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Perguntas frequentes sobre o referendo catalão

Se queres explicar uma coisa importante e não consegues fazê-lo de forma breve e compreensível, é porque o assunto não está claro na tua cabeça. O que está em jogo na Catalunha com o referendo de 1 de outubro parece-me muito importante e por isso decidi escrever este artigo, dirigido principalmente a pessoas de fora da Catalunha, imitando as Perguntas Mais Frequentes (FAQ) tão habituais na net. Juntei um número relativamente grande de perguntas que me pareceram pertinentes e tentei escrever respostas breves sem cair na superficialidade, com a intenção de dar argumentos para apoiar o direito ao voto no referendo do 1-O e defender os participantes e promotores da repressão que sobre eles se abate.
O que se vai decidir no referendo de 1 de outubro (1-O) e qual o seu alcance?
A pergunta apresenta-o claramente: “Quer que a Catalunha seja um Estado independente em forma de República?” Se se responde afirmativamente, vota-se simultaneamente pela independência e a República. Ou seja, por uma revolução política numa parte do atual Estado espanhol.
Por que será ilegal este referendo?
Porque assim o declarou o Tribunal Constitucional. Mas não é uma opinião unânime nem maioritária entre os juristas. Muitos deles argumentaram que se poderia autorizar um referendo na Catalunha sem haver necessidade de rever a Constituição e que é apenas uma questão de vontade política. Javier Pérez Royo analisava assim a atitude do governo: O governo [de Rajoy] convenceu-se de que este é um problema jurídico, mas não, este é um problema político e o que se está a fazer aqui é política. Eles fazem política através do Tribunal Constitucional e da procuradoria. Decidiram que isto é um assunto encerrado: a Constituição é a que é, e quem der um passo adiante é mandado para o Tribunal Constitucional ou para a procuradoria e acabou-se. Ponto. Esta é a sua estratégia e assim continuamos desde a sentença de 2010 [contra o Estatuto].
É legítimo apesar de ser ilegal?
Legítimo é sinónimo de justo, de algo permitido segundo a justiça e a razão. O referendo é a concretização do direito a decidir, que tem sido reclamado na Catalunha ao longo dos últimos anos por milhões de pessoas, em manifestações que estão entre as maiores da Europa e do mundo. Todas as sondagens coincidem na indicação de que mais de 80% das pessoas na Catalunha estão a favor de um referendo. Sucederam-se tentativas insistentes de chegar a um acordo com o governo espanhol, mas a resposta foi sempre negativa. Esta impossibilidade de alcançar um referendo por acordo, à semelhança do que foi conseguido na Escócia ou no Quebec, é o que dá legitimidade para o convocar ao governo e ao Parlamento da Catalunha, onde existe uma maioria absoluta favorável a fazê-lo.
Pode proibir-se o referendo em nome da democracia?
É o que faz o PP e o que aprova a maioria do Parlamento espanhol, mas um dos lemas centrais do 15-M [NT: o movimento dos “indignados”, nascido a 15 de maio de 2011] estava cheio de razão: “Chamam-lhe democracia e não é”. Democracia é o poder do povo. Dizia Castoriadis: “Se olharmos não para a letra das constituições, mas para o funcionamento real das sociedades políticas, comprovamos imediatamente que são regimes de oligarquias liberais (…) que estão obrigadas a aceitar alguns limites aos seus poderes, deixando algumas liberdades para o cidadão”. Não existe o poder do povo em nenhum Estado; só nalguns poucos, como a Suíça, o povo tem o poder de convocar referendos e exercer o seu poder de vez em quando. Sob o critério do poder do povo, a democracia espanhola é de baixíssima intensidade: desde a sua origem (com o artigo 2 da Constituição imposto pela pressão militar), passando pelos cortes no Estatuto de 2006 após ser aprovado pelas Cortes espanholas e pelo povo da Catalunha em referendo, ou a reforma-relâmpago do artigo 135 da Constituição para dar prioridade à devolução da dívida. Não se pode invocar a democracia para proibir o referendo, porque em nome do poder do povo não se pode proibir que o povo vote. Então, quem defenderá a democracia no 1-O? Os que vão votar ou os que apelam a não ir? Sem dúvida os primeiros, os que apesar de que seja ilegal, das ameaças do governo e do Tribunal Constitucional, estiverem decididos a que seja o povo a decidir sobre uma questão tão reclamada pela cidadania da Catalunha, seja para votar Sim, votar Não, votar em branco ou fazer um voto nulo. Todos os votos são igualmente legítimos e democráticos.
