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Precários chumbam Livro Verde sobre o Futuro do Trabalho
Na sua análise detalhada, apresentada no âmbito da consulta pública da versão preliminar do Livro Verde sobre o Futuro do Trabalho, divulgada no início deste mês, a Associação de Combate à Precariedade – Precários Inflexíveis (ACP-PI) destaca que “uma das mais importantes omissões do documento é a ausência de uma orientação e de propostas concretas no combate à precariedade.
“Apesar de reconhecer os riscos associados às transformações em curso, o documento não vai mais longe do que defender a penalização (sem definir como) do recurso ‘excessivo’ à contratação precária ou algumas medidas para atenuar o abuso no trabalho temporário”, escreve a ACP-PI.
As e os ativistas defendem que, “no essencial, não são desenvolvidas ideias para aquele que deveria ser o principal desafio quando se projetam respostas para o futuro do trabalho: definir medidas e aprofundar os mecanismos já existentes para combater a normalização dos vínculos precários”.
A ACP-PI refere ainda que, em matérias como o teletrabalho, o documento também fica “aquém do necessário”, e alerta que “é urgente colmatar o atual quadro muito insuficiente de regulação”. Para o efeito, a associação propõe “impedir a conexão permanente e invasão do tempo de descanso, instituindo o dever de desconexão pelo empregador; determinar de forma clara a responsabilização dos empregadores pelas despesas; assegurar o direito à privacidade; proteger o direito à participação nas estruturas de representação coletiva; e acautelar, em todas estas matérias, o risco acrescido das desigualdades de género que o teletrabalho acarreta”.
Na proposta do Governo, a assumida centralidade das funções essenciais relacionadas com a prestação de cuidados nas suas várias vertentes não se traduz em medidas efetivas “para assegurar e melhorar a prestação destas necessidades sociais e garantir os direitos de quem trabalha nestas atividades”, na sua maioria mulheres, alerta a ACP-PI.
As e os ativistas congratulam a introdução na legislação de critérios mais amplos para o reconhecimento do direito ao contrato de trabalho, salientando que “a criação de uma presunção de laboralidade adaptada à realidade do trabalho em plataformas é uma proposta importante”. Ainda assim, a ACP-PI realça que o Livro Verde “abre a porta para a definição de um estatuto intermédio, além do trabalho subordinado e do trabalho independente, conferindo apenas alguns direitos e sem acesso ao contrato de trabalho”. A associação repudia esse caminho, que considera constituir “uma escapatória para os gigantes das plataformas digitais continuarem a contornar a lei laboral”.
A versão preliminar do Livro Verde sobre o Futuro do Trabalho padece de outras ausências, como no que concerne a uma “questão tão central como o combate às alterações climáticas”. No documento, não são identificadas “as necessidades e a resposta pública para uma transição justa”. A ACP-PI defende os princípios da campanha Empregos para o Clima, que integra na sua análise. Os mesmos contemplam a requalificação profissional e a criação de postos de trabalho em tarefas socialmente necessárias.
Salientando que “tem faltado um compromisso claro com políticas públicas que respondam, de facto, aos problemas e desafios que se colocam ao futuro do trabalho”, as e os ativistas esperam que, na versão final do Livro Verde a ser apresentada no final deste mês, “sejam incorporadas as várias propostas recebidas, nomeadamente nos temas em que a versão preliminar deste livro era omissa ou que vai no sentido oposto a um real combate à precariedade”.
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Presunção de Laboralidade e o Posicionamento da Uber
Antes mesmo da consulta pública do Livro Verde, a Uber já deve ter montado uma estratégia de ataque às intenções de regulação do trabalho uberizado. Seria um “ataque” muito significativo na sua superlucratividade em decorrência da superexploração!
Na fala do representante da Uber ficou muito claro o posicionamento da Uber, envolto no discurso ideológico, o qual chama atenção de uma grande massa de trabalhadores para as "vantagens" de um trabalho flexível (e precário). Sobretudo diante da crise pandêmica que enfrentamos, no qual muitos recorrem ao trabalho plataformizado como forma de fuga a um flagelo muito maior: o desemprego.
A presunção de laboralidade a qual a Uber é veementemente contra, faz com que fique a cargo das plataformas provar que o trabalhador não tenha vínculo com a mesma. Mesmo que os trabalhadores incorram com todos os custos do negócio (como num “empreendimento” próprio), eles se submetem a intenso controle pelas plataformas, o que além de intensificar o trabalho, pode puni-los (com o bloqueio, com a redução das tarifas, com o boicote), sem contar as ações discriminatórias. Tudo isso sem podermos comprovar (a não ser por relatos dos próprios trabalhadores), pois o controle algorítmico não possui qualquer transparência - o que também precisa ser revisto e clarificado, por razões óbvias.
A luta é grande! Mas não se pode esmorecer! A resistência por parte de trabalhadores, sindicatos e entidades representativas, como os partidos palíticos, é premente, como forma de frear a destruição de direitos sociais do trabalho tão duramente conquistados através de lutas sociais.
Nirsan Grillo
@omundodolabor
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