“Pizarro tem de decidir se está do lado de Montenegro ou do lado do SNS”

03 de julho 2023 - 17:37

Bloco quer ouvir várias entidades envolvidas na decisão de encerrar bloco de partos do Santa Maria e enviar grávidas para o privado. Mariana Mortágua falou sobre iniciativas legislativas do partido para atrair profissionais e salvar o SNS.

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Foto de Ana Mendes.

Em conferência de imprensa na sede nacional do Bloco de Esquerda, Mariana Mortágua lembrou que o governo socialista alegou que o encerramento temporário do bloco de partos do Santa Maria “resultava de obras de modernização e requalificação do espaço”. O executivo garantiu ainda que “a decisão tinha sido acolhida com tranquilidade pelos profissionais e que o serviço do bloco de partos seria transferido para o Hospital São Francisco de Xavier, mantendo-se no Serviço Nacional de Saúde”. Acresce que foi ainda anunciado que só se recorreria a serviços prestados pelo privado “quando fosse necessário, de forma pontual e excecional”.

No entanto, nas últimas semanas, “ficámos a saber que todo este processo ocorreu completamente ao contrário do que tinha sido anunciado”, apontou a coordenadora bloquista.

Não só “as obras não requeriam, obrigatoriamente, a transferência e o encerramento do bloco de partos”, conforme referem os médicos, como o bloco de partos “foi encerrado antes ainda de as obras terem sido adjudicadas”.

Por outro lado, a decisão “foi tudo menos pacífica entre profissionais do SNS”: “Houve responsáveis e chefes de obstetrícia que foram demitidos pelo conselho de administração; houve chefes de urgência que apresentaram a sua demissão; houve, inclusive, uma carta pública dos médicos do Santa Maria a explicar que este processo não tinha os contornos que tinham sido apresentados pelo ministro da saúde e pelo diretor executivo do SNS”, destacou Mariana.

Entretanto, decidiu-se contratualizar, desde já, serviços a privados, existindo, neste momento, utentes do Santa Maria sem grau de risco a serem transferidas para um hospital privado.

Neste contexto, a dirigente do Bloco enfatizou que várias perguntas se impõem. Desde logo, o Bloco quer saber porque encerra o bloco de partos do Santa Maria e o porquê da duração deste encerramento. Os bloquistas questionam ainda a razão deste encerramento mesmo antes das obras serem adjudicadas, bem como os motivos que levaram o executivo a recuar na alternativa pública. Por fim, o Bloco pretende que o Governo explique quais serão as consequências a longo prazo desta decisão no que respeita à prestação de serviços do SNS.

Exatamente para obter estes esclarecimentos, o grupo parlamentar bloquista apresentou um requerimento para ouvir várias entidades envolvidas nesta decisão, incluindo o obstetra Ayres de Campos, ex-chefe de serviço de obstetrícia do Santa Maria, que ousou questionar a decisão da administração do hospital e do executivo; a presidente do conselho de administração do Santa Maria, e o CEO do SNS e o ministro da Saúde, “que deram a cara por estas decisões e prestaram explicações que não correspondem à verdade”.

Falta de profissionais no SNS está na origem do problema

De acordo com Mariana Mortágua, na origem dos encerramentos temporários está um problema: a falta de profissionais no SNS, que se reflete na contratação de tarefeiros pagos ao dobro ou triplo do que recebem os médicos do SNS, em prejuízo da organização dos serviços, e no recurso a horas extraordinárias ilegais.

A dirigente do Bloco realçou que o Governo tem duas alternativas. Ou opta pela escolha da direita, do PSD, da Iniciativa Liberal e do Chega, e desiste do SNS, ou investe no SNS, que “precisa urgentemente de atrair e fixar profissionais”.

“Manuel Pizarro tem de decidir se está do lado de Luís Montenegro, que o elogia pela escolha de transferir utentes para o privado, ou do lado do SNS”, vincou Mariana.

A coordenadora do Bloco referiu as iniciativas legislativas do partido para atrair profissionais, que passam pela abertura de concursos para integrar no quadro os profissionais necessários, por forma a não recorrer a horas extraordinárias ilegais. Para atrair os profissionais, os bloquistas propõem o pagamento de uma majoração a partir da primeira hora extraordinária, e não da primeira hora ilegal, bem como o pagamento de um suplemento salarial de 40% quando os médicos aceitam o regime de exclusividade. Em causa está ainda garantir autonomia para que os hospitais possam abrir concursos, e assegurar que os estabelecimentos de saúde têm recursos financeiros para fazerem estas contratações de forma autónoma.

Ambiente de conflito e falta de democracia interna levam a transferência de grávidas para privado

Em comunicado divulgado esta segunda-feira, a Federação Nacional dos Médicos (FNAM) refere que “a decisão de encaminhar grávidas de baixo risco do Hospital de Santa Maria para hospitais do setor privado deve-se a um conjunto de más decisões por parte do Conselho de Administração”.

“A situação no serviço de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital de Santa Maria continua problemática, desta vez pela enorme dificuldade na elaboração da escala do serviço de urgência de julho, não cumprindo os requisitos mínimos previstos para o seu funcionamento. Por isso, a Administração decidiu encaminhar grávidas de baixo risco para o sector privado”, escreve a FNAM.

A estrutura sindical avança ainda que “o afastamento dos responsáveis pelo serviço, as ameaças de cancelamento de férias e outras represálias, como o não pagamento de horas extraordinárias, perante a união dos médicos do serviço de ginecologia-obstetrícia, têm dificultado encontrarem-se as soluções para uma transição eficaz do bloco de partos para o Hospital São Francisco Xavier, durante as obras no Hospital de Santa Maria”.

Segundo a FNAM, “os médicos do serviço têm defendido que os chefes de departamento demitidos são os que reúnem a confiança técnico-científica para coordenar este processo e que a necessidade de implementar um regime democrático e de cooperação é essencial para permitir as condições de trabalho necessárias que garantam os melhores cuidados de saúde e de segurança para as utentes”.

No documento, é ainda referido que “este processo poderia ser conduzido com serenidade, em vez da forma apressada e desajeitada que está a ser levada a cabo, uma vez que as obras não irão começar num futuro próximo”.

A FNAM considera que “é fundamental que os processos sejam transparentes e democráticos”.

“O Ministro da Saúde afirmou, a propósito desta situação no Hospital de Santa Maria, que o diálogo tem um limite, mas a paciência dos médicos também. É preciso não esquecer que a valorização do trabalho médico é uma peça fundamental para evitar este tipo de situações e permitir que os médicos fiquem no Serviço Nacional de Saúde”, remata a estrutura sindical.