, o Douro-Minho, Trás-os-Montes, Beiras, Estremadura, Alentejo e Algarve), tendo em conta a importância histórica que desempenharam a partir das sucessivas etapas do ordenamento do território, após a Reconquista (ver codicilo ao primeiro testamento de D. Dinis, datado de 1299), gozaram de um estatuto de estabilização impressionante até, praticamente, à introdução dos distritos em 1835, pela mão do ministro do reino Rodrigo da Fonseca. Ou seja, pode dizer-se que a sua longevidade, pelo menos de cerca de 536 anos, atesta alguma pertinência quanto a critérios (hoje postulados pelas Ciências Regionais e Administrativas) de identificação e delimitação regionais.
A grande questão que no entanto se deve colocar agora é a seguinte: ao cabo de 177 anos de hegemonia distrital quase ininterrupta, pese muito embora o conhecimento da tradição popular que aloca o sentimento regional por inteiro às seis circunscrições assinaladas acima, dado que as administrações distritais são superiores em número (portanto, situam-se mais perto das populações que servem e, por arrasto, servem-nas mais eficientemente), que fazer? Estando hoje as administrações distritais decapitadas (isto é, desprovidas de governação) elas continuam a funcionar em pleno para muitas instituições e empresas. O comum dos cidadãos do Continente aprendeu a viver sem identificação regional, apenas com identificações de nacionalidade e de localidade. Como se a identificação regional fosse descartável ou perniciosa! Mas a verdade, enfatize-se, é que esta omissão serviu cirurgicamente o estado liberal centralizado e absoluto (mesmo que se designe, com acima foi feito, por virtual estado robusto democrático e republicano). É que este estado convive harmonicamente com a mutilação democrática, ou seja, sem o pilar regional do estado descentralizado.
Ou seja, os portugueses continentais de hoje defrontam-se com problemas da própria identidade de cidadania (órfã ou despaisada) e raciocinam em termos de desvalorização dos preceitos que assistem à (e estão na base da) edificação do estado democrático por inteiro. A procura da cidadania plena conduz incontornavelmente às raízes mais profundas de um radicalismo salutar exclusivamente acalentado pelo paradigma regional das seis circunscrições territoriais clássicas, referidas acima. Mas a ausência de sentimentos e práticas regionalistas não é favorável a uma exigência imediata de imposição, reposição ou restituição do ordenamento regional almejado. Acontece que, durante a trajectória percorrida ao longo da carreira profissional que abraçámos, exigindo investigação aplicada levada a efeito para progressão na carreira, tivemos o privilégio de abordar o tema da regionalização do Continente sob a forma de projecto de investigação bem sucedido. E demo-nos conta, por esta via, da importância do que, ao longo dos últimos anos, temos vindo a divulgar. Mas o despertar das audiências (de sensibilidade diminuída, diríamos), mostra-se extremamente moroso.
Quase por último, antes de avançar ao próximo tema, vale a pena constatar que, no estado democrático descentralizado, que o mesmo é dizer, regionalizado, de esquerda e socialista (já que os estados governados à direita ou burgueses são usualmente adeptos fervorosos da centralização administrativa, até por razões económicas e financeiras) os ícones emblemáticos liberais aludidos acima (de liberdade, fraternidade e igualdade) são aqui novamente usufruídos: a liberdade permite competição e esforço individual, a fraternidade é expoente máximo da solidariedade e a igualdade vale como identidade. Acresce que outros conceitos, nomeadamente, de confiança (especificidade ou confirmação) e de sensibilidade (potencial ou capacidade de descoberta, detector de mudança) são também utilizados na actualidade com o propósito expresso de agilizar as administrações. É o conceito alargado de cidadania plena em meio democrático de direito.
