Para o efeito, socorremo-nos, com algumas adaptações, dos dados fornecidos por um vasto conjunto de inquéritos, desta vez levado a efeito pelo instituto de sondagens Ifop-Fiducial, na véspera e no dia das eleições.
Como já todos sabemos, Emmanuel Macron (do movimento centrista En Marche!, por si criado) venceu claramente Marine Le Pen (líder da Frente Nacional, da extrema-direita). O candidato liberal obteve 66,1% dos votos expressos contra 33,9% da sua adversária, uma vantagem que se consolidou nos últimos dias da campanha e que acabou por ser superior ao que se esperava. Porém, confirmou-se que 34,0% dos eleitores não optaram por qualquer um dos candidatos. (25,4% abstiveram-se e 8,6% votaram em branco ou anularam o voto, o que significa que, relativamente aos boletins entrados nas urnas, 11,5% corresponderam a votos brancos e nulos). Relativamente à 1ª volta, o primeiro tinha obtido 24,0% dos sufrágios e a segunda 21,3%. Por seu turno, a abstenção ficara-se pelos 22,2% dos eleitores e os brancos e nulos pelos 2,0% (2,6% dos que votaram).
Uma primeira questão é saber como foi feita a transferência dos votos dos nove candidatos eliminados na 1ª para os dois que se qualificaram para a ronda decisiva. Tais valores encontram-se nos quadros que aqui apresentamos, o primeiro com a taxa de penetração dos eleitorados de cada um dos candidatos eliminados nos dos dois qualificados e o segundo com a composição percentual de cada um deles em função da mesma variável.
Relativamente aos dois contendores, há uma pequena diferença que, apesar de tudo, é significativa da vantagem decisiva de Macron na 2ª volta. Assim, enquanto que Macron conserva, praticamente, a totalidade dos seus eleitores do 1º turno, com fugas residuais para as outras opções de voto, Le Pen perde 9% deles: 2% para o seu adversário e 7% para a abstenção, brancos ou nulos. O que mostra, como veremos adiante, que a má campanha na 2ª volta, em especial a sua fraca prestação no debate final, foi fatal para a sua candidatura, contribuindo para a desmobilização do seu próprio campo.
Apesar do misto de histeria e de hipocrisia com que alguns dirigentes e comentadores do “centrão” atacaram o candidato da esquerda, Jean-Luc Mélenchon, a verdade é que 56% dos seus eleitores votaram em Macron, 12% em Le Pen e 32% em nenhum
Considerando as opções dos eleitores dos candidatos eliminados, foi entre os do socialista Benoît Hamon que a opção foi mais clara: 81% optaram por Macron, apenas 3% por Le Pen e 16% por nenhum. Nada de estranhar, atendendo a que o candidato eliminado dera clara indicação de voto na 2ª volta e que o agora presidente fora ministro num governo do PS.
Apesar do misto de histeria e de hipocrisia com que alguns dirigentes e comentadores do “centrão” atacaram o candidato da esquerda, Jean-Luc Mélenchon, preparando-se para o responsabilizar por uma eventual vitória da extrema-direita por não ter dado o seu apoio pessoal ao ex-ministro de Hollande para barrar a líder da FN, a verdade é que 56% dos seus eleitores votaram em Macron, 12% em Le Pen e 32% em nenhum.
Ao invés, entre os eleitores do conservador François Fillon a divisão foi maior. Apesar do apoio imediato deste ao candidato centrista, só 51% apoiaram Macron, enquanto Le Pen colheu o apoio de 22% e os restantes 27% não optaram por qualquer candidato.
Ainda mais divididos se mostraram os eleitores de Dupont-Aignan, da direita nacionalista, que deu indicação de voto em Le Pen. Apesar disso, só 44% votaram na líder da FN, enquanto 25% apoiaram Macron e 31% nenhum.
Relativamente os outros concorrentes eliminados no 1º turno, não há dados fiáveis, mas, tendo em conta os resultados finais e a composição dos respetivos eleitorados, em especial ao nível partidário, julgo possível estimar, com razoável aproximação, as respetivas transferências de voto.
