Presidenciais francesas (1ª volta): os resultados esmiuçados

03 de maio 2017 - 15:15
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Fazemos aqui uma análise dos resultados obtidos pelos vários candidatos na 1ª volta das eleições presidenciais francesas, não apenas ao nível político, mas também sociológico e geográfico. Artigo de Jorge Martins.

Resultados na primeira volta, por departamento: Amarelo – Emmanuel Macron, Cinzento – Marine Le Pen, Azul – François Fillon, Vermelho – Jean-Luc Mélenchon - Imagem da wikipedia
Resultados na primeira volta, por departamento: Amarelo – Emmanuel Macron, Cinzento – Marine Le Pen, Azul – François Fillon, Vermelho – Jean-Luc Mélenchon - Imagem da wikipedia

Já muito se falou e escreveu sobre a 1ª volta das eleições presidenciais francesas, que tiveram lugar no domingo passado. Sendo certo que, nas próximas semanas, o tema continuará a fazer parte da atualidade política internacional, vamos agora fazer uma análise dos resultados obtidos pelos vários candidatos, não apenas ao nível político, mas também sociológico e geográfico. Para o efeito, socorremo-nos de um vasto conjunto de inquéritos, levado a efeito pelo instituto de sondagens Ipsos, nas vésperas e no dia das eleições.

Convém recordar que, dos 11 candidatos em presença, seis já tinham disputado as presidenciais de 2012. Foram eles Marine Le Pen (FN, extrema-direita), Jean-Luc Mélenchon (FI, então FG, esquerda), Nicolas Dupont-Aignan (DLF, direita nacionalista), Philippe Poutou (NPA, esquerda radical), Natalie Arthaud (LO, extrema-esquerda) e Jacques Cheminade (S&P, indefinido). Os outros concorrentes de então foram o atual presidente François Hollande (PS, centro-esquerda), o ex-presidente Nicolas Sarkozy (LR, então UMP, direita), François Bayrou (MoDem, centro) e Eva Joly (EELV, ecologista).

Hollande, o mais impopular presidente da 5ª República, tomou a decisão de não se candidatar - Foto PSFrance/flickr
Hollande, o mais impopular presidente da 5ª República, tomou a decisão de não se candidatar - Foto PSFrance/flickr

Hollande, o mais impopular presidente da 5ª República, tomou a decisão de não se candidatar, pelo que o eleito do PS nas primárias foi Benoît Hamon, da ala esquerda do PS. Já as primárias da EELV deram a vitória a Yannick Jadot, mas este, muito mal cotado nas sondagens, retirou a sua candidatura em favor do candidato socialista. À direita, Sarkozy foi afastado da corrida logo na 1ª volta das primárias do LR, posteriormente ganhas por François Fillon, da ala direita dos republicanos. Ao centro, face à dinâmica ganha pela candidatura de Emmanuel Macron, ex-ministro da Economia de Hollande e Valls, que fundara o movimento En Marche! para apoiar a sua marcha até ao Eliseu, Bayrou, após alguma hesitação, optou por não concorrer e garantir-lhe o seu apoio e o do seu partido. Quem não concordou foi o deputado Jean Lassalle, que abandonou o MoDem e se candidatou em nome de um novo movimento por si fundado, de caráter ruralista, que designou por Résistons!. Por fim, e algo inesperadamente, surgiu um novo candidato, François Asselineau, da UPR, uma pequena formação de direita nacionalista, que se reclama da verdadeira tradição gaullista.

Como já todos sabemos, Emmanuel Macron e Marine Le Pen, foram os dois mais votados e disputarão a 2ª volta no próximo dia 7 de maio.

Emmanuel Macron - Foto Ville de Nevers/flickr
Emmanuel Macron - Foto Ville de Nevers/flickr

O primeiro obteve 24,0% dos votos. Relativamente a 2012, foi buscar quase metade dos eleitores de Hollande e de Bayrou, bastantes de Sarkozy e ainda alguns de Mélanchon. Do ponto de vista partidário, para além dos apoiantes do EM! foi o que obteve mais votos de votantes no MoDem (46% destes) e do PS (42%). Ainda conseguiu convencer mais de um terço dos da UDI, formação de centro-direita habitualmente aliada aos republicanos e quase um quinto da EELV e dos sem partido.

