No último congresso organizado pelo Movimento Pela Libertação de Angola, partido que governa o país deste 1975, marcaram presença quatro dos maiores partidos portugueses: o PS, o PSD, o CDS-PP e o PCP. Paulo Portas, ex-vice primeiro ministro de Portugal, também esteve presente, a título de convidado especial e particular. Os únicos dois grandes partidos que ficaram de fora foram Os Verdes e o Bloco de Esquerda, que tem criticado activamente o despotismo do regime angolano, principalmente no que diz respeito à detenção e encarceramento de Luaty Beirão e dos restantes activistas que se encontravam com o mesmo por se terem reunido numa livraria para ler e discutir um livro chamado Ferramentas para destruir o ditador e evitar nova ditadura — Filosofia política da libertação para Angola, escrito pelo jornalista Domingos Cruz, também ele detido, e inspirado na obra Da Ditadura à Democracia, da autoria de Gene Sharp, um livro que promove a transição para a Democracia de forma pacífica.
A cumplicidade com o poder angolano e com o dinheiro corrupto que vem de Angola deveria ser motivo suficiente para repúdio e julgamento moral na praça pública. Em Junho de 2015, o New York Times publicou um vídeo, o resultado de uma investigação feita pelos jornalistas Adam B. Ellick e Nicholas Kristof, em que nos era mostrado como Angola é o país onde morrem mais crianças no mundo, sobretudo devido à malnutrição e a problemas simples de saúde, facilmente resolvíveis, e dos quais, na Europa, já não se morre desde o século XVIII. “The World’s Deadliest Place for Kids” é o nome do vídeo que nos mostra como a corrupção tem matado centenas de milhares em Angola, um país que, para as suas elites residentes em Luanda, ainda assim se mostra como um país rico, com negócios prolíferos nas indústrias petrolífera e de diamantes.
A reportagem partilhada pelo New York Times no passado ano revelou-nos que pelo menos por volta de 50% das crianças angolanas não têm acesso a cuidados de saúde, e o governo ainda assim tem feito cortes estrondosos no orçamento para este sector, que chegam à ordem dos 30%. À custa da morte dos pobres, as elites angolanas vivem um estilo de vida ocioso, rodeadas de um luxo inacreditável.
O Produto Interno Bruto angolano, mesmo tendo sofrido um decréscimo nos últimos anos, teve uma enorme explosão com o fim da guerra civil em 2002, devido à abundância de diamantes e de petróleo. Mas, infelizmente, crescimento não equivale a desenvolvimento, e Angola é um país extraordinariamente corrupto. Desde 1975 que as elites angolanas, apoiadas no MPLA, se têm apropriado de todos os recursos do país. O Presidente, José Eduardo dos Santos, enriqueceu a sua família e os seus amigos enquanto milhares de crianças morrem, e muitas das que sobrevivem não têm acesso sequer a educação primária. A reportagem partilhada pelo New York Times no passado ano revelou-nos que pelo menos por volta de 50% das crianças angolanas não têm acesso a cuidados de saúde, e o governo ainda assim tem feito cortes estrondosos no orçamento para este sector, que chegam à ordem dos 30%. À custa da morte dos pobres, as elites angolanas vivem um estilo de vida ocioso, rodeadas de um luxo inacreditável.
Mas há uma criança com a qual José Eduardo dos Santos sempre se preocupou – a sua filha, Isabel dos Santos, que foi descrita pela revista Forbes como a mulher mais rica em todo o continente africano. A filha do Presidente angolano tem capital investido na indústria bancária, na indústria petrolífera, nas telecomunicações, nos diamantes e no cimento. Em 2013, a Forbes expunha como a “princesa africana” tinha conseguido amealhar uma fortuna equivalente a mais de três mil milhões de dólares num país onde muitos vivem com apenas dois dólares por dia. Esta própria revista, que é assumidamente de direita e que tem o hábito de enaltecer qualquer bilionário, fez questão de investigar a fonte da fortuna de Isabel dos Santos e concluiu que este era mais um caso de cleptocracia, de mais uma família que, chegando ao poder num país em crise, se aproveitou para se apoderar dos seus recursos e das suas riquezas. Esta situação assegura a José Eduardo dos Santos que, se algum dia o retirarem do seu trono, poderá na mesma reclamar os bens e a fortuna guardados pela sua filha e que o património se manterá na sua família. Um próprio ex-primeiro-ministro do país, Marcolino Moco, que hoje não hesita em criticar o regime, afirma que a fortuna em questão é injustificável e que só pode ter sido fornecida pelo pai de Isabel.