Assim, na extrema-esquerda, tudo indica que cerca de 50% dos eleitores de Poutou e Arthaud não terão apoiado qualquer candidato. Dos restantes, 40% optaram Macron e 10% por Le Pen.
Por seu turno, 46% dos que votantes de Lassalle não optaram por nenhum, 44% apoiaram Macron e só 15% seguiram Le Pen. Entre os votantes de Asselineau, pouco mais de metade (52%) absteve-se ou votou branco ou nulo e os restantes dividiram-se em partes quase iguais pelos dois concorrentes: 23% para Macron e 25% para Le Pen. Sobram os poucos eleitores de Cheminade, cuja distribuição é quase irrelevante no desfecho final: vamos admitir que 55% votaram em Macron, 10% em Le Pen e os restantes 35% não apoiaram ninguém.
Um dado que explica a grande vantagem de Macron é o facto de ter conseguido mobilizar 15% de abstencionistas ou votantes em branco ou nulo do 1º turno contra apenas 1% de Le Pen.
Contudo, se analisarmos a composição dos eleitorados dos dois candidatos na 2ª volta, verificamos que o de Macron é constituído, relativamente à opção tomada na 1ª volta, por 40% de votantes no próprio candidato, mais 19% de Mélenchon, perto de 18% de Fillon, 9% de Hamon, mais de 8% de brancos, nulos e abstencionistas e cerca de 8% dos outros candidatos. Ou seja, os eleitores de esquerda deram um contributo essencial à derrota da candidata da extrema-direita, ao contrário do que se viu, ouviu e leu por aí.
Já o de Le Pen conta com mais de 65% de eleitores que por ela optaram no 1º turno, a que se juntam cerca de 15% de Fillon, menos de 8% de Mélenchon, 7% de Dupont-Aignan, 4% de outros candidatos e apenas 1% daqueles que não votaram ou o fizeram em branco ou nulo. Ou seja, a maioria do alargamento do seu eleitorado foi feita, em grande parte, a expensas de eleitores da direita clássica e não da esquerda, como alguns comentadores pretenderam fazer crer.
Por sua vez, dos que optaram por não optar por qualquer candidato, verificamos que cerca de 60% já tinham feito o mesmo na 1ª volta. A estes, há que somar, sem surpresa, 14% de votantes em Mélenchon e 12% em Fillon, mais de 3% em Dupont-Aignan e de 2% em Hamon. De forma mais inesperada, também mais de 3% dos que haviam votado em Le Pen abstiveram-se ou votaram em branco ou nulo. Os restantes 5% provieram dos restantes candidatos eliminados.
Considerando, agora, a taxa de penetração dos dois candidatos nos que se dirigiram às urnas na 2ª volta no eleitorado dos diferentes partidos, verificamos que Macron obteve o apoio de 98% no seu movimento EnMarche! (o que é óbvio), 96% do PS, 94% do EELV (ecologista), 89% da UDI (centro-direita), 88% do MoDem (centro) e, ainda, 83% da FG (esquerda) e 82% dos do NPA e da LO (ambos de extrema-esquerda). Contudo, ficou-se pelos 72% entre os dos Les Républicans (direita). Conseguiu, ainda, o voto de 65% de eleitores sem partido, ou seja, uma percentagem muito próxima do seu resultado final. Por sua vez, Marine Le Pen teve a maioria nos eleitores do seu próprio partido, a FN (extrema-direita) e do DLF (direita nacionalista), colhendo o favor de 97% e 89% destes, respetivamente.
Se considerarmos os abstencionistas (não possuo dados para os brancos e nulos), vemos que a sua percentagem é maior entre os eleitores do NPA e LO (52%), da FG (38%) e de EELV, LR, MoDem e DLF (ambos entre os 26 e os 28%). É menor entre os da UDI (15%), PS (13%) e, logicamente, da FN (onde, apesar de tudo, atinge os 8%) e do EM! (1%). Dos eleitores sem partido, 40% não se dirigiram às urnas.
