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Perito da ONU alerta para 'apartheid climático' entre ricos e pobres

Philip Alston, relator especial da ONU sobre pobreza extrema, alerta para o cenário de um "apartheid climático", em que os ricos pagam para escapar da fome, "enquanto o resto do mundo sofre".
Foto de Oxfam East Africa, Wikipedia.

Mesmo que as metas atuais sejam cumpridas, "milhões serão empobrecidos", refere Philip Alston, que faz parte do painel de especialistas independentes da ONU. No seu relatório, apresentado ao Conselho de Direitos Humanos da ONU na segunda-feira, o perito alerta que os pobres serão os mais afetados pelo aumento das temperaturas, bem como pela escassez de alimentos e pelos conflitos que deverão acompanhar as alterações climáticas.

É expectável que as nações em desenvolvimento sofram, pelo menos, 75% das consequências das alterações climáticas, apesar de a metade mais pobre da população mundial gerar apenas 10% das emissões. Aqueles "que contribuíram menos para as emissões (…) serão os mais prejudicados", avança Alston, citado pela BBC.

O relator especial da ONU cita exemplos de como os ricos das nações ocidentais já lidam com eventos climáticos extremos, lembrando que, quando o furacão Sandy atingiu Nova Iorque, em 2012, a maioria dos cidadãos ficou sem energia, mas "a sede da Goldman Sachs era protegida por dezenas de milhares de sacos de areia e abastecida por energia do seu gerador" e que “bombeiros privados de luvas brancas foram destacados para salvar as mansões" dos ricos.

Essa "dependência excessiva" do setor privado provavelmente levará a um "apartheid climático", em que os ricos "escapam do super-aquecimento, da fome e do conflito", aponta.

O relatório denuncia a falta de ação nas últimas décadas: "Discursos obscuros de funcionários do governo em conferências regulares não estão a traduzir-se numa ação significativa", escreve Alston, sublinhando que “trinta anos de convenções parecem ter feito muito pouco".

O perito da ONU tece críticas ao presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, por abrir a floresta tropical à mineração e "enfraquecer" as medidas de proteção ambiental, assim como ao presidente dos EUA, Donald Trump, por colocar "ex-lobistas em cargos de supervisão", "ativamente silenciar e ofuscar a ciência climática", e também reverter as medidas de proteção ambiental.

O Conselho de Direitos Humanos da ONU também não escapa às críticas: "O Conselho de Direitos Humanos não pode mais dar-se ao luxo de confiar apenas nas técnicas consagradas de organização de painéis de especialistas, pedindo relatórios que não levam a lugar nenhum, exortando os outros a fazerem mais, mas fazendo pouco e adotando resoluções amplas mas inconclusivas", escreve.

Alston defende que, em vez disso, o Conselho de Direitos Humanos da ONU deve encomendar um estudo especializado urgente sobre as possíveis opções disponíveis para evitar o desastre e "propor e monitorizar ações específicas".

No seu relatório, o perito da ONU estima que 140 milhões de pessoas sejam obrigadas a deslocar-se na África Subsaariana, no sul da Ásia e na América Latina devido às alterações climáticas.

"A comunidade de direitos humanos, com algumas notáveis exceções, tem sido tão complacente quanto a maioria dos governos diante do desafio final para a humanidade representado pelas alterações climáticas", sinaliza o relatório, onde se pode ler que toda a comunidade de direitos humanos não "enfrentou o facto de os direitos humanos poderem não sobreviver à turbulência que se avizinha".

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