Participar no referendo será um ato de desobediência?
Do ponto de vista do Estado espanhol, é evidente que sim. Do ponto de vista do governo e do Parlamento da Catalunha, não; porque antes será aprovarada a lei que dará cobertura legal ao referendo. Está aqui a diferença fundamental entre o 1-O e todas as desobediências anteriores. A partir da aprovação (ou da entrada no Parlamento) da lei do referendo e da sua previsível anulação pelo Tribunal Constitucional entrar-se-á numa fase de dupla legalidade ou duplo poder parlamentar, coisa que implica uma crise política de enorme magnitude. Durante a ditadura, a grande maioria das lutas implicavam desobediência à legalidade vigente. Durante a democracia, o movimento feminista e muitas mulheres desobedeceram praticando abortos para conseguir a sua legalização; muitos jovens desobedeceram e foram parar à cadeia até conseguirem a anulação do serviço militar obrigatório; a Plataforma de Afetados pelas Hipotecas (PAH) desobedeceu ocupando casas e continua a fazê-lo para conseguir a dação em pagamento da casa ao banco. A 1 de outubro irão desobedecer milhões de pessoas para conseguir o direito a decidirem, mas desta vez terão o amparo de um Parlamento e um governo saídos de umas eleições perfeitamente legais e homologadas.
Convocar o referendo significa dividir a sociedade catalã em duas facções?
Todas as grandes questões políticas dividem por vezes a sociedade, haja ou não haja referendo: neste momento a sociedade catalã está dividida entre os 80% que querem o referendo e os que não o querem, entre os que querem que vença o Sim e os que querem o Não. Mas a melhor forma de resolver estas questões é a consulta direta à população e não o conchavo entre as elites através de pactos entre partidos. Foi mais democrático o referendo à OTAN do que a reforma-relâmpago do artigo 135 da Constituição. É macabro que os que avisam que o referendo divide a sociedade sejam os mesmos que prometeram aceitar o Estatuto que o parlamento aprovou e a seguir o apararam nas Cortes; os mesmos que recorreram ao Tribunal Constitucional por causa do Estatuto de 2006; os mesmos que se recusaram a dialogar sobre a possibilidade de um referendo por acordo. Os mesmos que quebraram e continuam a quebrar grandes consensos alcançados na sociedade catalã.
O referendo é uma tentativa do PDeCAT para conservar o poder, legitimar-se ou esconder a corrupção?
O referendo não estava nos programas da CDC, da ERC, nem dos Junts pel Sí nas eleições do 27-S de 2015. O referendo pactuado foi defendido tanto pelo Podem, como por Catalunya Sí Que Es Pot, e pelo En Comú Podem. O referendo, se possível pactuado, ou unilateral caso o não seja, foi defendido inicialmente apenas por organizações como o Procés Constituent ou a CUP e mais tarde por professores universitários como Antoni Abad Ninet, Jordi Muñoz ou Elisenda Paluzie; o empurrão definitivo foi dado pela Assembleia Nacional Catalã (ANC): no mês de julho de 2016 consultou os seus membros e depois da grande manifestação do 11-S [NT: 11 de setembro é o Dia da Catalunha, a Diada] pediu ao governo [da Catalunha] que mudasse o seu programa e garantisse o referendo; e a mudança definitiva veio nos finais de setembro, durante a moção de confiança ao presidente Puigdemont, quando este pronunciou a frase do “referendo ou referendo”. O argumento decisivo que convenceu o presidente Puigdemont foi a mobilização de 11 de setembro. Mais uma vez ficou provado que o governo não controla o movimento, mas que este é autónomo e tem capacidade para mudar o programa do governo. A maioria dos meios de comunicação contrários à independência explicaram a mudança argumentando que o governo era prisioneiro dos 10 deputados da CUP, sem os quais perde a maioria absoluta; mas sem as mobilizações de 11 de setembro, esses deputados seriam insuficientes para alterar o programa do governo. Finalmente, o referendo não foi uma iniciativa do governo, mas uma imposição do movimento; e também obrigou Puigdemont a remodelar o governo em meados de julho. Um assunto à parte é que a firmeza neste tema tenha dado mais legitimidade a Puigdemont e ao seu governo, que graças a isso conseguiram aprovar uns orçamentos muito pouco sociais, e que a corrupção da antiga CDC não tenha tido mais custos políticos.