Do ponto de vista sociológico, nada de muito diferente da 1ª volta. 83% dos votantes de classe alta apoiaram Macron; já nos das classes baixas, o candidato centrista logrou apenas 55% dos votos
Do ponto de vista sociológico, nada de muito diferente da 1ª volta. Para a nossa análise, colocaremos apenas as percentagens do vencedor; para as da vencida é só fazer as contas, como diria o outro! Assim, 83% dos votantes de classe alta apoiaram Macron; já nos das classes baixas, o candidato centrista logrou apenas 55% dos votos. Por sua vez, as pessoas com formação pós-licenciatura optaram massivamente por ele (83%), tal como os estudantes (76%) e os licenciados (68%), mas dos que apenas possuem a escolaridade básica apenas 54% o escolheram. Profissionalmente, o novo presidente teve o apoio esmagador dos quadros técnicos superiores (81%), dos reformados (74%), das profissões intermédias (72%) e dos trabalhadores independentes (67%). Em contrapartida, só garantiu o voto de 53% dos empregados do setor terciário e foi minoritário entre os operários (40% para ele e 60% para a candidata da extrema-direita). Relativamente ao estatuto profissional, os maiores apoios ao candidato vencedor vieram dos patrões e dos funcionários públicos (66% em ambos os grupos), quedando-se a penetração entre os trabalhadores do privado pelos 60%. Entre os desempregados, há um empate técnico (49% para Macron e 51% para Le Pen). Quanto ao género, a percentagem do eleitorado feminino que votou no primeiro (67%) é ligeiramente superior à do eleitorado masculino (64%).
Relativamente à idade, foi entre os mais idosos e os mais jovens que o candidato vencedor triunfou claramente, conseguindo o apoio de 76% dos maiores de 65 anos e de 67% dos menores de 25 e do grupo entre os 50 e os 64. Contudo, suscitou menor adesão entre os adultos jovens (entre os 25 e os 34) e maduros (dos 35 aos 49), onde só levou 61 e 58% dos votos, respetivamente, algo que está em linha com o sucedido na 1ª volta: também aí, foi nesses grupos etários que Le Pen mais penetrou. No que respeita à religião, Macron arrasou, como se esperava, entre os muçulmanos (teve 92% dos votantes dessa crença) e teve uma vitória clara entre os laicos, os católicos praticantes regulares (70% de ambos) e os protestantes (67%), mas só obteve o voto de 54% dos católicos praticantes ocasionais e de 61% dos não praticantes.
Sobre os abstencionistas, verificamos que a maioria deles é proveniente das classes baixas e médias-baixas (31%); ao invés, só 14% dos eleitores das classes altas e 22% dos das médias-altas e médias não foram às urnas. Em termos de habilitações, os que possuem o ensino secundário completo e os estudantes foram os que mais se abstiveram (29% e 28%, respetivamente) e os pós-licenciados os que mais votaram (apenas 22% não o fizeram). Profissionalmente, tocou mais as profissões intermédias (28%) e menos os quadros superiores (18%). Relativamente ao estatuto profissional, foram os desempregados os que menos acorreram às urnas, com 41% a optarem pela abstenção, o que não surpreende; a longa distância, temos os funcionários públicos (27%), enquanto que, dos trabalhadores do setor privado, só 20% não foram votar. Em termos de género, as mulheres abstiveram-se um pouco mais que os homens (26% contra 24%). Quanto à idade, e como é habitual, foi entre os mais jovens que ocorreram os maiores níveis de abstenção: 33% entre os 18 e os 34 anos não votaram contra apenas 22% entre os maiores de 35. Por religião, ela foi maior entre os muçulmanos (38%) e laicos (27%) e menor entre os católicos praticantes (20%). Finalmente, verificamos que foi maior nas cidades (26%) que nas áreas rurais (22%).