Do ponto de vista sociológico, os seus eleitores são, em geral, de classe alta e média alta, licenciados, com frequência universitária e estudantes, verificando-se que a sua votação é diretamente proporcional ao rendimento e às habilitações académicas dos votantes. Profissionalmente, a sua implantação é bastante forte entre os quadros superiores e forte nas profissões intermédias, mas reduz-se entre os trabalhadores independentes e os empregados do setor terciário e mais ainda entre o operariado. Tem, porém, forte apoio entre os reformados, embora não seja o preferido destes. Relativamente ao estatuto profissional, suscita ligeiramente mais adesão entre os gestores e os trabalhadores do setor público que entre os do privado. Em contrapartida, goza de pouca simpatia entre os desempregados. Quanto ao género, regista uma pequena preponderância do eleitorado masculino e, relativamente à idade, não há grande contraste, mas o apoio ao candidato aumenta a partir dos 50 anos e é um pouco mais elevado entre os mais idosos (acima dos 65). No que respeita à religião, é o preferido dos protestantes e recebe mais votos entre os eleitores laicos e muçulmanos e menos entre os católicos praticantes.

Geograficamente, venceu apenas em cinco das treze regiões da França Metropolitana: as três do Oeste (Bretanha, País do Loire e Nova Aquitânia), na região de Paris (a Île-de-France) e no centro-Leste (Auvergne e Ródano-Alpes). Foi aí que obteve os melhores resultados, em especial nas regiões bretã e parisiense. Ganhou, ainda, na região ultramarina da Guadalupe, nas Caraíbas, e em Wallis e Futuna, pequeno território insular do Pacífico. Em contrapartida, teve maus resultados na Córsega, no Sudeste (região da Provença-Alpes-Côte d’Azur) e no nordeste do país (Altos de França e Grande Este). Venceu, ainda, claramente, entre os franceses residentes no estrangeiro. O seu eleitorado é, essencialmente urbano, sendo maior nas grandes e médias cidades (com mais de 20 mil habitantes), em especial nas periferias ricas e nos bairros de classe média e alta, e menor nos subúrbios pobres e nas áreas rurais.

Marine Le Pen, 2016 -  European Parliament/flickr
Marine Le Pen, 2016 -  European Parliament/flickr

Por seu turno, a candidata da extrema-direita conseguiu 21,3% dos votos, uma subida face aos 17,9% de 2012. Além de 85% dos seus votantes de então, foi ainda buscar bastantes de Sarkozy e alguns (poucos) de Hollande, o que explica a sua subida. Sem surpresa, a esmagadora maioria do seu eleitorado é simpatizante da FN, mas consegue o apoio de uma percentagem importante de pessoas sem filiação partidária (21%) e uma pequena parte de apoiantes dos LR. O mais surpreendente é o apoio que confessam ter-lhe dado 14% dos eleitores de pequenas formações da extrema-esquerda (NPA, LO e outras). Será a ideia do “quanto pior, melhor”?

Sociologicamente, o seu eleitorado é o oposto do de Macron. Assim, a maioria dos seus votantes é de classe baixa e média baixa, tendo apenas a escolaridade básica ou, em menor grau, concluído o secundário. Ao invés, é extremamente impopular entre os licenciados e os estudantes. Ou seja, a sua votação é inversamente proporcional ao rendimento e às habilitações académicas dos eleitores. No que se refere aos grupos profissionais, a sua implantação é maior entre os operários (quase 40% deles votaram nela) e os empregados do setor terciário (30%). Suscita menor adesão entre os trabalhadores independentes, as profissões intermédias, os reformados e, especialmente, entre os quadros superiores. Quanto à situação perante o emprego, tem maior apoio entre os trabalhadores por conta de outrem (em especial, do setor privado) e os desempregados e menor entre os gestores e dirigentes. Ao contrário do que se poderia pensar, a sua implantação entre os desempregados está em linha com a média nacional. Em termos de género, o seu eleitorado é maioritariamente masculino e, do ponto de vista etário, é a preferida dos eleitores adultos (dos 25 aos 49 anos) e regista a menor adesão entre os mais idosos (maiores de 65 anos). Talvez porque ainda tenham presente a memória da ocupação e de Vichy…. Aqui, a religião joga um papel mais importante: a maioria dos seus apoiantes são católicos não praticantes ou pessoas sem religião; suscita menos simpatia nos católicos praticantes e, como seria de esperar, dada a sua islamofobia, é rejeitada pelos muçulmanos (mesmo assim, ainda recebeu o voto de 5% destes!...).

