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Perguntas & Respostas sobre a crise política (1)

As propostas do Bloco no debate do OE 2022 não tinham nada a ver com o Orçamento?
No discurso de encerramento do debate sobre o Orçamento de Estado de 2022, o primeiro-ministro afirmou: “Nenhum partido foi mais longe do que o Bloco de Esquerda nesta ideia de discutir no Orçamento de Estado aquilo que nada tem que ver com o Orçamento do Estado. Das nove famosas propostas pelo BE, cinco são alterações ao código de trabalho que têm o seu momento próprio e local para ser votadas”.
É verdade que as propostas de reverter os ataques aos direitos laborais introduzidos no Código do Trabalho pela “troika” não se referem ao OE 2022. Então que motivos levaram o Bloco a levantá-las neste debate? É que, fora do Orçamento, no tal “momento próprio e local”, o PS demonstrou que não quer ouvir falar em limpar o Código de Trabalho da “troika”.
Então o Bloco e o PCP já tinham tentado tirar as medidas da “troika” das leis laborais?
Sim, várias vezes. Ainda na vigência da Geringonça, o Bloco de Esquerda e o PCP fizeram uma tentativa de fazê-lo no “lugar próprio”, apresentando na Assembleia da República projetos de lei para revogar a redução drástica do pagamento das horas extra, repor os 25 dias de férias, repor o valor original das horas extra, aumentar a indemnização devida ao trabalhador por despedimento, acabar com a caducidade dos Contratos Coletivos e retomar o princípio do tratamento mais favorável do trabalhador, entre outras medidas.
Mas estes projetos esbarraram na intransigência do Partido Socialista, que se juntou à direita para derrotá-los. Em julho de 2018 foi feito esse debate na Assembleia da República. O PS, o PSD, o CDS votaram contra, o Bloco, o PCP, o PEV e o PAN votaram a favor. Assim, com o conjunto dos votos contra, do PS e da direita, os projetos de lei foram rejeitados. O mesmo resultado tiveram projetos semelhantes, já neste ano, em junho, desta vez com os votos contra do PS, aliado ao PSD, CDS e à Iniciativa Liberal.
O Bloco retirou as suas conclusões. A alteração da legislação laboral não fazia parte dos acordos firmados em 2015; era preciso trazer essa discussão para a renovação dos acordos em 2019. Mas a reedição dos acordos da Geringonça não ocorreu, rejeitada que foi pelo PS, que preferiu a “navegação à vista”.
Ora quando o Governo é minoritário e não existem acordos prévios, a discussão do Orçamento é o único momento para negociar as propostas mais importantes, já que é o único debate em pode estar em causa a permanência do próprio Governo. Por isso, esta discussão pode e deve compreender outros temas que não as verbas do OE, porque é a política global do Governo que está em causa. Daí a legitimidade de discutir leis do Trabalho, o SNS ou a Segurança Social e outros temas que o PCP levantou, tenham ou não incidência orçamental.
Quando as medidas da “troika” foram aprovadas, em 2012, o PS não se opôs a elas?
Opôs-se e até apresentou projetos de lei alternativos, alguns dos quais o Bloco reapresentou, posteriormente, na íntegra. Só que o PS alterou a sua posição em 180 graus e hoje é contra as propostas que apresentou há nove anos.
A permanência das leis laborais da “troika” significa que se mantém em vigor um conjunto de medidas estruturais que, através da precariedade e do despedimento facilitado e barateado para os patrões, mantém Portugal como um país de salários baixos, desigual e pobre. Daí a sua importância.
Mas o Governo não propôs agora um conjunto de leis para dignificar o trabalho?
No dia 21 de outubro, a uma semana da data marcada para a votação do Orçamento, o Conselho de Ministros aprovou uma série de propostas de lei a que chamou de “Agenda do Trabalho Digno e de Valorização dos Jovens no Mercado de Trabalho”. Um número desmesurado de medidas (mais de 60) pretendia demonstrar, à última hora, que o PS, afinal, queria fazer grandes mudanças nas leis do trabalho.
Havia porém um pormenor revelador: no meio de tantas medidas, não constava nenhuma que alterasse significativamente as leis que o PSD, o CDS e a “troika” introduziram no Código de Trabalho em 2012.
“Como é que se defende o trabalho digno sem acabar com normas amordaçantes que ofendem a dignidade das pessoas que trabalham, que só têm como propósito mostrar que os seus direitos não valem nada, como a norma que impede os trabalhadores de contestarem despedimentos ilícitos e que foi mantida na lei por decisão do PS e do PSD há menos de um mês?”, questionou o deputado José Soeiro, do Bloco. “E como classificar as normas da troika sobre despedimentos e sobre horas extra se não como ataques à dignidade do trabalho?”, sublinhou, recordando que foi um diploma de 22 de janeiro de 1915, assinado por Manuel de Arriaga, o primeiro a estabelecer na lei portuguesa que sempre que houvesse serviço extraordinário no comércio, cada hora de trabalho suplementar seria paga “pelo dobro” da hora normal. Foi essa norma que o Governo “troikista” veio alterar.
Em dia feriado, por exemplo, em vez de ser paga pelo dobro, a majoração passou a metade. Norma que o PS insiste em manter.
Leia a série de Perguntas e Respostas sobre a crise política:
1 -- As propostas do Bloco no debate do OE 2022 não tinham nada a ver com o Orçamento?
2 -- O Governo afirma que fez aproximações a quase todas as propostas do Bloco. Isto é verdade?
3 -- O Orçamento "mais à esquerda" de sempre?
4 -- O voto contra o Orçamento “abre o caminho à direita”?
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