III-ESTADO DEMOCRÁTICO E PODER REGIONAL
Decorridas mais de três décadas sobre a inscrição na Constituição da República (Art.239º, 1976) das regiões administrativas, como base de sustentação para uma profunda reforma do aparelho do estado com vista à edificação de um sistema descentralizado e democraticamente consolidado (isto é, permitindo mudança social ideológica e não apenas alternância de poder plutocrático), prossegue alguma discussão (comprometida e envergonhada!) do tema regional. A direita e o “Partido Socialista” (PS) travaram a regionalização, o que significa que tolheram o desenvolvimento do País, tornando-o moribundo. Esta situação é de tal visibilidade que (a manter-se) virá o tempo em que mais uma vez a União Europeia (UE) enviará comissários ao seu protectorado a comunicar que a reforma da administração do estado terá, finalmente, que ser levada a bom porto.
É vital que o País se organize, à semelhança da maioria dos países, nomeadamente no seio da UE, em bases regionais autárquicas sólidas. A UE das regiões não pode constituir nenhuma miragem, quando se promovem (ou se afirma que assim será muito mais intensamente no futuro) as políticas inter-regionais de troca de relações, em contrapartida às políticas inter-nacionais hoje existentes. Para efeitos de construção de uma UE dos povos, das nações, das pátrias e também da almejada UE da paz, parece plausível admitir-se que o desenvolvimento centrado nos poderes regionais, [instalados entre os poderes centrais e locais, com protecção especial dentro da UE traduzida pelo Comité das Regiões (do qual, sublinhe-se, Portugal continua arredado!)], constituirá um modelo político-administrativo digno do primeiro mundo.
São as políticas regionais e não outras (federais, confederadas ou centralizadas) que, nos dias de hoje, conferem estatuto de primeiro mundo à UE no concerto das relações internacionais, pese muito embora o papel da função de distribuição europeia estar longe de alcançar o seu objectivo maior: processo de integração adequadamente ponderado e regulamentado ou perfil de acumulação gradual devidamente ajustado ao espaço europeu. Portugal como membro de pleno direito da UE terá, por conseguinte, tudo a ganhar, na justa medida em que alinhar pelo diapasão regional autárquico. Pode, por esta via, descolar da cauda da Europa, para lugares mais consentâneos com os seus valores, a sua História, a sua ambição. O acanhamento ou a subserviência transparecida pelos tratantes (e nossos representantes) nas negociações com a UE, mostrando em detalhe (ou ocultando) a nossa situação socioeconómica, só dificulta o ritmo de construção e consolidação europeias. A UE é, sem dúvida, uma das maiores realizações políticas internacionais do século XX, na qual temos papel significante a desempenhar.
Defendemos que a delimitação regional é parte integrante da teoria regional e que a sua comprovada complexidade (técnica e científica) não se compadece com o desconhecimento revelado por muitos regionalistas e anti-regionalistas. Se o desenvolvimento não pode ser senão regional, no entender de muitos, a verdade é que este último não pode ser planeado e alcançado em abstracto, isto é, em ausência de regiões “bem delimitadas”. Mas pode, ao invés, ser procurado em sede de regiões virtuais, mal definidas: como foi o caso bem conhecido da actuação liberal de fazer substituir as antigas regiões ou Províncias Administrativas pelos “revolucionários” Distritos. Estes estiveram na origem da regressão social verificada a partir de então, marcando sem dúvida a trajectória administrativa do País a prazo, da qual todavia não nos libertámos: os distritos (leia-se associações de municípios despaisadas) permanecem funcionais, resolvendo problemas administrativos ao seu nível hierárquico.
Existem doutrinas contemporâneas suficientemente desenvolvidas, adoptadas e recomendadas por investigadores devotados às ciências regionais, que regulamentam em pormenor o que deve ser entendido por regiões bem delimitadas e que se prende com a própria noção de identidade regional, legitimando o estatuto de região a ser outorgado a algum território candidato. São considerações teórico-metodológicas bem formuladas, largamente consensuais, em que os princípios da subsidiariedade e do desenvolvimento endógeno sustentável andam a par com aspectos linguísticos, socioculturais e ecológicos. Existem inclusive critérios justificativos do número de regiões a ser instituídas como unidades de desenvolvimento, a saber, identidade ou sentimento de pertença, estrutura que mantém a região unida, vida própria e base económica.