Também a distribuição geográfica do voto lepenista é simétrica da do seu adversário na 2ª volta. Marine Le Pen venceu em oito regiões da França Metropolitana, em especial no Norte (Normandia), nordeste (Altos de França e Grande Este), centro (Centro-Vale do Loire), parte do centro-Leste (Borgonha-Franco Condado), no Sul (Occitânia), no Sudeste (Provença-Alpes-Côte d’Azur) e na Córsega. Os seus melhores resultados ocorreram nos Altos de França, na PACA, na Córsega e no Grande Este. Apesar de não ter vencido em nenhuma região ou território ultramarino, obteve resultados acima da média nos territórios da Polinésia francesa e na Nova Caledónia (no Pacífico), bem como nas regiões insulares de Mayotte e Reunião (no Índico) e na Guiana (na América do Sul). O seu “calcanhar de Aquiles” é a região parisiense e o Oeste (Bretanha, País do Loire e Nova Aquitânia). Sem surpresa, teve muito poucos votos entre os franceses residentes no exterior. O seu eleitorado reside, principalmente, nas áreas rurais e nas pequenas cidades, bem como em algumas periferias pobres das maiores aglomerações. Em contrapartida, tem o menor apoio nos bairros de classe media e alta e nos subúrbios ricos dos centros urbanos.

François Fillon
François Fillon

Dos candidatos eliminados na 1ª volta, o conservador François Fillon foi o terceiro mais votado, com 20,0% dos sufrágios. Em relação a 2012, apenas conseguiu segurar 59% dos eleitores de Sarkozy. Esse facto explica o porquê de ter ficado longe dos 27,2% então obtidos pelo ex-presidente na 1ª volta. Valeu-lhe o facto de ter conquistado quase um quarto dos de Bayrou e alguns (poucos) de Le Pen para o desastre não ser maior. Em termos partidários, teve, logicamente, a maioria dos votantes veio do seu partido, LR (77%), mas apenas metade dos seus tradicionais aliados da UDI. Foi ainda buscar um quarto dos apoiantes do MoDem e um décimo dos sem partido. Mas, ao contrário do que alguns pensavam, pouco tocou nos eleitores da FN.

Do ponto de vista sociológico, o seu eleitorado é, maioritariamente de classe alta. Assim, e tal como sucede com Macron, a sua votação é diretamente proporcional ao rendimento dos votantes. Já relativamente às habilitações académicas, a relação não é tão linear: é certo que os seus melhores resultados ocorrem entre os licenciados, seguidos pelos que têm frequência universitária, mas a sua implantação entre os que concluíram o secundário é menor que entre os que apenas possuem a escolaridade básica. Quanto aos grupos profissionais, apenas tem apoio significativo entre os patrões e algum nos quadros superiores, registando baixos níveis de apoio entre os empregados do setor terciário e nas profissões intermédias e muito baixos nos operários (apenas 6% destes votaram nele). Contudo, é o preferido entre os reformados. Já em relação à situação perante o trabalho, foi o candidato mais votado entre os gestores e dirigentes, mas teve poucos votos nos trabalhadores por conta de outrem, em especial do setor público (recorde-se que, do seu programa, constava o despedimento de 500 mil!...) e nos desempregados. Relativamente ao género, há uma pequena preponderância do eleitorado feminino. Do ponto de vista etário, verifica-se uma clara supremacia no voto dos mais idosos (acima dos 65 anos); no escalão seguinte (dos 50 aos 64), o seu apoio diminui bastante e é francamente baixo entre os mais jovens (dos 18 aos 34 anos). Sendo um assumido católico conservador, não surpreende que a religião seja uma variável importante no seu voto: foi entre os católicos que a sua votação seja maior, tendo recolhido 55% dos sufrágios dos praticantes; entre os protestantes, ficou na média, mas a adesão foi muito reduzida nos eleitores muçulmanos e laicos.