Geograficamente, Macron venceu em todas as regiões do país, apenas tendo perdido em dois departamentos dos Altos de França
Geograficamente, Macron venceu em todas as regiões do país, apenas tendo perdido em dois departamentos dos Altos de França. Na denominada França Metropolitana, as votações mais altas ocorreram, como já era esperado, nas cinco regiões em que já fora o mais votado na 1ª voltada: a região de Paris (Île-de-France), as três do Oeste (Bretanha, País do Loire e Nova Aquitânia) e, no centro-Leste, a de Auvergne e Ródano-Alpes, onde se situa a metrópole de Lyon. Em contrapartida, ficou pouco acima dos 50% na Córsega e nos Altos de França e teve, igualmente, resultados mais fracos no sueste (região da Provença-Alpes-Côte d’Azur) e no Grande Este, o que não surpreende, pois fora também aí que Marine Le Pen tinha tido as melhores votações no 1º turno. Nas regiões e territórios ultramarinos, arrasou no pequeno arquipélago de Wallis e Futuna, no Pacífico, e nas regiões caribenhas da Martinica e de Guadalupe. Ao invés, a sua vitória mais apertada ocorreu na Nova Caledónia (Pacífico). Por fim, nos franceses residentes no exterior, obteve um triunfo esmagador, quase com 90% dos votos válidos. Tal como na 1ª volta, há uma diferença entre meios rurais e urbanos: o candidato centrista vence, claramente, nas cidades (em especial, nas áreas habitadas pelas classes altas e médias) mas a margem de vitória reduz-se bastante nos campos.
a opção por nenhum dos candidatos cresceu em toda a França Metropolitana, variando esse crescimento entre os 9,5% nos Altos de França (no Nordeste) e os 12,3% na Occitânia (no Sul)
Por seu turno, a opção por nenhum dos candidatos cresceu em toda a França Metropolitana, variando esse crescimento entre os 9,5% nos Altos de França (no Nordeste) e os 12,3% na Occitânia (no Sul). No que respeita à sua distribuição, tende a ser mais elevada nas regiões onde Marine Le Pen se aguenta melhor, algo que é lógico, tendo em conta que ambos correspondem a votos de protesto e que essas áreas são, em geral, zonas economicamente deprimidas. Relativamente ao turno anterior, tal como acontecera na 1ª volta, a Córsega foi a região metropolitana onde esse fenómeno atingiu maior amplitude, com 44,1% dos eleitores a não votar ou a fazê-lo em branco ou nulo. Constitui um caso especial, que se deve, em parte, ao peso dos independentistas. E, como a maioria destes é de esquerda e não votou, foi aí que a candidata da extrema-direita ficou mais perto de triunfar. Nas outras regiões continentais, apesar do que escrevemos acima, as diferenças não foram muitas, mas a percentagem de pessoas que não votaram em nenhum dos candidatos reduz-se muito no Noroeste (Bretanha e País do Loire). No resto do país, variou entre os 32,5% (na região parisiense e no Auvergne-Ródano-Alpes) e os 33,9% (na PACA). Nas regiões e territórios ultramarinos, voltou a ser elevada, mas, ao contrário do que sucedeu na Europa, em todos decresceu relativamente à 1ª volta.
Analisemos, agora, a distribuição geográfica das transferências de voto entre as duas voltas.
Assim, foi nas regiões mais rurais, católicas e conservadoras do Oeste (Bretanha, País do Loire e Nova Aquitânia) e nas mais ricas (área metropolitana de Paris e Auvergne-Ródano-Alpes, onde se situa a metrópole lionesa) que os eleitores de Fillon mais seguiram a indicação de voto do seu candidato em Macron. Ao invés, no sueste (Córsega, PACA e Occitânia), onde o eleitorado conservador se identifica em muito com o discurso de Le Pen, e na região industrial deprimida dos Altos de França (no Nordeste) as transferências para a líder da FN foram maiores que a média nacional.