Em Angola, Isabel dos Santos detém uma vasta rede empresarial nos sectores mais estratégicos do país: na banca, nas telecomunicações, na distribuição alimentar, no cimento e nos diamantes. Na indústria petrolífera, Isabel dos Santos é a actual presidente da Sonangol, uma empresa que se diz estatal e que tem arrecadado enormes fundos para a família Dos Santos. Mas os interesses desta empresa não são apenas a exploração petrolífera. A Sonangol é só o maior acionista do maior banco privado em Portugal, o BCP, do qual detém 17,8%. Se juntarmos a este valor os restantes investimentos na banca, constatamos que Isabel somou, assim, uma apropriação significativa de acções em vários dos bancos mais influentes, como o BIC, que comprou o BPN e onde tem uma participação de 42,5%, e no BPI, com uma participação de 18,7%.
Fazendo as contas, Isabel dos Santos já terá investido, pelo menos, dois mil milhões de euros em Portugal, e crê-se que uma grande parte desse dinheiro (provavelmente a maior), terá vindo directamente do Estado angolano.
Mas é óbvio que os interesses estratégicos em Portugal vão muito além da banca. Isabel dos Santos também soma participações de 17,3% na GALP, de 25% no gigante português das telecomunicações NOS, e na engenharia, detendo 65% da empresa EFACEC Solutions.
Fazendo as contas, Isabel dos Santos já terá investido, pelo menos, dois mil milhões de euros em Portugal, e crê-se que uma grande parte desse dinheiro (provavelmente a maior), terá vindo directamente do Estado angolano. A falta de transparência quanto à proveniência do seu dinheiro é o maior problema de Isabel dos Santos, e um grupo de quatro eurodeputados do Intergrupo Parlamentar para a Integridade e Transparência, incluindo a eurodeputada portuguesa Ana Gomes, pediram à Comissão Europeia, à Autoridade Bancária Europeia (ABE), ao Banco Central Europeu (BCE) e ao Grupo de Ação Financeira Internacional (GAFI) para que averiguassem, no âmbito das suas competências, as proveniências do capital que a filha do Presidente angolano já investiu em Portugal e do dinheiro com o qual comprou tantas acções em múltiplas grandes empresas.
Pessoalmente, faço a mesma pergunta que foi feita tanto pelos nossos eurodeputados, como pela Forbes: de onde veio o dinheiro de Isabel dos Santos, principalmente tendo em conta que é a filha de um Presidente que continua a deixar centenas de milhares de crianças morrer, sem cuidados de saúde e sem acesso a alimentação e a educação?
A questão da corrupção e das obscenas e escandalosas desigualdades sociais daí provenientes já será suficiente para envergonhar qualquer indivíduo que se mostre cúmplice ou colaboracionista com o MPLA. Mas os problemas de Angola não ficam por aqui. A falta de Democracia é estrondosa.
Apesar das complicações com a Guerra Civil, que terminou em 2002, o MPLA governa Angola desde 1975, e José Eduardo dos Santos é o seu Presidente desde 1979, mantendo-se no poder através de pseudo-eleições fraudulentas e reprimindo, através da intimidação e da detenção, qualquer crítica ao regime. O líder do MPLA será, de novo, candidato à presidência angolana nas eleições de 2017, apesar de, em Março, ter anunciado que abandonará a vida política em 2018. Já são quase 38 anos à frente do país, e o que se sabe é que o seu sucessor ou sucessora será escolhido a dedo. Sabe-se que dois dos seus filhos, José Filomeno dos Santos e Welwistchea dos Santos, integram as listas para o Comité Central do partido, mas não está posta de parte a possibilidade de ser a própria Isabel dos Santos apontada, um dia, como sucessora do “trono” angolano.
Longe vão os tempos em que o MPLA, fazendo jus às palavras que constituem o seu nome, era um movimento pela libertação, pela justiça e pelo fim da opressão, com laivos de “guevarismo”. Há poucos exemplos melhores, na vida real, da metáfora que George Orwell expunha ao mundo com a obra A Quinta dos Animais, ilustrando como, tantas vezes, aquele que outrora foi o revolucionário, perante o oportunismo, se torna no mesmo opressor contra o qual, outrora, lutou.
Quem quer que se prenuncie contra o regime e o governo angolano sofrerá duras represálias, que vão desde a intimidação, a agressão ou a privação da liberdade. O exemplo mais trágico e mais recente é o de Luaty Beirão e dos restantes 13 activistas que foram presos, julgados e condenados por se terem reunido para ler e discutir um livro, com acusações que os fazem parecer, do lado daqueles que aceitam a manipulação e a repressão do livre-pensamento, perigosos conspiradores contra o Estado angolano. É provável que eu próprio, por escrever este artigo, seja tacitamente considerado persona non grata em Angola e me habilite a um encarceramento sem julgamento numa penitenciária do país, se alguma vez colocar um pé para os lados de dentro daquela fronteira.