Geograficamente, não há um padrão definido de distribuição territorial. Obtém os melhores resultados na Córsega, seguido do País do Loire (sua região natal), na PACA e na região parisiense. Os piores ocorrem no Nordeste (Altos de França) e no Sudoeste (Occitânia e Nova Aquitânia). No ultramar, ganhou no departamento de Mayotte e nos territórios da Polinésia francesa e Nova Caledónia (no Pacífico) e de Saint Martin-Saint Barthélémy (nas Caraíbas). É nas grandes cidades (com destaque para Paris), em especial nos subúrbios ricos e, em menor grau, nos bairros centrais de classe média, que obtém as maiores votações, mas também mostra alguma adesão nas áreas rurais. Ao invés, o apoio reduz-se nas pequenas e médias cidades, nos bairros populares e, em especial, nas periferias pobres dos principais centros urbanos.

Jean-Luc Mélenchon – Foto de Pierre-Selim/flickr

Jean-Luc Mélenchon – Foto de Pierre-Selim/flickr

O candidato da esquerda, Jean-Luc Mélenchon, conseguiu um excelente resultado, obtendo 19,6% dos votos, muito acima dos 11,1% de há cinco anos. Relativamente a 2012, votaram nele 80% dos seus eleitores de então, aos quais acrescentou um quarto dos de Hollande e um décimo dos de Bayrou. Do ponto de vista partidário, foi o preferido, como é normal, da FG (84%), mas também dos eleitores da extrema-esquerda (62%), da EELV (38%) e dos sem filiação partidária (23%). Esta última foi, curiosamente, a percentagem de votantes do PS que optaram pela sua candidatura.

Sociologicamente, e tal como sucede com o eleitorado de Le Pen, o seu eleitorado, é, essencialmente, de classe baixa e média baixa, sendo a sua votação inversamente proporcional aos rendimentos dos votantes. Porém, ao contrário dos eleitores da extrema-direita, Mélenchon é o preferido dos estudantes e tem maior apoio nos eleitores que concluíram o secundário, seguido dos que possuem frequência universitária e dos que apenas possuem a escolaridade básica. É um pouco menor o seu apoio entre os licenciados. Do ponto de vista profissional, há um ligeiro predomínio do apoio nas profissões intermédias, nos operários (consegue 25% dos seus votos) e nos empregados do terciário. Suscita uma menor adesão nos trabalhadores independentes e nos quadros superiores e entra mal nos reformados. Quanto à situação perante o emprego, é o preferido entre os desempregados (32%) e tem apoio significativo nos trabalhadores do setor público, mas revela fraca adesão entre gestores e dirigentes. Relativamente ao género, o seu eleitorado é ligeiramente mais masculino e, quanto à idade, é o oposto de Fillon: recebe a maior adesão entre os mais jovens (dos 18 aos 24 anos); esta vai-se reduzindo com o aumento da idade e cai abruptamente nos mais idosos (maiores de 65 anos). Sem surpresa, a religião é uma variável importante: é o candidato preferido dos muçulmanos (recebeu o voto de 37% destes) e laicos, mas suscita menor adesão entre os protestantes e os católicos, sofrendo, mesmo, de forte rejeição entre os católicos praticantes.

Quanto à geografia do voto, as suas maiores votações ocorrem no Sudoeste (Occitânia e Nova Aquitânia), na região de Paris (onde venceu no departamento de Seine-Saint Denis) e também no Nordeste (Altos de França). As mais baixas surgem na Córsega, no sueste (PACA) e no centro-Leste (regiões do Grande Este, Centro-Vale de Loire e Borgonha-Franco Condado). Os seus melhores resultados localizam-se nos meios urbanos, em especial nos subúrbios pobres, mas também tem bons desempenhos nos bairros centrais de classe média; as áreas rurais é onde surgem os menos bons.

Entretanto, o candidato socialista, Benoît Hamon, registou uns dececionantes 6,4%, a “léguas” dos 28,6% de Hollande na 1ª volta das presidenciais de 2012. O facto de apenas ter recolhido a preferência de 15% dos que votaram no atual chefe de Estado, às quais apenas juntou uns pequenos “pozinhos” de alguns que, então, votaram em Bayrou e Mélenchon, mostra a dimensão do fiasco da sua candidatura. Para reforçar esta ideia, verifica-se que apenas recebeu cerca de um quarto dos eleitores do PS e da EELV, partidos que, oficialmente, o apoiavam. Dos restantes, muito poucos da FG, do MoDem e de pessoas sem partido.

