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Professores da escola privada também marcham?

As licenciaturas ligadas à Educação são, há muito, desvalorizadas, sendo que chegámos ao ponto de não formarmos docentes em número suficiente. Quando tínhamos turmas inteiras a licenciarem-se a cada ano, as oportunidades que lhes oferecíamos eram compostas por instabilidade, incerteza e trabalho precário e muitos profissionais, esquivando-se aos contratos de escola, acabaram por assinar contratos em colégios privados. Há cerca de quinze anos, esses contratos afirmavam que o/a docente não poderia ser sindicalizado/a; o salário não correspondia à tabela estipulada; não recebiam subsídio de alimentação, pois o almoço era facultado na escola; e os tempos letivos, muitas vezes, excediam as vinte e duas horas. Professores e professoras lecionavam as suas aulas e acumulavam outras funções, tendo uma hora certa para entrar, mas nunca para sair. A má gestão de diversas escolas, por parte de administradores que não tinham qualquer ligação científica à Educação e que viam a sua instituição como uma máquina de fazer dinheiro, ameaçavam educadores e professoras:
– Tenho pilhas de currículos na minha mesa, se não querem trabalhar aqui, podem ir para o desemprego.
Esta realidade juntou-se à desvalorização da carreira docente, perpetrada por diversos ministérios: falharam na avaliação; afundaram os/as docentes em burocracias; permitiram que o modelo de contratação fosse pouco eficiente; mantiveram os profissionais fora da sua área de residência e sem quaisquer ajudas de custo; e exigiram que as aulas fossem dinâmicas, embora cobrassem por ciclos de formação (ministrados em aulas expositivas).
Talvez não seja de conhecimento geral que uma licenciatura pré-Bolonha, de quatro anos (em Línguas, Matemática, Biologia...), não chega para que uma pessoa se possa candidatar a uma escola pública, seria necessário mais um ano de vertente pedagógica e outro de estágio. Em 2015, no caso de muitos/as docentes que ensinavam há mais de cinco anos (sem essa componente pedagógica), foram obrigados/as fazer uma profissionalização em serviço, promovida pela universidade Aberta, enquanto os restantes tiveram de se matricular num mestrado via ensino, mesmo que já tivessem uma outra pós-graduação. Conclui-se, portanto, que os/as profissionais de educação estudam muito e auferem um ordenado que fica muito aquém das suas habilitações e do quanto investiram no seu percurso académico.
Voltemos à escola privada, supondo que são poucos os que se juntam às marchas e às greves distritais, pois, com receio de perder os seus professores e professoras, o colégio X passou, e muito bem, a pagar subsídio de alimentação e a oferecer um seguro de saúde, eventualmente, deu mais dias de férias, para compensar as horas extra e os horários desumanos – aulas, apoios, salas de estudo, preparação de exame, substituições, novos projetos, etc., o que asfixia o tempo de preparação de aulas. Desenganem-se, contudo, se pensam que o privado é superior ao público. Um colégio pode aceitar alunos/as que tenham melhores resultados, desenhando os seus próprios currículos (alguns demasiado experimentalistas) e não renovando a matrícula a quem mostrar indisciplina. No verso desta moeda, temos a falta de assistentes operacionais, insuficientes para prestar apoio às salas de aula e para garantir a segurança dos demais, fazendo com que docentes e não docentes acumulem funções e aparentem um semblante desgastado, escondido pelos balões coloridos, que marcam mais uma festa de final de ano letivo.
E faltam docentes no ensino privado? Claro que sim, mas escondem-no melhor e a forma de contratação é mais direta, aceitando-se, facilmente, pessoas sem as habilitações necessárias para lecionar – aquelas que têm uma «paixão» pela educação, muitas vezes uma paixão narcisista, que corresponde ao facto de desejarem ouvir a sua voz a ecoar por uma sala. Esta é a diferença entre egoísmo e altruísmo, pois o que leva toda a comunidade escolar à rua, é a vontade destacada de querer salvar o ensino público e continuar a receber, sem exceção, qualquer discente na escola. Porém, como em tudo, há quem lute e há quem acate.
Márcia Lima Soares - Professora
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