Curiosamente, foi nas mesmas cinco regiões que os eleitores de Mélenchon mais votaram em Macron na 2ª volta, com destaque para as áreas periféricas mais pobres, habitadas por minorias étnicas e por eleitores muçulmanos. Assim, na metrópole parisiense, 63% apoiaram o candidato liberal contra os 56% da média nacional e apenas 7% deu o seu voto a Le Pen. No Oeste, onde a situação económica é um pouco melhor, funcionou mais o reflexo antifascista do eleitorado da esquerda. Em contrapartida, foi nos Altos de França, onde o desemprego é muito elevado, que menos de metade dos seus votantes votou no novo presidente, tendo cerca de 20% optado pela candidata da extrema-direita, muito acima dos 12% ao nível nacional. Algo sem paralelo no resto do país.
Do eleitorado de Hamon, poucas diferenças se verificam no que concerne à sua distribuição territorial, talvez com exceção da Córsega (onde o apoio de alguns dos seus votantes a Le Pen foi ligeiramente maior que a média) e dos Altos de França (onde foi maior a percentagem dos que se abstiveram, votaram em branco ou nulo que no conjunto do território nacional).
Por fim, foi na Córsega e dos Altos de França e, também, nas regiões do Centro-Leste, onde teve melhores resultados na 1ª volta (Borgonha-Franco-Condado, Grande Este) que o eleitorado de Dupont-Aignan mais seguiu a indicação de voto em Le Pen, dada pelo seu candidato. Pelo contrário, na Île-de-France, apenas 37% terão votado nela, contra os 44% a nível nacional.
Dois aspetos essenciais para compreender os resultados da 2ª volta são o tempo de decisão da opção eleitoral e as motivações do voto e da abstenção.
No que se refere ao primeiro, enquanto 74% dos eleitores de Le Pen já tinham o sentido de voto definido há muito, tal só aconteceu em 58% dos de Macron. Assim, 29% dos que optaram por este último fizeram-no entre as duas voltas da eleição, algo que apenas ocorreu com 13% dos da primeira. Curiosamente, esta última percentagem é igual para ambos os candidatos no que refere às pessoas que se decidiram no último momento.
Por outro lado, se 90% dos que votaram nos dois finalistas na 1ª volta já tinham, com alguma lógica, a sua opção definida para o 2º turno, nos restantes eleitorados tal esteve muito longe de se verificar. Apenas cerca de metade dos votantes em Hamon, 43% dos de Dupont-Aignan, 40% de Mélenchon e pouco mais de 30% de Fillon já tinha a decisão tomada. Quase metade dos eleitores deste último só se decidiram entre as duas voltas, o mesmo sucedendo com 40% dos de Mélenchon, 37% de Hamon e 23% de Dupont-Aignan. E um terço dos que apoiaram este último só se decidiu no último momento, contra um quinto dos de Fillon e de Mélenchon e 14% dos de Hamon.
Estes dados mostram que a vantagem do presidente eleito se solidificou na campanha para a 2ª volta. E, para o efeito, o debate com a sua adversária, do qual saiu claramente vencedor, teve um papel fundamental, embora menos do que se tem tentado fazer passar. De acordo com a nossa fonte, este fez 27% dos eleitores mudar de opinião: 10% a favor de Macron, 6% de Le Pen e 11% da abstenção, branco ou nulo. Os que tinham votado Fillon foram os mais influenciados: 39% “viraram”, dos quais 14% a favor do candidato liberal, 5% da líder da FN e 20% para recusar os dois. Mas também teve grande influência no de Mélenchon: 31% alterou a sua posição, sendo 12% a favor do novo presidente, 16% da rejeição de ambos e apenas 3% para o lado da candidata da extrema-direita. Curiosamente, influenciou a mesma percentagem de apoiantes de Hamon, com 10% a decidirem-se por Macron, 20% por nenhum, restando 1% para Le Pen. Nos de Dupont-Aignan, os que mudaram de posição foram 29%, com 8% para um e outro dos contendores e 13% para nenhum deles. Um dado que também explica o desfecho e que coincide com os dados sobre as transferências de voto é o facto de 9% daqueles que votaram em Le Pen terem abandonado a candidata após o debate: 2% para Macron e 7% para a abstenção, brancos e nulos. Ao invés, apenas 2% dos que votaram no vencedor se passaram para outras opções: 1% para a derrotada e 1% para nenhum. Algo que é, igualmente, coerente com o facto de 95% dos votantes em Macron acharem que o seu candidato fez a melhor campanha na 2ª volta, algo que só 83% dos que optaram por Le Pen pensam sobre a sua candidata. Ou seja, há 17% que admite que o seu adversário esteve melhor, o que é bastante significativo.