O que é realmente a ANC e que autonomia tem?
A Assembleia Nacional Catalã é a principal organização independentista de massas, transversal, aberta a todas as pessoas que queiram lutar pela independência, que se organiza em assembleias territoriais e sectoriais e cujo órgão máximo, a Assembleia Geral, reúne pelo menos uma vez por ano. O seu órgão executivo é o Secretariado, cujos membros não podem ter nenhum cargo público ou político relevante; o seu mandato é de dois anos, renovável por outros dois e não recebem remuneração. Basta esta descrição breve para se perceber que a ANC dificilmente pode ser a correia de transmissão de algum partido (PDeCAT ou ERC) como às vezes insinuam os que não a conhecem. Os militantes dos partidos estão presentes no seu interior (especialmente PDeCAT e ERC) e podem tentar influenciar a orientação da ANC; mas esta também influenciou e influencia os partidos e o governo. Para provar a autonomia de critério da ANC basta citar dois exemplos: quando após o 9-N de 2014 [NT: a consulta popular sobre a independência] convidou publicamente Artur Mas a “colocar as urnas” e convocar eleições ou quando, infringindo o roteiro do Junts pel Sí, apelou à convocação de um referendo. É verdade que a ANC foi muito tímida no apoio a reivindicações sociais sentidas pela população e que a sua orientação dominante foi considerar que primeiro está a independência e que o resto viria depois; também foi muito pouco ativa na dinâmica do processo constituinte popular aprovado pelo Parlamento. Tudo isto pode ser objeto de críticas; mas ao mesmo tempo há que lembrar que a ANC apoiou a greve geral de 14-N de 2012, comprometeu-se com a Iniciativa Legislativa Popular da Plataforma dos Afetados pela Hipoteca e a solidariedade com os refugiados. Por fim, também é preciso fazer outra pergunta: Porque é que poucos partidos e entidades com elevada consciência social (à exceção da CUP) procuraram influenciar a ANC a partir de dentro? Houve uma reflexão sobre o facto de que todo o movimento nacional de massas é necessariamente interclassista e que a influência deve ser ganha trabalhando no seu interior?
Não se pode apoiar este referendo porque está hegemonizado pela direita?
Do ponto de vista parlamentar está hegemonizado pelo Junts pel Sí, que é a coligação entre um partido de direita moderada (o PDeCAT) e um de esquerda moderada (a ERC) e independentes com peso específico; mas esta coligação não tem maioria absoluta e para assuntos como o referendo tem de conseguir o apoio da CUP, que é um partido anticapitalista. Do ponto de vista social está hegemonizado pelas três grandes organizações independentistas: ANC, Òmnium Cultural e a Associação de Municípios pela Independência. E tanto as organizações políticas como as sociais estão condicionadas por uma opinião favorável ao referendo em mais de 80% e com uma percentagem que vai de 64% a 70% que se declaram dispostos a ir votar a 1-O. Podemos caricaturar esta complexidade como uma hegemonia da direita? Apenas se devia apoiar o referendo se os convocantes fossem Podem e os Comuns? Ou não importa quem o convoque se o referendo é necessário e reune as condições democráticas exigíveis?
Devia haver três escolhas em vez de duas?
O referendo deve servir para saber se a vontade de independência, que foi reclamada pelas grandes manifestações de massas dos últimos anos, é maioritária na sociedade catalã. Para isso é necessário uma pergunta clara e binária: sim ou não. O Estado podia ter apresentado uma proposta clara sobre outro encaixe da Catalunha do Estado espanhol; então os partidários do Sim podiam ter repensado o seu voto e os do Não saberiam que o seu voto avalizava também outra solução (melhoria da autonomia, Estado plurinacional ou federal, etc). Mas o Estado não fez nada disso e fechou qualquer possibilidade de diálogo. E agora as escolhas reais são república independente ou continuar como estamos. Nestas condições, muitas pessoas genuinamente confederalistas ou federalistas, que entendem essas formas de união como um pacto entre iguais, pensam que isso só será possível se antes de conseguir a independência da Catalunha.