Do ponto de vista sociológico, o seu eleitorado predominante é proveniente das classes de rendimento médio-alto, registando o menor apoio nas de médio-baixo. Por sua vez, é claro a aumento do apoio entre os estudantes e os licenciados face aos restantes grupos de habilitações literárias, verificando-se a menor adesão entre os portadores da escolaridade básica. Profissionalmente, os resultados menos maus ocorrem entre as profissões intermédias e nos quadros superiores e os piores nos reformados. Já em relação à situação perante o trabalho, tem maior apoio nos funcionários públicos e nos desempregados e menor entre os trabalhadores do setor privado. No que respeita ao género, há uma pequena preponderância do eleitorado feminino. Já do ponto de vista etário, obtém os melhores valores entre os mais jovens (dos 18 aos 24 anos) e os adultos (dos 35 aos 49) e os piores entre os mais idosos (maiores de 65 anos). Quanto à religião, tem uma votação claramente acima da média entre os muçulmanos; nos outros grupos, tem maior adesão entre os laicos, mas apresenta grande rejeição entre os protestantes e, especialmente, entre os católicos praticantes.

Geograficamente, a votação menos má ocorre na sua Bretanha natal, seguida da região parisiense e do restante Oeste (País do Loire) e Sudoeste (Nova Aquitânia e Occitânia). Os resultados mais humilhantes surgem na Córsega, no Sueste (PACA) e no Nordeste (Grande Este e Altos de França). No ultramar, teve percentagens acima da média em algumas regiões e territórios, com destaque para o arquipélago de Wallis e Futuna, no Pacífico. Apresenta, ainda, resultados ligeiramente melhores nas grandes e médias cidades que nas áreas rurais e nos pequenos meios urbanos.

De entre os que obtiveram resultados relevantes, falta referir o candidato da direita nacionalista, Nicolas Dupont-Aignan, que obteve 4,7% dos sufrágios, uma melhoria notória face aos 1,8% de 2012. Relativamente ao anterior ato eleitoral, foi buscar cerca de 10% dos eleitores de Bayrou e alguns (poucos) de Sarkozy, Le Pen e Hollande. Por simpatia partidária, conseguiu cerca de um oitavo de eleitores do MoDem e sem partido, mas também quase um décimo dos da UDI e ainda alguns da EELV e, em menor grau, dos republicanos.

Da análise sociológica, verificamos que o seu eleitorado é algo atípico. Assim, recebe maior apoio nas classes médias-altas e menor nas médias-baixas. Mas, tal como Le Pen, do ponto de vista das habilitações académicas, suscita maior adesão entre os que possuem apenas o ensino básico e menor entre os licenciados e os estudantes. Por seu turno, em termos profissionais, recolhe mais votos entre os trabalhadores independentes e as profissões intermédias e menor entre os quadros superiores e os operários. Quanto à situação perante o trabalho, a sua votação é maior entre os gestores e dirigentes e os funcionários públicos e menor entre os desempregados, embora as diferenças não sejam significativas. O género é, aqui, uma variável importante, pois há uma clara predominância do eleitorado feminino. Em termos etários, há uma ligeira supremacia dos escalões etários superiores (a partir dos 35 anos). Por sua vez, recolhe mais apoio entre os protestantes e os católicos não praticantes e menos entre os laicos e os muçulmanos.

Da análise geográfica, verificamos que obtém as maiores votações no centro-Leste (Grande Este, Centro-Vale de Loire e Borgonha-Franco Condado) e as mais baixas na Córsega, região parisiense, PACA e Bretanha. Apesar de ser um ferrenho defensor da presença francesa nas regiões e territórios ultramarinos, teve aí votações bastante fracas. Suscita maior adesão nas áreas rurais e menor nas cidades de média dimensão.

Os restantes candidatos obtiveram votações residuais: Lassalle (1,2%), Poutou (1,1%), Asselineau (0,9%), Arthaud (0,6%) e Cheminade (0,2%).

Para efeitos de análise, a nossa fonte agrupou os dois candidatos da extrema-esquerda (Poutou e Arthaud) e os restantes três.