A detenção foi feita a 20 de Junho de 2015 e foram 36 os dias em que Luaty Beirão sobreviveu sob greve de fome, sem que José Eduardo dos Santos ou qualquer membro do governo de Angola ou de Portugal mexesse uma palha, podendo deixar para trás uma esposa, uma filha e um país que, como quase todas as outras nações, fracassa em honrar em devido tempo os seus verdadeiros heróis, mártires e profetas. Já a 20 de Março deste ano, a sentença era oficializada. Para condenar Luaty Beirão por ler e discutir um livro, o juiz, em Tribunal, leu e discutiu esse mesmo livro. As penas, para os activistas, iam desde os dois anos e três meses aos oito anos e meio de prisão. Várias denúncias e notícias sobre a crueldade e a desumanização do processo de detenção circularam, e crê-se que, enquanto encarcerados, por vezes, para poderem beber água, estes corajosos presos políticos tiveram de a beber de uma sanita ou cortar uma garrafa em forma de funil para captar as gotas da chuva.
No dia 29 de Junho, depois de deliberação do Supremo Tribunal de Luanda, foi cedida liberdade condicional a Luaty e a outros 16 activistas, incluindo os que consigo tinham sido detidos e encarcerados, mas sob termo de identidade e residência. Curiosamente, um mês depois, a Assembleia Nacional de Angola aprovava uma lei para a cedência de amnistia a pelo menos oito mil pessoas que tivessem cometido crimes até ao final do passado ano, incluindo os activistas. Mas os críticos do regime, incluindo Luaty Beirão, suspeitam de que esta lei e de que esta suavização do processo seja uma mera tentativa do MPLA de se livrar deste quebra-cabeças, do movimento de descontentamento que se vai começando a fazer sentir, e de lavar a imagem pública do regime. Poder-se-á tratar, portanto, de uma mera jogada política. E, na verdade, onde está a justiça e o sentido em amnistiar alguém que já se sabe inocente, cujo único crime foi querer pensar expressar-se livremente num país onde pedir isso é pedir demasiado?
Luaty Beirão foi solto mais ainda não está livre. Ainda em Julho, a sua conjugue, Mónica Almeida, foi vítima de uma possível tentativa de intimidação por parte da polícia angolana que assumiu contornos de rapto. Há esperanças e bons ventos no horizonte distante, mas o desfecho desta história, que é também uma história da luta do povo angolano, ainda não se sabe.
Este texto que vos escrevo começou com o nome de Paulo Portas e com referência a outros proeminentes políticos portugueses, mas são já longos os parágrafos escritos sem que os seus nomes tenham sido repetidos. Isto acontece porque, para primeiro se perceber a imoralidade e o escândalo de se manter cumplicidade com o MPLA e de uma recusa em denunciar a realidade de Angola, uma nação à qual Portugal está historicamente e culturalmente ligado e à qual tem uma dívida não monetária mas moral, é preciso primeiro descrever extensivamente a realidade daquele país, uma realidade que a maioria dos órgãos de comunicação social portugueses, tendo capital angolano neles investido, se recusa a divulgar. Agora que isso já foi feito, vamos a outros factos concretos ligados à vergonha que, enquanto portugueses, devemos sentir por termos tantos representantes políticos a colaborar com tamanhas faltas de humanismo.
Manuel Monteiro, ex-dirigente do CDS-PP, afirmou há poucos dias que o partido está completamente desvinculado da sua ideologia de raiz, criticando todos os que se dizem “democratas-cristãos, mas na realidade o que lhes interessa são os negócios, são os interesses pessoais de quem passou pela política para tratar da sua vida e não da vida dos cidadãos”. Sobretudo, afirma que o CDS se vendeu e tornou-se num veículo pessoal para os negócios de Paulo Portas. Esta afirmação é corroborada pelo facto de Portas ter iniciado funções como consultor para a área da internacionalização da empresa multinacional Mota-Engil, logo após ter abandonado o seu lugar no Parlamento e ainda assim, como denunciou o cronista Miguel Alexandre Ganhão, ter, há aproximadamente duas semanas, usado as instalações do CDS no edifício da Assembleia da República para, aproveitando o silêncio do período de férias, se reunir com, pelo menos, 17 quadros da Mota-Engil. Curiosamente, a Mota-Engil é uma das empresas com mais negócios e interesses estratégicos em Angola. De uma forma sumária, explica-se, assim, a influência que tem, hoje, Paulo Portas em Angola, o seu convite para o Congresso e a sua cumplicidade com o MPLA. Manuel Monteiro mantém, pelo menos, a sua coerência ideológica ao demonstrar repulsa perante o facto de o CDS demonstrar, assim, apoio a um “partido que desrespeita os direitos humanos”.