A questão regional não é nova, havendo uma História Regional empenhada em narrar o percurso, o comportamento e o desempenho do escalão regional ao longo dos séculos. E há fortes indícios de que as diversificadas formas de delegações regionais (implantadas no território com sedes de governo e de gestão de políticas internas comandadas pelo Poder Central) estão altamente comprometidas com a evolução do desenvolvimento já alcançado: progressos ou avanços correspondendo a fases de ordenamento espacial ajustado e harmonioso, retrocessos ou atrasos coincidindo com ensaios regionais disfuncionais. Não muito longe vão os tempos em que [assumir-se minhoto, alentejano, transmontano ou equivalente] era avaliado depreciativamente, sem ideal identitário de berço, de pátria ou de torrão natal. Estes ideais identificadores de cidadania foram usurpados por uma nacionalidade uniformizada, serôdia, sem sensibilidade comunitária, mas alicerçada em distritos (quase ininterruptamente a partir da sua instituição em 1835, hoje decapitados).
Na situação actual a que a discussão regional tem sido conduzida, a teoria regional, por si só, parece não ser capaz de criar factos novos, mediáticos e ”espectaculares”, que a façam progredir no sentido de se tornar “popular”, empiricamente assumida. A avaliação da teoria tem sido sucessivamente adiada, silenciada, postergada. No entanto, aliada a uma metodologia correcta, com investigação aplicada a bases de dados escrutinando “tudo” o que é observável, ela tem capacidade de elucidar suficientemente sobre medidas a levar a cabo em proveito dos povos. Não significa isto que uma identificação regional correcta, seguindo os preceitos universalmente aceites, confirmada por procedimentos analíticos padronizados, dispense algum referendo confirmatório.
Antes pelo contrário: o sentido da acção processual é que não pode ser invertido, isto é, primeiro, realização do estudo empírico como projecto de investigação aplicada no domínio das ciências (regionais e administrativas), depois, após divulgação, informação e debate, execução dum plebiscito público dando expressão ao direito dos cidadãos de se pronunciarem sobre a matéria, de forma confirmativa ou infirmativamente. Temos razão para afirmar que, ao longo da História Regional que nos foi dado conhecer, não raro se encontraram casos de autores, partidos políticos e pessoas singulares, que se apressaram a traçar recortes regionais (jogando, quiçá, neste acto, todo o processo de regionalização?), descurando critérios tidos como objectivos e metodologias científicas. E o resultado foi a apresentação de delimitações que, em vez de progredirem relativamente a propostas predecessoras, mais parecem ter regredido. Um caso destes ocorreu recentemente (isto é, no pós 25 de Abril) e não passou em referendo público.
As Regiões Fundamentais, estruturantes do Continente.
Defendemos a edificação no País de um sistema regional consensual (ver Mapa das Regiões Fundamentais, acima), em que as regiões tradicionais (carregadinhas de história), pré-liberais e pré-neoliberais, são redefinidas e designadas assim: 1) Douro-Minho ou região Minhoto-Duriense (em consonância com o seu estatuto de pertença à antiga grande região Galaico-Duriense) agregando as duas margens do Douro; é formado pelo conjunto de municípios situados a Noroeste do Continente, ocupando o território que se estende desde a orla costeira a Oeste, até ao Vale do Tâmega a Este, limitado a Norte pela vizinha Galiza e a Sul pelo Vale do Vouga; 2) Trás-os-Montes e Beira Interior, já que a região de Trás-os-Montes e a Beira Interior são estruturalmente muito semelhantes. Incluí-las em regiões dotadas de níveis de desenvolvimento muito superiores [o que tendo sido ensaiado, (mantendo-se ainda em vigor!), sem medidas de protecção adequadas] deu como resultado observado o seuesvaziamento; é formada pelos municípios a Nordeste do Continente, interiores, ocupando um espaço que fica limitado a Norte e a Este pela vizinha Espanha, a Oeste separado do Douro-Minho e Beira Litoral e afunilando-se para Sul até à Cova da Beira, alcançando Idanha-a-Nova; 3) Beira Litoral, constituindo claramente a sub-região beirã de mais elevado nível de desenvolvimento; agrega um vasto conjunto de municípios cujo espaço fica limitado a Oeste pelo Oceano Atlântico, a Norte pelo Douro-Minho, a Este pelo linha que vai de Viseu a Castelo Branco separando-a da Beira Interior e a Sul pela linha que vai das Caldas da Rainha a Constança inflectindo a partir de aqui pelo Tejo até Vila Velha de Ródão; 4) Estremadura, sem inovação face a representações recentes, mas de designação consagrada; abrange os municípios que ocupam o espaço confinado a Oeste pelo mar, a Norte pela Beira Litoral até Vila Nova da Barquinha, a este pelo Alentejo mas guinando para sul pelos municípios de Santarém, Coruche, Vendas Novas, Alcácer do Sal, Grândola, Santiago do Cacem e Sines; 5) Alentejo, grosso modo, o clássico e o do futuro, agregando municípios do Alto e do Baixo Alentejo; 6) Algarve permanecendo o “reino” dos Algarves, situado a Sul e constituído pelos municípios do actual distrito de Faro.