Quanto aos primeiros, os resultados são muito semelhantes aos de 2012. Os seus votantes provêm, principalmente, dos seus partidos (NPA, LO) e outras pequenas formações de extrema-esquerda e de alguns (poucos) da EELV, de eleitores sem partido e da FG.

Em termos sociológicos, têm maior adesão nas classes baixas e médias-baixas e nos que possuem apenas a escolaridade básica ou secundária e menor nas classes altas e nos que possuem maiores habilitações. Do ponto de vista profissional, é no operariado e, em menor grau, nos empregados do setor terciário que recolhem maiores apoios, sendo a sua votação residual nos quadros superiores e nos reformados. Quanto à situação perante o trabalho, são os desempregados e os trabalhadores do setor privado aqueles onde obtém melhores resultados. Não há grandes variações de género nas suas votações, enquanto, ao nível etário, têm maior adesão entre os jovens (dos 18 aos 24 anos) e nos eleitores de meia idade (dos 50 aos 64 anos); em contrapartida, é quase nula entre os mais idosos (maiores de 65 anos). Ao contrário do que se poderia esperar, a religião não constitui uma variável importante, embora a sua votação seja menor entre os católicos praticantes e residual entre os protestantes.

Do ponto de vista geográfico, Poutou apresenta as melhores votações no Norte e no Oeste (Nova Aquitânia, Bretanha e Normandia) e Arthaud no Norte Nordeste (Altos de França, Grande Este e Normandia). Para ambos, as piores ocorrem na região de Paris e no Sudeste (PACA e Córsega). De realçar as boas votações obtidas nas regiões ultramarinas, em especial caribenhas, com destaque para a Guiana, onde Poutou ultrapassa os 5% (o levantamento popular de há uns meses atrás explicará esse resultado). Surpreendentemente, é nas áreas rurais que obtém o maior apoio e nas médias e grandes cidades o menor.

Por fim, os restantes três (o ruralista Lassalle, o nacionalista Asselineau e o indefinido Cheminade) vão buscar a maioria dos seus poucos votos a eleitores de Bayrou em 2012. Por seu turno a sua votação é mais significativa em eleitores sem filiação partidária (recolhem quase um décimo destes) e, em muito menor grau, do MoDem e da EELV.

A análise sociológica mostra que a maior parte do seu eleitorado é constituído por pessoas de classe média e média-alta, sendo mais fraca a sua implantação nas classes baixas e residual nas altas. A maioria dos seus votos provém de quem possui o ensino secundário, sendo menor o apoio entre os que possuem frequência universitária e residual entre os estudantes. Profissionalmente, suscitam maior adesão entre os trabalhadores independentes e os quadros superiores e menor nos reformados. Apresentam, ainda, maiores votações entre os desempregados e os trabalhadores das empresas públicas. Quanto ao género, não se registam diferenças significativas entre homens e mulheres no conjunto dos seus eleitorados. Relativamente à idade, é entre os adultos jovens (dos 25 aos 34 anos) que têm maior apoio, seguidos dos eleitores de meia idade (dos 50 aos 64 anos), registando o menor nos mais idosos e nos mais jovens. A religião não parece ser uma variável importante, embora se registe um maior apoio entre os protestantes e menor entre os católicos praticantes.

Geograficamente, a votação de Lassalle revela um grande contraste entre o norte e o sul do país. Assim, obtém resultados acima da média na Córsega (onde chega quase aos 6%) e no Sudoeste (Nova Aquitânia e Occitânia), de onde é natural, e na média no Sudeste (Auvergne-Ródano-Alpes e PACA) e abaixo desta nas regiões setentrionais, especialmente em Paris. Já a de Asselineau não varia muito no território, mas faz melhor na região parisiense e no Leste (Grande Este, Auvergne-Ródano-Alpes, Borgonha-Franco Condado) e pior no Noroeste (Bretanha e País do Loire) e na Córsega. Por seu turno, a de Cheminade é quase idêntica em todo o país. Nos territórios ultramarinos, Lassalle tem votações abaixo da média e Asselineau acima, em especial na Nova Caledónia. O voto destes candidatos tem maior expressão nas áreas rurais e nas pequenas cidades, embora Asselineau consiga alguma adesão em cidades de maior dimensão.

