Sydney Possuelo é um dos mais importantes indigenistas da história do Brasil. Dos seus 79 anos de vida, passou pelo menos 42 no mato. Foi ele, enquanto presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), que demarcou uma imensa extensão de terras para se tornarem territórios indígenas, ainda assim uma pequena parte do que estes povos tinham antes de chegar o homem branco. O território dos Yanomamis, por exemplo, tem uma área superior à de Portugal. Todos estes territórios estão atualmente ameaçados pela política do governo Bolsonaro, que retirou todo o financiamento à Funai, tornando-a totalmente inoperante. O sinal foi claro: estes territórios ficaram abertos para a entrada do agronegócio, para a entrada dos garimpeiros à procura de riquezas minerais. Isto é, para a ampliar a devastação da região, que o índio ajuda a preservar, pois depende dela para viver.
Foi Sydney Possuelo que mudou a filosofia do Brasil em relação aos chamados povos isolados, povos indígenas sem qualquer contacto com a civilização. A política do estado brasileiro deixou de ser fazer o contacto para depois integrar o índio na “civilização”. “Cheguei à conclusão de que o Estado brasileiro deveria ver onde estão esses grupos, delimitar as suas terras e colocar uma equipa que em vez de ser de contacto, é uma equipa para proteger aquela área e deixá-los viver segundo a sua tradição, seus hábitos, seus costumes”, explica, nesta entrevista dada ao Esquerda.net durante um curto período de passagem por Portugal.
O cacique Raoni publicou recentemente um texto dizendo que os povos da Amazónia estão com medo, e que em breve, todos nós que não moramos na Amazónia também vamos ter medo, por causa da devastação que está a ocorrer lá. O que me pode dizer sobre essa situação que vivem os povos indígenas da Amazónia?
Conheço o Raoni há mais de 50 anos. É um líder Kayapó, uma etnia bastante conhecida no Brasil. E ele sempre foi um líder que combateu o que fazemos em relação à Amazónia, o nosso consumismo grande demais… Enfim, o que se pode hoje falar sobre esse fogo na Amazónia, algo que preocupa muito: tradicionalmente há um processo feito pelos indígenas que se chama coivara. A coivara é o final de um processo que começa com o corte de áreas bem pequenas e restritas, deixa-se a mata secar e depois coloca-se fogo naquilo. Isso é tradicional dos povos indígenas, quando os portugueses chegaram lá esse processo já estava consolidado no meio deles. E nós, os “neobrasileiros”, fomos aprendendo essas coisas com os indígenas.
O grande problema é que agora está demais. O branco começou a usar isso em proporções grandes demais e às vezes perde-se o controlo. Essa ânsia cada vez maior por ter terra, a necessidade do agronegócio, cada vez precisamos plantar mais, produzir mais, crescer… isso é uma coisa sem fim, que nunca acaba.
Então, é preciso que nós meditemos a respeito do meio ambiente, porque ele não é infinito, tem limitações físicas, todos nós hoje já sabemos das suas limitações, e precisamos ter um pouco de visão correta das coisas. A nossa vida, esses 70 ou 80 anos, 90 anos que vivemos passam rapidamente e poderíamos ter uma vida um pouco mais frugal.
Eu não estou propondo todo o mundo ficar nu e voltar de arco e flechas para a floresta; não. Mas acho que poderíamos ser menos consumistas do que somos. Você olha os índios, principalmente um grupo que nós chamamos de isolados. São grupos que não mantêm contacto nem com outros índios. Quando você tem a possibilidade de estar junto a eles, vê que são pessoas despojadas. Um homem nu que utiliza um arco, flecha, elementos primários de defesa e uma incipiente agricultura. E são felizes.
Se pudéssemos medir a felicidade através do sorriso, os índios isolados, principalmente, são os povos mais felizes, porque eles sorriem por tudo e por nada. E essa capacidade de sorrir é muito importante para medir a nossa felicidade.
Foi presidente da FUNAI (Fundação Nacional do Índio) e durante a sua Presidência houve uma enorme demarcação de terras indígenas. Quando tomou posse, o presidente Bolsonaro disse que não iria demarcar nem mais um metro de terra. Pode explicar, para quem não conhece, essa problemática da importância da demarcação de terras e, porque é um desastre não demarcar?
