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Parlamento Europeu quer responsabilizar empresas pelos impactos negativos da sua atividade

Na quinta-feira passada, o Parlamento Europeu aprovou a sua posição sobre a diretiva Dever de Diligência das empresas em matéria de sustentabilidade, isto é, uma responsabilização do setor privado em matéria de direitos humanos e impactos ambientais.
A ideia é que as autoridades administrativas nacionais garantam a supervisão das novas regras e que possa impor coimas perante incumprimentos, nomeadamente multas de 5% do seu volume de negócios a nível mundial.
Em fevereiro de 2022, a Comissão avançou com a proposta de diretiva e explicava no comunicado de imprensa que as empresas passavam a estar “obrigadas a identificar e, se necessário, prevenir, eliminar ou atenuar os impactos adversos das suas atividades nos direitos humanos, como o trabalho infantil e a exploração dos trabalhadores, e no ambiente, por exemplo a poluição e a perda de biodiversidade”.
As negociações no Parlamento foram morosas e complicadas, com forte pressão do lóbi e dos grupos da direita (PPE e Renew) para um enfraquecimento do texto. Na sua globalidade, é um avanço significativo visto que tentativas anteriores de compromisso voluntário das empresas falharam.
Responsabilização ao longo da cadeia de valor
As empresas passam a estar obrigadas a identificar o impacto negativo das suas atividades em matéria de direitos humanos, onde se incluem direitos laborais e proteção das populações indígenas, e ao mesmo tempo os seus impactos ambientais, nomeadamente alterações climáticas, biodiversidade, poluição, degradação, desflorestação, consumo excessivo de recursos, substâncias danosas e desperdício. Terão que prevenir danos nestas áreas e, quando identificados, têm que garantir o termo ou atenuação das atividades que o estão a causar.
Por outro lado, as empresas terão de implementar um “plano de transição climática” para limitar o aquecimento global a 1,5 °C. Para as empresas com mais de 1000 trabalhadores, o cumprimento dos objetivos do plano terá impacto na remuneração variável dos administradores.
Para além de responderem pelas suas próprias operações, o Parlamento exige que as empresas também o sejam quanto às atividades das suas subsidiárias e por empresas com as quais estejam envolvidas ao longo da cadeia de valor, como fornecedores, vendas, distribuição, transporte, armazenamento, ou gestão de resíduos. Caso haja um incumprimento por parte destas, a relação comercial deve ser extinta.
A responsabilização acontece de duas formas. Por um lado, há uma responsabilização da administração (administrative liability) As sanções variam entre retirar os bens de uma empresa do mercado, multas a partir de 5% do volume de negócios líquido ou, no caso de empresas de países terceiros, serão proibidas de fazer contratos públicos na UE.
Por outro, são responsáveis por reparar danos junto das pessoas afetadas pelas suas ações (civil liability). Neste âmbito, as vítimas terão acesso a medidas de justiça quando apresentarem queixas perante tribunais europeus, incluindo representação da sociedade civil em tribunal e direito a ter acesso a provas detidas pelas empresas. Para além disso, as empresas devem introduzir um mecanismo de reclamações e monitorizar regularmente a eficácia da sua política de dever de diligência.
Alargamento do âmbito da diretiva
Uma das vitórias na negociação do Parlamento, foi o alargamento do âmbito inicialmente proposto pela Comissão. Antes previa-se que incluísse cerca de 13 mil empresas europeias e quatro mil estrangeiras - empresas com mais de 500 trabalhadores e com um volume de negócios a nível mundial de 150 milhões de euros.
Agora inclui empresas com 250 trabalhadores e um volume de negócios de 40 milhões de euros e empresas-mãe de grandes grupos (com os mesmos valores propostos inicialmente), independentemente do seu setor de atividade. Para empresas de países terceiros, passam a ser incluídas com um volume de negócios superior a 150 milhões de euros, se pelo menos 40 milhões de euros tiverem sido gerados na UE.
Direita tenta enfraquecer o texto e dificulta negociações futuras em trílogo
Na véspera da votação, o resultado era incerto por oposição de vários deputados, principalmente do grupo PPE. Estes tentaram enfraquecer o texto em matéria de obrigações de diligência ambiental, excluir o setor financeiro e eliminar a obrigação última dos diretores em fazer cumprir o dever de diligência das empresas. Embora a maior parte se tenha mantido, este último ponto, o artigo 26, foi eliminado.
A eurodeputada Marisa Matias disse ao Esquerda.net que “apesar das limitações da proposta aprovada, começar a responsabilizar as empresas europeias pelos impactos ambientais e sociais em países terceiros é um passo importante. A solidariedade com os trabalhadores do Sul Global ganhará com estas novas ferramentas legais”. Sublinha que a principal lacuna é a não inclusão de todas as empresas, possibilitando a subcontratação de empresas mais pequenas para trabalhos danosos. Para além disso, a diretiva é aplicada de forma faseada das empresas maiores para as mais pequenas, 3, 4 e 5 anos após a sua implementação.
O próximo passo são as negociações em trílogo (com o Conselho e a Comissão), que se afiguram difíceis dadas as opções de alguns Estados-Membros e pela pressão do lóbi e da direita parlamentar.
A relatora principal, Lara Wolters (S&D), disse ao jornal Euroactiv que a principal batalha será precisamente a inclusão do setor financeiro, visto que vários países pretendem que seja opcional. Para além disso, sublinha a dificuldade em manter a ambição quanto ao âmbito da diretiva, a extensão em que a cadeia de valor é incorporada e o devido acesso à justiça pelas vítimas.
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