O Douro-Minho e o Alentejo constituem as duas regiões mais genuínas (de mais fácil identificação, mais homogéneas e coesas) do Continente português, ou seja, a delimitá-las situam-se territórios comunitários de transição, digamos, mais ou menos atlânticos, mais ou menos continentais, mais ou menos mediterrâneos. Estas designações e as suas reconfigurações constantes do mapa acima foram alcançadas em bases metodológicas bem definidas. Referendo popular sobre esta regionalização (ou sobre esta delimitação regional) pode ser discutido, abertamente, em qualquer fórum. É claro que as questões técnicas e científicas, avaliadas e discutidas por esta via, não serão naturalmente objecto de votação popular, que sobre estas coisas não sabe. Mas sim sobre o mapa proposto, expressando a sua sensibilidade de pertença regional.
IV-EM JEITO DE CONCLUSÃO
Sumariando o que acima fica relatado, diga-se que existe bibliografia (ver, p.ex., do autor, Portugal: que regiões? I.N.I.C., 1988 que segue de muito perto o clássico de Caldas, E. Castro e Loureiro, M. dos Santos e outros, Regiões Homogéneas no Continente Português, Fundação Calouste Gulbenkian, 1966) escrita relativamente abundante sobre a constelação de matérias afloradas acima. Sabendo-se, (como se sabe ser pernicioso), que existem actualmente dezenas de regionalizações, diríamos alegoricamente que cada secretaria de estado possui a suas regiões de actuação, à semelhança do que ocorre com muitas empresas públicas e privadas, não restam dúvidas de que se torna crucial estabelecer uma base territorial única para os diversos sectores da administração e uma progressiva delegação dos poderes de decisão (de cima para baixo), dos poderes centrais para os regionais e locais.
Por vezes, surge-nos a interrogação, inclusivamente, sobre se o tão propalado (através dos meios de comunicação) Mapa Judicial, (sob a alçada do Ministério da Justiça que representa o Poder Judicial), não tiraria proveito de se enformar, tendo em linha de conta a configuração regional do País proposta. É que o poder judicial (o terceiro poder, como se considera ser) ficou autónomo pela Revolução Liberal e com este estatuto não experimentou as circunscrições administrativas das épocas que a precederam. A nossa proposta regional radica nas seis circunscrições que fizeram história (não exclusivamente pelas suas designações tradicionais), desde a consolidação interna do território, após a Reconquista, até à Revolução Liberal, a partir da qual nunca mais se verificou estabilidade no padrão regionalmente adoptado antes. Cremos que, de facto e segundo dados históricos, as raízes mais profundas da expressão, do sentimento e das tradições populares mais genuínas (que todavia perduram com marcas indeléveis no território continental) assentam na Idade Média (mais Alta que Baixa) em que muitas administrações (públicas, nobiliárias, burguesas e clericais) paralelas coexistiram.