Vou tentar. Na verdade, a terra é o elemento básico sobre o qual vivemos. Sem terra, você não pode viver, ficar flutuando no espaço. Então, demarcamos as terras para os povos indígenas, para eles terem pelo menos um pedaço do que foi toda a terra. O Brasil inteiro era indígena. Hoje temos de delimitar esse espaço para que esses povos possam continuar a viver na sua tradição, na sua cultura. No Brasil, isso já vinha acontecendo há muitos anos. Desde o marechal Rondon, que começou esse processo, até agora. Ainda até há pouco se demarcava terra. Eu tive a possibilidade de, como presidente da Funai, na Presidência de Collor de Melo, num ano duplicar a superfície de terra indígena do Brasil. Era em torno de 500 e pouco mil quilómetros quadrados e hoje é em torno de um milhão e 150 ou um milhão e 200 mil. Isso garantiu parte do território, mas ainda existem vários casos que necessitam de auxílio, principalmente os casos que estão na Justiça.
O Estado demarca a terra, a terra deixa de ser terra devoluta para ser própria da União. Os índios na verdade não têm a propriedade da terra, têm o usufruto permanente
O Estado demarca a terra, a terra deixa de ser terra devoluta para ser própria da União. Os índios na verdade não têm a propriedade da terra. Eles têm o usufruto permanente da terra. Então, não há o menor perigo de demarcar, porque aquela terra devoluta, principalmente nessas áreas amazónicas, nessas áreas de fronteira, pode servir ao narcotráfico, a fazendas ilegais, a desmate ilegal e retirada de madeira, a garimpo ilegal… Essas terras passam a ser da União, e esta, através dos seus funcionários, da Fundação Nacional do Índio, administra aquela terra, no sentido de evitar o esbulho da terra, para que os povos que ali estejam possam viver segundo a sua tradição.
É fundamental que se demarque as terras sem o que os povos indígenas não podem viver.
Essa demarcação, por outro lado, também ajuda na preservação da Amazónia.
Com toda a certeza. São grandes áreas, por exemplo, a terra Yanomami, que foi demarcada na minha época, é a maior terra indígena do Brasil. Outras, também da minha época, que tivemos a possibilidade de demarcar, são áreas grandes que não servem somente para o índio; têm uma importância muito grande no sentido da ecologia do Brasil e grande parte da América do Sul e porque não dizer do mundo? Porque eles não destroem as florestas, eles as mantêm ali. Nós – temos uma área chamada Vale do Javari, que têm uma superfície aproximada à de Portugal. Só uma dessas terras indígenas. E a Yanomami que é maior ainda que a de Portugal. São superfícies imensas aonde a floresta está preservada e nos auxilia muito para manter a biodiversidade, manter as florestas intactas… Isso é mais importante para nós e também para os povos indígenas, que dependem da floresta para poderem sobreviver.
Mas há sempre o perigo da invasão dos territórios indígenas. A invasão do garimpo, a grilagem de terras… A Funai tinha meios para controlar essas invasões. Inclusive tinha autorização para destruir os equipamentos dos garimpeiros. Creio que foi o senhor que disse recentemente que a Funai acabou.
Praticamente. Ainda existe a sigla, mas efetivamente a sua ação de campo depende, primeiro, de equipas, de homens; segundo, depende de equipamentos, depende de combustíveis. Tudo na selva tem um preço alto, porque é preciso levar tudo da cidade e é tudo difícil… A Funai hoje não tem recursos, o governo praticamente cortou, eliminou os recursos que ela tinha, de forma que lamentavelmente a Funai hoje é o produto final da política do sr. Bolsonaro. Ele falou que não demarcava, e para não demarcar o que ele faz? Tira as possibilidades de ação do órgão. O que fica são aqueles órgãos que só existem porque ficam os funcionários, você não pode mandá-los para o espaço. Fica uma Funai inoperante, lamentavelmente, e isso é mau para os povos indígenas.