A lei do referendo tem défices democráticos importantes?
Há que lembrar que não há ainda uma lei, apenas um anteprojeto difundido pela imprensa e que o projeto de lei ainda vai a debate no Parlamento [NT: o projeto acabou por ser apresentado, discutido e aprovado no dia 6 de setembro, com os votos de Junts pel Sí e CUP e a abstenção de Catalunya Sí Que Es Pot. As bancadas dos Populares, Socialistas e Ciudadanos abandonaram a sala, entre protestos e queixas apresentadas contra a Mesa da sessão pela forma como aceitou a proposta a debate]. Os que afirmam que este anteprojeto contém graves carências democráticas falam de questões de diferente natureza. Um grupo de críticas afirma que a lei é antidemocrática porque não se fundamenta na Constituição e no Estatuto (que a ela está subordinado), algo impossível de cumprir quando se trata de um referendo não acordado, ao qual não se quis procurar um encaixe na Constituição, e que está a ser perseguido pelo Tribunal Constitucional. Esta perseguição justifica não dar tréguas à suspensão da lei do referendo ou aos processos contra os seus promotores e torna muito difícil evitar outro grupo de críticas; que o projeto de lei não se tenha ainda apresentado no Parlamento, que se pretenda submetê-lo através de um procedimento de urgência, que não se tenha dado a conhecer ainda como se vai fazer o recenseamento ou como se irão conseguir locais de votação quando as autarquias não os facilitarem.
Finalmente, outras objeções são que não está fixado um mínimo de participação, nem a percentagem de votos suficiente para validar uma das escolhas, mas que por outro lado se indique que, em caso de vitória do Sim, a declaração formal de independência se realizará nos dias seguintes. Contudo, as duas primeiras objeções serviriam para qualquer dos referendos realizados em Espanha e não são apoiadas pela Comissão de Veneza, o órgão consultivo do Conselho da Europa em matéria de direito constitucional; além disso, é do senso comum que uma participação baixa levaria os promotores do referendo a refletir sobre a conveniência de proclamar a independência. Em relação ao prazo de dois dias para declarar a independência, é a consequência lógica de um referendo vinculativo, embora uma coisa diferente seja o prazo que pode ser preciso para a tornar plenamente efetiva, quer o Estado mostre vontade de negociação ou não. Por fim, alguns défices ainda se podem corrigir na lei que se aprovar no parlamento e, alguns dos mais importantes devem-se à vontade do Estado em reprimi-lo e não em pactuá-lo.
O 1-O será um novo 9-N?
No 9-N de 2014, dois milhões e trezentas mil pessoas realizaram um grandioso ato de desobediência civil, mas era apenas uma consulta não vinculativa, que não tinha por base uma lei do Parlamento e não era organizada pelo governo, mas por voluntários (para escapar ao Tribunal Constitucional); além disso, o governo do PP evitou o choque frontal. Isso não tem nada a ver com o que se vai passar a 1-O: um referendo vinculativo, convocado pela maioria absoluta do Parlamento, organizado pelo governo, com o Tribunal Constitucional a agir de antemão e com o governo do PP disposto a ir ao choque e impedi-lo. A partir da aprovação da lei do referendo e da sua possível anulação pelo Tribunal Constitucional [NT: O Tribunal Constitucional aceitou os recursos do governo a 7 de setembro e suspendeu cautelarmente a lei aprovada na véspera no parlamento catalão], entrar-se-á numa fase de dupla legalidade ou duplo poder parlamentar, com milhões de pessoas dispostas a ir votar seguindo a convocatória do Parlamento e, o aparelho judicial e repressivo do Estado disposto a impedi-lo. Quando se chega a um choque com estas características não há margem para entendimento entre os dois poderes; num período não muito prolongado um deve ganhar e o outro deve ser derrotado; depois, nada continuará a ser igual. Que sentido político tem afirmar que o 1-O só pode ser um novo 9-N? Tirar-lhe importância, subestimar a magnitude do confronto que se aproxima, não se preparar para ele e nalguns casos (mas não em todos) manter-se na expetativa. Mas o 1-O será um referendo se nos mantivermos vigilantes para que o governo catalão mantenha a sua palavra e trabalhando desde já para que milhões de pessoas venham votar a 1-O como uma defesa da democracia e do direito a decidir, seja qual for o sentido do seu voto.