Sobre as motivações do voto no 2º turno, enquanto 64% dos que optaram pela candidata da extrema-direita o fizeram com o intuito de a eleger, 57% dos votantes de Macron justificam a sua opção com a necessidade de evitar a eleição da sua opositora. Foi nos eleitorados de Mélenchon e de Hamon que se decidiram a favor do novo presidente que a última foi a motivação essencial, partilhada por 86% dos do primeiro e 83% dos do segundo, mas também foi amplamente maioritária no de Fillon, com 76% dos seus apoiantes a afirmar essa justificação. E, mesmo entre os que já tinham votado em Macron, um terço disse tê-lo feito por essa razão e não por querer elegê-lo. Já entre os que apoiaram a candidata da FN, 80% dos seus eleitores da 1ª volta disse querer elegê-la, enquanto que os votantes que ela conquistou noutros eleitorados queriam evitar, em primeiro lugar, a eleição de Macron: 79% dos de Fillon, 64% dos de Mélenchon e 59% dos de Dupont-Aignan.
Um dado significativo relaciona-se com as motivações dos abstencionistas: 45% justificam a sua abstenção na 2ª volta com o facto de nenhum dos candidatos representar as suas ideias (contra apenas 10% no 1º turno), quase um quinto por descontentamento com os partidos e com as instituições (na 1ª volta, quase metade dos que não foram às urnas deram essa justificação) e cerca de 10% por não acreditar que as eleições mudem a sua situação pessoal e profissional (27% dos não votantes em abril). A primeira justificação é aduzida por quase dois terços de eleitores de Mélenchon e de Hamon e por cerca de 60% dos de Fillon. Já a segunda é mais frequente entre os que haviam votado neste último (mais de um quinto), em Hamon (18%) e em Mélenchon (15%). Curiosamente, perto de 30% dos votantes de Le Pen na 1ª volta que ficaram em casa na 2ª justificaram a sua opção com a terceira, o que prova que a FN “pesca” bastante entre os pessimistas e os que não acreditam no “sistema”.
Por fim, a avaliação que os eleitores fazem da globalização pesou, em muito, no seu voto. Considerando que 16% dos franceses se consideram beneficiários daquela, 43% vítimas e 41% nem uma coisa nem outra, verificamos que o voto em Macron é composto por 27% dos primeiros, 20% dos segundos e 53% dos terceiros; já na composição do de Le Pen entram 74% de eleitores que se consideram prejudicados pela globalização contra apenas 7% dos que julgam dela beneficiar e 17% dos restantes.
Em resumo, que conclusões podemos tirar?
1. Macron venceu, claramente, a eleição, mas “por defeito”, ou seja, a maioria dos que nele votaram fizeram-no, não por adesão às suas propostas, mas por rejeição da sua adversária.
2. Ao contrário do que vaticinavam alguns comentadores do “centrão” e da direita, foram os eleitores da esquerda, em especial os apoiantes de Mélenchon, que mais permitiram o alargamento do eleitorado do novo presidente entre as duas voltas; ao contrário, foi entre os da direita clássica, em especial nos votantes de Fillon, que Marine Le Pen mais logrou esse alargamento.