O Estado brasileiro nunca gostou dos índios. Os Estados de um modo geral. Isso é universal. Os Estados não são amigos dos povos indígenas. Se fazem alguma coisa é por pressão
O Estado brasileiro nunca gostou dos índios. Os Estados de um modo geral. Isso é universal. Os Estados não são amigos dos povos indígenas. Se fazem alguma coisa é por pressão, principalmente dos próprios índios, e às vezes contam com o beneplácito, a compreensão, o entendimento de uma parcela mais intelectualizada da sociedade, das Universidades, etc. Eu nunca digo esse governo ou aquele foi bom. Não, ele foi menos ruim do que o outro que passou.
Vivemos numa época em que isso é muito perigoso. A situação em que eles vivem hoje, segundo o que eu penso, é muito perigosa porque ela não nasceu de uma desavença, de um problema entre um governo e uma comunidade ou as comunidades indígenas. Não: ela é produto de uma política que foi adrede preparada, pensada. Porque quando o presidente fala: “não demarcarei terra. Vou abrir as terras para o agronegócio, ele está claramente mostrando qual é a política dele. E essa política é nefasta para os povos indígenas. É por isso que eu digo que é uma situação extremamente difícil, a que vivem os povos indígenas hoje.
O senhor foi responsável por uma mudança de política do Brasil em relação aos seus indígenas, nomeadamente quanto aos povos isolados. Que significou uma mudança de filosofia. Porque antes se fazia o contacto e passava-se doenças… E agora há uma atitude diferente. Pode explicar esta mudança?
Anteriormente, a política do Estado brasileiro – e isso foi estabelecido por Rondon quando, em 1910, criou o SPI – Serviço de Proteção ao Índio e Localização de Trabalhadores Rurais. Essa parte do nome quase que ninguém fala. Rondon foi um general do Exército do Brasil cuja máxima era “Morrer se preciso for. Matar, nunca!” Ora quando você vê um general, que é preparado para a guerra, dizer uma coisa destas, é um homem especial. E Rondon foi um homem especial na nossa História, nas ações com relação ao índio, na demarcação das fronteiras do Brasil. As fronteiras amazónicas foram feitas por ele. Hoje, temos o estado de Rondônia um nome que o homenageia. Na minha visão, Rondon é um dos maiores, senão o maior dos heróis do Brasil.
Ele era positivista, da filosofia de Augusto Comte. A visão dele era: vamos fazer contacto com esses povos para que eles possam vir e viver connosco e desfrutar das benesses da sociedade moderna, da tecnologia, etc. Bem, os contactos foram feitos, e muitos, foi muito interessante e teve a sua razão de ser naqueles anos – eu estou falando de 1910, dos anos 20, 30, 40... Mas o tempo passou.
A lei no Brasil conhece três tipos, três modalidades de povos indígenas: o isolado – aquele do qual quase não se tem informação nenhuma, nem de quantos são, a sua história, a língua que falam, nada. Existem em alguns bolsões ainda dentro da Amazónia. São normalmente grupos pequenos, do que outrora foram grupos de milhares de pessoas, possivelmente, mas hoje, quando você encontra um grupo de índios isolados com cem, 120 pessoas, já é bastante. E nós temos poucos desses grupos espalhados na Amazónia. Mas a importância deles não é serem poucos ou muitos, a importância deles é que são seres humanos e têm os mesmos direitos humanos que nós temos aqui, nas nossas cidades, segundo as nossas leis, etc. Esse é o primeiro grupo indígena reconhecido pelo governo.
O segundo grupo é o contacto intermitente, e finalmente o terceiro é o grupo integrado.
Não conheço um só grupo indígena no Brasil que esteja perfeitamente integrado à sociedade, porque a sociedade, os governos municipal, estadual, federal, todos eles separam os índios.
De um modo geral, o que eu conheço são os dois primeiros: o isolado e o contacto intermitente. Não conheço um só grupo indígena no Brasil que esteja perfeitamente integrado à sociedade, porque a sociedade, os governos municipal, estadual, federal, todos eles separam os índios. Segregam os índios. E quando eles entram na nossa sociedade, entram sempre na última camada social.