Em resumo, o que podemos concluir?

1. Os candidatos “do sistema” ou dos partidos que o sustentam (Macron, Fillon e Hamon) obtém os melhores resultados nas classes alta e média-alta; os restantes, que se apresentam como seus opositores, nas classes baixa e média-baixa.

2. Os candidatos da extrema-direita e da direita nacionalista (Le Pen e Dupont-Aignan) têm maior apoio nos eleitores de baixa escolaridade; os da extrema-esquerda (Poutou e Arthaud) nos de média e baixa; Mélenchon nos de escolaridade média e nos estudantes; Macron e Hamon nos de escolaridade alta e nos estudantes e Fillon nos de alta (mais ricos) e nos de baixa (rurais e idosos).

3. Le Pen obteve o maior apoio entre os operários e empregados do setor terciário, logo seguida de Mélenchon, mas este tem maior implantação que ela entre os profissionais intermédios, vindo logo após Macron nas preferências destes; nos quadros superiores, o preferido foi, claramente, Macron, seguido, a alguma distância, de Fillon, ocorrendo o contrário entre os patrões. Fillon é o preferido dos reformados, mas ele e Hamon sofrem uma forte rejeição no seio do operariado, que é também o ponto fraco de Macron.

4. Os trabalhadores do setor público preferem, em geral, Macron, seguido de Mélenchon (empresas públicas) e Le Pen (função pública); os trabalhadores do setor privado Le Pen e, logo atrás, Mélenchon e Macron; os gestores e dirigentes Fillon e, em menor grau, Macron, e os desempregados Mélenchon.

5. O voto em Macron, Le Pen, Mélanchon e nos candidatos menores revela maior preponderância masculina; em Fillon, Hamon e Dupont-Aignan tem maior componente feminina e nos restantes não se verifica grande variação em função do género.

6. Mélenchon é o preferido dos jovens, Le Pen dos adultos jovens e maduros, Macron dos eleitores de meia idade e Fillon dos mais idosos. Hamon tem os seus maiores apoios entre os jovens e os adultos maduros e Dupont-Aignan nos escalões etários acima dos 35 anos. Os jovens e os adultos têm pouca simpatia por Fillon e os mais idosos por Le Pen, Mélenchon e Hamon.

7. Fillon, católico conservador, é, naturalmente, o favorito dos católicos, com destaque para os praticantes, mas é pouco popular entre os laicos e os muçulmanos; Dupont-Aignan tem maior adesão entre protestantes e os católicos não praticantes e menor entre muçulmanos e laicos; Le Pen tem maior apoio entre os católicos não praticantes e os laicos e é, como seria de esperar, amplamente rejeitada pelos muçulmanos; Mélenchon é o preferido dos muçulmanos e dos laicos, mas sofre a rejeição dos católicos praticantes. É também entre os muçulmanos e os laicos que se encontra o essencial do eleitorado de Hamon. Já Macron é o favorito dos protestantes, mas também tem apoio entre os laicos, os muçulmanos e os católicos não praticantes.

8. Do ponto de vista geográfico, Macron é o mais votado nas cidades de média e grande dimensão e, nestas, nas periferias ricas e nos bairros centrais de classe média; ao invés, Le Pen tem maior apoio nas áreas rurais e nas pequenas cidades e em algumas periferias pobres e menor nas áreas urbanas de classe média e alta; Fillon suscita maior adesão nas grandes cidades, em especial nas periferias ricas e nos bairros centrais de classe alta, mas tem pouca simpatia nas periferias pobres e nos bairros populares; Mélenchon tem maior apoio nas cidades de média dimensão, nas periferias pobres e nos bairros de classe média das grandes cidades e menor nas periferias ricas e bairros de classe alta; Hamon recolhe mais simpatia nos meios urbanos de média e grande dimensão, Dupont-Aignan e os candidatos menos votados nas áreas rurais.

A partir desta análise, talvez seja mais fácil entendermos certas posições políticas e prever, com maior segurança, os resultados da 2ª volta.

Artigo de Jorge Martins.

Jorge Martins
Sobre o/a autor(a)

Jorge Martins

Professor. Mestre em Geografia Humana e pós-graduado em Ciência Política. Aderente do Bloco de Esquerda em Coimbra