No rescaldo do Congresso do MPLA, Hélder Amaral, dirigente e deputado do CDS, fez algumas declarações desprezíveis, afirmando haver, agora, “muitos mais pontos em comum” entre o CDS e o partido do poder angolano e afirmando que, no seu partido, todos têm relações com o MPLA. A polémica ficou instalada e algumas figuras proeminentes do partido dos Democratas-Cristãos surgiram imediatamente a pedir esclarecimentos, repudiando esta cumplicidade. O deputado Filipe Lobo d’Ávila apelou a que “alguém da direção do CDS” interrompesse “as férias para esclarecer a doutrina internacional do partido”. Já Ribeiro e Castro, antigo presidente centrista, classificou as palavras de Amaral de “miseráveis”, enquanto o líder da Juventude Popular, Francisco Rodrigues dos Santos, exigiu que alguém traduzisse “esta trapalhada”. O vice-presidente do partido, Adolfo Mesquita Nunes, comunicou ao Diário de Notícias que a direcção “não subscreve qualquer entendimento das palavras de Hélder Amaral que presuma uma alteração da posição do partido relativamente à democracia e ao pluripartidarismo em Angola”.
Mas, estimados leitores, não se deixem enganar. Estas declarações, esta tentativa de demarcação da presença de Paulo Portas e das palavras de Hélder Amaral no Congresso do MPLA é uma mera estratégia de relações públicas, de atirar areia para os olhos do eleitorado e uma tentativa daqueles que erroneamente se apelidam como “Democratas-Cristãos” de se aparentarem inocentes. O CDS-PP é um dos partidos que, juntamente com o PSD e o PCP, rendidos ao poder do dinheiro, se recusam a denunciar as violações de direitos humanos que se dão em território angolano, tornando-se, então, todos cúmplices do MPLA.
A realidade, aquela que existe para lá das telenovelas exibidas em Portugal e pelos telejornais que falam de Angola como se ela fosse apenas Luanda, tem de ser difundida. Mas o capital investido em Portugal fala mais alto e impõe agendas políticas a jornalistas que, outrora, foram livres. Compete-nos a nós, aos cidadãos comuns, difundir a verdade e lutar pela mudança.
A 31 de Março deste ano, os três partidos supra-mencionados, tendo dois deles governado Portugal durante os últimos quatro anos, chumbaram, na Assembleia da República, dois votos de condenação às violações de Direitos Humanos levadas a cabo pelo regime Angolano, que tinham sido apresentados pelo Bloco de Esquerda e pelo Partido Socialista, a propósito da prisão e condenação dos activistas. O que sabemos é que, à direita, o dinheiro importa mais do que a Democracia e do que os Direitos Humanos. O PCP, por outro lado, mantendo uma relação antiga e quase histórica com o MPLA, que já data de períodos da Guerra Colonial, assume posições que fariam Karl Marx rolar na sua campa, que envergonham a sua ideologia e que, assim, não o livram completamente de alguma ligação à ideologia “estalinista”, a ideologia dos falsos comunistas que não hesitam em deixar o seu povo morrer.
A realidade, aquela que existe para lá das telenovelas exibidas em Portugal e pelos telejornais que falam de Angola como se ela fosse apenas Luanda, tem de ser difundida. Mas o capital investido em Portugal fala mais alto e impõe agendas políticas a jornalistas que, outrora, foram livres. Compete-nos a nós, aos cidadãos comuns, difundir a verdade e lutar pela mudança.
José Eduardo dos Santos não durará para sempre. Como Charlie Chaplin disse, no discurso proferido no final do filme O Grande Ditador, “não desesperem, a miséria que nos é impingida não é nada mais do que a passagem da ganância, a amargura dos homens que temem o progresso da humanidade (…) o ódio dos homens passará, os ditadores morrerão, e o poder que foi retirado ao povo será devolvido ao povo”. Os homens que se julgam Deus, como José Eduardo dos Santos, na realidade, sangram como o comum dos mortais e a sua vida também é efémera. Enquanto os ditadores continuarem a morrer, a liberdade nunca perecerá.
Artigo publicado no portal Ardinas 24