Eu fiz uns sete contactos. O meu aprendizado foi longo, fiz muitas expedições na floresta e fiz sete contactos com grupos indígenas. E foi fazendo esses contactos que eu vi o erro que cometíamos em tentar trazê-los para a nossa sociedade. Cheguei à conclusão de que o Estado brasileiro deveria ver onde estão esses grupos, delimitar as suas terras e colocar uma equipa que em vez de ser de contacto, é uma equipa para proteger aquela área e deixá-los viver segundo a sua tradição, seus hábitos, seus costumes.
Essa política, que com muito custo consegui implementar dentro do governo, tornou-se uma política que hoje é bastante difundida em alguns países da América do Sul. Fiz o primeiro encontro internacional sobre povos indígenas isolados. Entraram os países da América do Sul, as corregedorias de política de cada um desses países, convidei lideranças indígenas, etc. E hoje essa política foi adotada por esses países. A política de proteção, não forçá-los à integração, a coisíssima nenhuma. Preservar o Meio Ambiente e deixar que eles vivam segundo as suas próprias tradições.
Essa foi a política que eu consegui implementar.
Sete contactos é algo fascinante... Cada contacto deve demorar muito tempo, e exigir muito jogo de cintura...
É verdade. Na época em que tentava fazer essa mudança, os sertanistas1 de então diziam para mim: “Mas a glória nossa, do sertanista, é poder dizer que ‘eu sou o pai, eu apresentei ao mundo esse grupo indígena’”. E eu propunha extremamente o contrário. “Você não vai apresentá-los para ninguém. Vai protegê-os”. Eles achavam que isso prejudicava o próprio trabalho do sertanista. Mas eu disse: “não, nada disso. A nossa finalidade é proteger os povos indígenas. Não temos que ter uma visão do que vai beneficiar os sertanistas. Nós temos de ver o que vai beneficiar o objeto do nosso trabalho, que são os povos indígenas.
Foi então que eu criei o Departamento de Isolados, fizemos essas atividades que existem até hoje, seis ou oito delas fui eu que criei, essas frentes de proteção etno-ambiental. Elas existem voltadas exclusivamente para a proteção da terra e para a proteção dos povos indígenas. Por isso ela se chama etno-ambiental.
Acredita que ainda há povos por contactar?
Existem, existem povos isolados. São esses que nós não queremos mais que sejam contactados.
Portanto, já sabem onde eles estão...
Já sabemos. Na verdade, quando começou esse processo, fiz um levantamento. Foram anos de levantamento para saber onde estavam. Naquela época, as informações que tivemos foi que mais de cem pontos deveriam ter índios. Mas aí começámos a trabalhar essas informações, a eliminar as duplicidades, os erros... Muita informação vinha de povos indígenas que diziam: “na cabeceira deste rio há um grupo indígena muito perigoso”... Mas aquilo era informação histórica, aquele grupo já não existia. Fomos eliminando, eliminando, e o que ficou naquela época foi um total de 18 ou 20 pontos que nós sabíamos que existiam porque passámos de aeronave, com GPS, localizámos, fotografámos de longe e deixamos ali. E definimos aproximadamente outros 18 a 20 pontos que deveriam ser trabalhados, que deveriam organizar-se expedições – ou aérea, ou subindo o rio, ou pela floresta – para poder concluir se eles existem ou não. Esse trabalho ainda está para ser feito. Hoje falam em cento e tal grupos, mas não é verdade. Há uma desinformação porque pegaram toda essa parte que eu achei dúbia, em que as informações não tinham substância. Nós temos em torno de 20, 22 grupos, mais talvez uns oito, no máximo, ainda isolados. No máximo 30 grupos que ainda estão isolados.
Pode contar-nos algum episódio que tenha ocorrido num desses contactos que fez?