3. Embora bastante mais enfraquecido que em 2002, quando Chirac esmagou o pai Le Pen na 2ª volta, o velho reflexo antifascista ainda funcionou em parte, o que explica o voto de um grande número de eleitores de esquerda, que, mais uma vez, lá “engoliram o sapo” e, na última semana, se mobilizaram para votar contra a extrema-direita, contribuindo para que a margem do triunfo do candidato centrista fosse um pouco maior do que as sondagens previam.
4. Apesar de derrotada, a líder da FN teve um bom resultado, obtendo mais de um terço dos votos válidos, quase dobrando a percentagem do seu pai, há 15 anos atrás. Contudo, ficou aquém das expectativas, já que algumas sondagens previam que pudesse chegar aos 40% ou muito próximo desse patamar. Esse fracasso relativo deve-se muito ao facto de a sua estratégia de tentar conquistar o eleitorado da esquerda ter falhado quase por completo.
5. O enorme crescimento da percentagem de abstenções, votos brancos e nulos mostra que, apesar do que escrevemos acima, houve uma parte significativa de eleitores, principalmente à esquerda, mas também à direita, que se recusou a optar por qualquer um dos candidatos, que considerava imprestáveis. Um descontentamento sério com o “sistema”, que, no futuro, poderá beneficiar a extrema-direita.
6. Existe, em França, uma clara fratura social. Assim, Macron beneficiou dos favores dos mais ricos, mais instruídos, mais bem-sucedidos profissionalmente, na sua maioria urbanos, que se julgam beneficiados com a globalização. Pelo contrário, Le Pen teve a adesão dos mais pobres, menos escolarizados, com profissões menos qualificadas (em especial, entre os operários) ou desempregados, na maior parte residentes em áreas rurais ou industriais deprimidas e em pequenas cidades da “província”, que se consideram vítimas da globalização neoliberal. Não por acaso, os que não optaram por nenhum dos dois têm, sociologicamente, semelhanças com o eleitorado lepenista. Valeu a candidatura de Mélenchon para evitar que essa grande massa de excluídos se virasse, em massa, para a extrema-direita.
7. Essa fratura social tem clara expressão territorial. São as regiões mais ricas (Île-de-France e Auvergne-Ródano-Alpes) e as regiões rurais mais prósperas do oeste (Bretanha, País do Loire e Nova Aquitânia), com menores índices de desemprego, aquelas onde o discurso racista e xenófobo da FN menos penetra e, portanto, foi onde Macron obteve os maiores resultados, tanto na 1ª como na 2ª volta das presidenciais; o contrário sucede nas regiões industriais e mineiras do Nordeste, outrora prósperas e atualmente deprimidas (em especial, nos Altos de França e, em menor grau, no Grande Este) mas também no sul mediterrânico (PACA, Córsega e, mesmo, Occitânia), áreas rurais menos prósperas e onde há maiores pressões imigratórias.
8. Mesmo se não teve a importância que alguns lhe atribuíram, a verdade é que o debate com Macron foi fatal para Le Pen, já que, a partir daí, a sua campanha se desmoronou. Mostrando-se demasiado agressiva, permitiu que o candidato centrista lhe fizesse “cair a máscara da desdiabolização”, uma estratégia que vinha levando a efeito com alguma eficácia. Alguns camaradas defendem que não se deve debater com a extrema-direita para não a legitimar e naturalizar: em Portugal, onde aquela, felizmente, quase não tem expressão, plenamente de acordo. Mas, quando o “vírus” já está demasiado infiltrado na sociedade, como sucede em França, talvez mais valha sujeitá-la ao contraditório, até porque as suas ideias, populistas e demagógicas, são vulneráveis a uma boa argumentação, como se provou neste caso concreto. Em todo o caso, há que notar que, mais que ajudar o vencedor, o tom do debate terá potenciado, tanto em termos absolutos como relativos, a abstenção, os brancos e os nulos.
Terminadas as presidenciais, segue-se a batalha das legislativas, que se realizarão em 11 e 18 de junho (1ª e 2ª volta, respetivamente). Cá estaremos para fazer a respetiva cobertura.
Artigo de Jorge Martins para esquerda.net