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Profissionais do SNS somaram quase 10 milhões de horas extras no primeiro semestre

Em termos homólogos, este é o segundo valor mais alto desde 2014. A par dos pedidos de escusa de responsabilidade pela falta de condições de trabalho, médicos internistas e cirurgiões do Garcia de Orta estão a recusar fazer mais de 150 horas extraordinárias nas urgências, que é o limite definido por lei.
Foto de Paulete Matos.

De acordo com o jornal Público, que se baseia nos dados disponíveis no Portal do Serviço Nacional de Saúde (SNS), nos primeiros seis meses de 2022, os profissionais realizaram 9,9 milhões de horas extraordinárias. Em termos homólogos, e desde 2014, apenas em 2021 se registou uma carga horária mais elevada, de 11,4 milhões horas extra.

Comparativamente aos primeiros semestres de 2020 e 2019, o número de horas extraordinárias já asseguradas este ano é bastante mais elevado: mais 22,3% e mais 42,7%, respetivamente. Ou seja, nos primeiros seis meses de 2020 registaram-se 8,1 milhões horas extra e em 2019 6,9 milhões.

O jornal diário cita uma análise levada a cabo pelo jornal Inevitável, que incidiu sobre as horas extras realizadas no primeiro semestre de 2019 e no primeiro semestre de 2022. A conclusão é clara: em nove hospitais verificou-se um aumento superior a 50%. Já a Unidade Local de Saúde do Litoral Alentejano (+99%) e o Centro Hospitalar do Oeste (+84) duplicaram o número de horas suplementares realizadas em relação a 2019.

Equipas de urgência geral em risco no Garcia de Orta

Na maior unidade de saúde do distrito de Setúbal, são vários os profissionais de saúde a entregar pedidos de escusa de responsabilidade pela falta de condições de trabalho. Entretanto, o Diário de Notícias (DN) dá conta de que 55 médicos do hospital Garcia de Orta estão também a recusar fazer mais de 150 horas extraordinárias nas urgências, que é o limite definido por lei.

As urgências de ginecologia-obstetrícia estão a funcionar com limitações desde junho, devido à falta de médicos. Mas este problema afeta também as escalas da urgência geral. Na semana passada, o CODU (Centro de Orientação de Doentes Urgentes) foi informado de que tinha de desviar as ambulâncias destinadas ao Hospital Garcia de Orta para as unidades de Lisboa. "Não havia médicos suficientes para garantir cuidados aos doentes graves. E é a única solução, porque senão eram os doentes que ficariam em risco", explicaram ao DN fontes hospitalares.

Só nos últimos dias, o Sindicato dos Médicos da Zona Sul (SMZS) recebeu 55 pedidos de médicos especialistas de Medicina Interna e de Cirurgia Geral e de internos de escusa a mais de 150 horas extraordinárias nas urgências. E estes "são as especialidades que asseguram as urgências presencialmente”, referiram as mesmas fontes.

À questão sobre quais serão as consequências desta decisão em pleno mês de agosto, a resposta foi "Sinceramente, não sabemos". De qualquer forma, "neste momento, os especialistas já asseguram um banco extra”, mas “com este número de pessoas a apresentar recusa a mais horas, provavelmente este vai deixar de ser assegurado". E alertaram: "Nos bancos normais já não somos suficientes, com mais pessoas a fazerem menos horas extras alguma coisa tem de ser eliminada".

Acresce que "a escala de urgência interna, que é assegurada por um médico que dá apoio a todos os doentes internados, também está comprometida, porque é totalmente garantida pela medicina interna". Ou seja, com estes pedidos de escusa, e "se mais médicos recusarem fazer horas extras, não haverá escala de urgência interna nem bancos ao domingo, que é o extra".

A realidade que se vive agora resulta do “arrastar de situações de há muito tempo”: “Na altura da pandemia, os profissionais deram tudo. Agora, estão exaustos. As urgências de medicina interna e de cirurgia só são asseguradas com muitas horas extras”, assinalaram.

Atualmente, "as urgências já são asseguradas sob grande pressão e, às vezes, sob grande risco”. “Aos doentes mais graves, que são logo detetados, até conseguimos dar resposta, mas o problema são os doentes triados com pulseiras amarelas ou verdes, que já têm queixas há algum tempo, que acabam por esperar 20 horas ou mais, como já aconteceu, e que, se calhar, estão ali a desenvolver alguma coisa grave. Estas são as situações complicadas e que podem passar despercebidas", descreveram.

Temos vindo a ouvir falar recorrentemente da problemática vivida ao nível do serviço de obstetrícia. Contudo, as falhas são sentidas noutras áreas: "A escala da Ortopedia é outro grande problema. Saíram quatro especialistas do serviço de uma vez só, muito recentemente, um dos quais assegurava mais de 50% das horas extras na urgência, e isso fez descambar a escala deste serviço”, apontaram.

“Quando não há o número mínimo de especialistas, o bloco do poli trauma fecha e não podemos receber doentes de acidentes de viação ou com quedas graves. E isto vai sobrecarregar outros hospitais. Imagine que Setúbal e o Barreiro também estão sem capacidade para receber estes doentes ou outros doentes urgentes e que estão a desviá-los também. A certa altura, os doentes não podem ser todos desviados para Lisboa e o que pode acontecer é não conseguirmos dar resposta à população, que não tem a mínima noção deste tipo de crise", continuaram.

O risco, esse, “é sempre para os doentes. Sobretudo para os que não são abordados em tempo útil".

Existem também problemas no que respeita à insuficiência de camas, o que leva a que não hajam vagas nos serviços.

Os profissionais lamentam que a administração do hospital não apoie os médicos dos quadros, não assuma que as equipas estão “desfalcadas” e não faça “mais pressão para quem está acima”. “Eles sabem que os problemas existem", frisam.

No seu entender, é preciso um grande investimento no Serviço Nacional de Saúde, designadamente nos cuidados primários. "É preciso que estes [hospitais] voltem a ser serviços com a função para as quais foram criadas, para casos urgentes, onde devem estar os melhores médicos, que saibam reconhecer que a situação é grave e como se deve agir, e não médicos desgastados ou indiferenciados".

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