Há alguns episódios interessantes. Por exemplo: no contacto com os índios Arara. Eles andavam entre a rodovia Transamazónica e o rio Iriri, o afluente maior do rio Xingu. Quando a Transamazónica foi construída na região, dividiu a comunidade. Uma parte da comunidade ficou de um lado da rodovia, a outra parte do outro lado, e não se viam mais. Foi quando começou aquela ocupação em forma de espinha de peixe. Eu estava lá e fui chamado a intervir, por causa dos ataques. E fui. Na verdade, o sistema antigo de fazer esse contacto é assim: a gente faz uma mesa, um tapiri feito dentro da selva, onde a gente sabe que o índio vai encontrar rapidamente, e deixa brindes, coisas que nós sabemos que eles gostam e necessitam. Por exemplo, faca, facão, machado, essas coisas que, muitas vezes, antes do contacto, levaram-nos a atacar brancos para conseguir, principalmente ferramentas. A gente colocava então esse local, a que chamávamos de “tapiri de brindes” serve de termómetro das relações entre você, que está chegando, e o índio que está ali. Esse termómetro é medido da seguinte forma: às vezes a gente coloca o tapiri cheio de coisas, no dia seguinte vai ver e o índio destruiu tudo. Então, ele está realmente zangado, ele não quer saber de você de qualquer forma. Quando ele pega alguma coisa, ele tem alguma disposição, alguma flexibilidade na história, na vida dele, de forma que nos aceita um pouco. Quando ele, além de pegar, deixa um brinde, as relações são melhores.
Nós estávamos nessa fase de os índios Arara pegarem, e como eles eram muito perigosos, tinham matado vários sertanistas, companheiros nossos, fazendas tinham sido atacadas... Note que quando digo que as fazendas tinham sido atacadas, é porque elas estavam agredindo e invadindo a terra deles. Não é que eles saem dali. Eles estão dentro da casa deles, não saíram para lugar nenhum. O branco é que entrou lá.
Debaixo da mata entra pouca luz. E nós íamos sempre conferir esse tapiri, essa mesa de presentes, à tarde. Cinco, cinco e meia... E a gente ficava olhando, porque limpamos ao redor para poder ver as pegadas. De homem, de mulher, de criança, se há crianças o grupo está mais descontraído...
E às vezes a gente voltava um pouco mais tarde. Seis horas, seis e meia, já estava escuro. Eu estava com uma lanterna na mão, pousei em cima desse lugar de brindes, para fazer outra coisa, e esqueci. No dia seguinte, fomos olhar e cadê a lanterna? Os índios levaram.
Passaram-se uns seis ou sete anos depois do primeiro contacto, a gente já os conhecia, vários deles também se expressavam em português, e uma mulher, chamada Coré Coré contou, sem que ninguém pedisse nada: “Sydney, você se lembra, uma vez você deixou aquela lanterna lá? Sabe o que aconteceu?” “Não”, respondi. “Pois vou contar para você”. Eles chegaram. Tudo o que estava em cima dessa mesa era presente para eles. Quando viram aquilo – era uma lanterna dessas cromadas, que brilha – um índio olhou aquilo: “Deixou aqui é para nós levarmos". Pegaram outros brindes e levaram. Lá dentro da mata, como sempre faziam, acenderam o fogo e estavam ao redor fazendo a comida. Um índio com a lanterna na mão. Mexe, mexe, até que empurra o botão que liga. De repente aquele foco iluminou tudo. Ele jogou para o alto e gritou: “Tá vivo!” Todo o mundo se afastou. Ficou a lanterna caída no chão, aquele facho de luz. “Se está vivo, vamos matar”. Cada um pegou um pau, o outro um facão, com medo, foram devagar e começaram a bater, bater, bater, quebraram a lanterna e ela desligou-se. Jogaram-na dentro do fogo e voltaram a sentar-se. Mas dentro da lanterna estavam as pilhas. E aquilo ficou ali no fogo, foi esquentando, esquentando, e de repente fez: "tufff". As pilhas explodiram e eles gritaram “Tá vivo novamente” e saíram correndo e foram acampar em outro lugar – “Não ficaremos mais aqui”. Essa é uma história interessante, mostra a distância que há entre nós e eles.
1 É o próprio entrevistado que explica: “sertanista vem da palavra Sertão. Sertão, como era usado antigamente, não tem a conotação de hoje. Hoje dizem Sertão, normalmente, para uma certa área do Nordeste do Brasil. Mas antigamente não. Antigamente, o Sertão era a grande floresta. O sertão começava ali no alto de São Paulo, onde era o pátio do colégio. Ali era a boca do Sertão. E na medida em que foram expandindo a ação de ocupação, a boca do sertão cada vez ia mais longe.”