O referendo não terá efeitos legais?
Esta pergunta é banal se a lermos no sentido literal: um referendo não pactuado não pode ter efeitos legais imediatos dentro do Estado que decidiu proibi-lo. Mas a pergunta politicamente interessante é outra: que efeitos políticos e legais terá o 1-O se houver uma participação importante e ganhar o Sim? Então será declarada a independência da República Catalã e, a maioria parlamentar favorável à mesma (que provavelmente terá aumentado), deve fazer funcionar o país e defender o parlamento e a legalidade catalã com o apoio prolongado de mobilizações de massas, ao mesmo tempo que procura a solidariedade dos povos do Estado espanhol e o reconhecimento internacional. Por outras palavras, se houver uma grande participação no referendo do 1-O, isso terá efeitos políticos e legais muito importantes na Catalunha. E terá efeitos políticos importantes no Estado espanhol: todo o mundo (partidos, instituições, entidades, pessoas, etc.) estará pressionado para tomar partido: a favor da defesa da Catalunha e da negociação ou a favor de reprimir a revolta pacífica catalã; o povo de esquerda e progressistas terão a oportunidade de aproveitar a brecha aberta na Catalunha para começarem a questionar abertamente o regime de 78. Se a Catalunha consegue impor um referendo ao Estado, porque não tentá-lo noutras partes, seja pelo direito a decidir, para revogar a reforma do artigo 135 da Constituição ou para decidir entre Monarquia e República; se na Catalunha for aberto um processo constituinte popular como foi prometido, porque não tentá-lo noutros lados ou ao nível de todo o Estado?
E se o Estado conseguir impedir a votação no 1-O, sem que haja uma grande resposta popular?
Então haverá efeitos políticos e legais de sinal contrário, tanto na Catalunha como em Espanha. Se conseguirem impedir a votação, a reivindicação da independência não desaparecerá, mas passará para segundo plano durante algum tempo, serão convocadas eleições autonómicas e haverá uma reordenação do mapa político com um aumento previsível das alternativas autonomistas, limitadoras da democracia e socialmente reacionárias; será o momento tão sonhado pelo PP, C’s, o aparelho do PSC e dos que querem reconstruir o espaço da desaparecida CDC. Ao nível espanhol, será um grande triunfo de Rajoy, um magnífico trampolim para revalidar a maioria absoluta perdida e satelitizar definitivamente os C’s; os dinossauros do PSOE recuperarão força e voltarão a lançar-se sobre Pedro Sánchez; qualquer tentativa minimamente ambiciosa de reforma da Constituição ficará congelada por muito tempo. Finalmente, na Catalunha e em Espanha será temporariamente encerrada a crise do regime da transição que o 15-M e o movimento independentista catalão contribuíram decisivamente para abrir.
Alguém pode ficar indiferente ao 1-O, mesmo que não viva na Catalunha?
Não, porque o que se passar na Catalunha terá consequências importantíssimas em todo o Estado. A direita e a reação compreendem isso perfeitamente e para elas a principal preocupação é como impedir o referendo. As pessoas que se sintam internacionalistas, de esquerda, democratas ou as três coisas ao mesmo tempo, devem colocar também o referendo no centro das suas preocupações se não quiserem dar uma vantagem suicida à direita e à reação. O referendo não é uma reivindicação independentista, mas da grande maioria do povo catalão. É uma reivindicação justa e legítima porque significa o exercício do direito a decidir. Foi declarado ilegal por um governo que há muito vai cortando as liberdades, mas é uma ação democrática no único sentido autêntico dessa palavra: dar o poder ao povo para decidir num assunto importante. O 1-O é a oportunidade concreta, a única a curto prazo, de aprofundar a crise do regime da transição e abrir um processo constituinte popular em todo o Estado. Há alturas em que a indiferença ou a passividade são o caminho mais seguro para a derrota. Esta é uma delas.
Martí Caussa integra a redação do portal Viento Sur. Artigo traduzido por Luís Branco para o esquerda.net. Versão original aqui.
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