O Continente português, unificado como sempre permaneceu ao longo de muitos séculos (o mais antigo país da velha Europa, diz-se!) é heterogéneo no seu todo, dotado de especificidades regionais. Dele fazem parte integrante as regiões, (seis pela nossa interpretação, materializada na estrutura das Regiões Fundamentais em proposta acima apresentada pelo Mapa Regional), que importa respeitar e fortalecer sem preconceitos, sob a forma de autarquias. Só assim será possível dirigir o desenvolvimento interrompido (por definição regional) e o planeamento socioeconómico de forma a conciliar as potencialidades endógenas com os investimentos (destinados pela EU e outros organismos) a ser aplicados nas regiões mais deprimidas que as reclamam e de que necessitam veementemente.
Para a estratégia de pesquisa, [que teve o condão de nos conduzir, passadas mais de duas décadas (24 anos mais precisamente!), a este texto, redigido ao correr da pena acrescente-se], [a fim de levar a bom porto o devido processamento dos dados estatísticos (primários e sobretudo secundários), colhidos e transformados em indicadores (através de capitações, relativizações e normalizações)], pensou-se que as correlações lineares, a análise factorial e das componentes principais e a análise classificatória ou análise de clusters seriam, de entre os modelos seleccionados, os de maior incidência de utilização no decorrer da azáfama laboratorial do processamento estatístico. Outros modelos complementares, como os de análise de regressão múltipla gradual, de análise de variância múltipla, de análise discriminante múltipla e de análise factorial das correspondências, foram também ensaiados.
Uma conclusão óbvia (mas omissa) que não podemos deixar de sublinhar, chegados como estamos quase ao término do relatório, está na necessidade de replicar a pesquisa justamente aludida. Na melhor das hipóteses e sob a forma de projecto de investigação sustentado, aplicado, [primeiro, às regiões como aqui fizemos (em jeito de observatório regional, da maior importância para a actividade dos cidadãos e dos diversos actores da cena política)], [depois, às sub-regiões cuja competência de definição, seguimento e alteração caberá por direito aos governos regionais instalados]. Na pior das hipóteses, [sem formalização institucional de investigação aplicada aos espaços territoriais, deixada esta actividade completamente ao abandono, que o mesmo é dizer, à mercê de curiosos, por mais capazes e ambiciosos que estes sejam], teremos um planeamento regional avulso e descredibilizado (de divulgação quase impossível) que não nos elevará o estatuto de todos os pontos de vista.
Como escreveu o saudoso Professor Eugénio de Castro Caldas, no sublime preâmbulo (ao livro do autor citado acima) que constitui autêntico hino à regionalização: “Na prática da regionalização administrativa surgem orgânicas que variam entre o centralismo opressor, dotado de iluminismo umas vezes falso e outras progressivo, e o regionalismo descentralizado, capaz de ensaiar o uso e o abuso de liberdades que tanto se transformam em custos desmedidos, pelos encargos de meios subutilizados, como em efeitos da criatividade local que o poder centralizado em regra ignora, quando adopta normas de aplicação generalizada. […]
Particularmente, com a Revolução Liberal, o País foi retalhado em múltiplas unidades administrativas, que nada têm a ver com regiões, apresentando-se como resultado de decisões autoritárias ou assumidas por órgãos legislativos naturalmente influídos por propostas emanadas de executivos maioritários, convictos de que interpretavam, eles próprios, o destino dos povos. […]
As liberdades, das quais é muito importante a de ter região, isto é, a de não se viver e morrer despaisado, não podem deixar de ser defendidas por argumentos científicos porque a Ciência deve constituir o melhor dos suportes do Serviço Público. Enquadra-se neste objectivo o presente estudo (refere-se ao livro do autor citado, embora imbuído do mesmo significado quando aplicado a este texto). Assim ele possa ser entendido. E mais adiado ficará o imperativo constitucional da “regionalização”, se o não for”. Acrescentamos para finalizar, que argumentos impeditivos, baseados em custos orçamentais ou dificuldades económicas, carecem de verosimilhança. Ao invés, o estado democrático de direito e do desenvolvimento socioeconómico edifica-se nos princípios, na força da Lei, natradição, na paz sempre renovada, na vontade e soberania dos povos.
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