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Os EUA ainda reconhecem a Declaração Universal dos Direitos das Crianças?

Num país que se coloca à margem dos esforços de paz e dos direitos humanos na ONU, que garantias poderá dar no respeito pelo trabalho da UNICEF e da Declaração Universal dos Direitos das Crianças? Por José Lopes
Foto de @NIJC/Twitter
Foto de @NIJC/Twitter

Com exceção das nefastas consequências para os povos, que resultam do belicismo que sempre caraterizou as políticas imperialistas dos sucessivos inquilinos da Casa Branca, republicanos ou democratas. Nem mesmo as medidas fomentadoras de mais instabilidade mundial e reforço do unilateralismo, como a guerra comercial com a China e a União Europeia ou a retirada dos EUA do acordo nuclear com o Irão e mesmo a provocatória mudança da embaixada norte-americana em Israel para Jerusalém, chocaram tanto a opinião pública como a desumana separação de crianças dos seus pais, perante imagens sinistras, em que as crianças eram arrancadas dos braços dos pais que procuram novas oportunidades nos EUA, fugindo tantas vezes da violência nos países de origem na América Central. Famílias que ironicamente acabam separadas forçadamente na terra da “liberdade” em que os menores são detidos e os pais acusados de passarem a fronteira ilegalmente no âmbito da estratégia de “tolerância Zero”, nesta era Donald Trump em que se deve questionar, se os EUA ainda reconhecem a Declaração Universal dos Direitos das Crianças?

A indignação e revolta, desde logo nos próprios EUA causada por tão chocantes imagens, obrigaram o populista presidente republicano a encenar mais um exuberante momento de propaganda, com a assinatura de um despacho executivo, propondo-se aos olhos do mundo incrédulo, pôr fim às separações forçadas, cuja lei instigada pela cruzada da sua presidência para desincentivar a imigração dita ilegal, continua em vigor mantendo-se a separação de milhares de crianças dos seus pais. Trapalhadas que Trump protagoniza ao serviço de políticas que exploram os efeitos da crise, normalizando respostas racistas e autoritárias, que incentivam o crescimento da extrema-direita.

Mais do que exibir uma assinatura presidencial, são urgentes medidas efetivas que travem tão degradantes e desumanos acontecimentos em que crianças foram, em alguns casos, encerradas numa espécie de “jaulas”, que deixaram o Ocidente perante um absurdo intolerável e humilhante, que ansiosamente, a exemplo de tantos outros dramas humanos em vários pontos do mundo, só deseja que tais imagens perturbadoras se diluam no tempo e na velocidade das redes sociais, para que se alivie o peso de consciência, mesmo quando se está perante governantes que viram as costas aos direitos humanos.

A desumanização demonstrada pela Administração Trump relativamente a menores, que com suas famílias atravessam as fronteiras, não deixa afinal de ser coerente com o abandono da UNESCO por parte dos EUA, a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura, fundada logo após o fim da Segunda Guerra Mundial. Uma caminhada arrogante de desprezo pela ONU, que tinha começado no desinvestimento na Educação, o que objetivamente só favorece o populismo que perigosamente põe em causa a liberdade e a democracia.

Nesta cavalgada de afronta às Nações Unidas, Trump passou ainda das ameaças à prática ao concretizar a saída do Conselho de Direitos Humanos da ONU como que a legitimar a sua política de “tolerância zero”, que está a implicar deter menores que em parte, os pais entretanto deportados, lhes perdem o rasto depois de dolorosos processos de custódia e distribuição por instalações espalhadas pelo país, através de organismos federais, como a Agência de Recolocação de Refugiados nos EUA.

Num país que se coloca à margem dos esforços de paz e dos direitos humanos na ONU, que garantias poderá dar no respeito pelo trabalho da UNICEF e da Declaração Universal dos Direitos das Crianças? Que direito à igualdade, sem distinção de raça religião ou nacionalidade, pode garantir um governo que cria mecanismos de uma desumanidade tal que vão marcar para sempre gerações de crianças cujos crimes cometidos pelos pais e familiares, foram o de lhes querer proporcionar um futuro diferente da violência ou da miséria a que estão sujeitos nos seus países de origem.

Quantos princípios da Declaração Universal dos Direitos das Crianças estarão a ser desprezados nesta “tolerância zero” de Trump, quanto ao “direito a especial proteção para o seu desenvolvimento físico, mental e social”. Perante o que o mundo testemunhou, que condições estão a ser asseguradas para que estas crianças separadas dos pais, tenham direito, nomeadamente, “a crescer e desenvolver-se em boa saúde”, sendo para tal garantido proporcionar igualmente à mãe tais princípios universais.

No entanto, nesta linha de acontecimentos ultrajantes dos direitos humanos num país governando pelo populismo fundamentalista, que “direito ao amor e à compreensão por parte dos pais e da sociedade” gozam as crianças com leis promotoras de ódios e retrocesso civilizacional? Que amor e compreensão se está a proporcionar a estas crianças vitimas, para “o desenvolvimento pleno e harmonioso da sua personalidade”, quando tais condições exigem o amparo e a responsabilidade dos seus pais, salvo circunstâncias excecionais que não serão certamente “saltar” as fronteiras que dividem povos, por mais difíceis de vencer que sejam as barreiras ou os muros que os pais que amam os filhos são capazes de derrubar.

Quase seis décadas depois da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (20/11/1959) ter aprovado por unanimidade o documento que viria a ser assumido como a Declaração Universal dos Direitos das Crianças, a UNICEF não pode ser silenciada perante o drama vivido nos EUA pela era Trump, mesmo que isso implique, a exemplo de outros organismos da ONU, o amuo e ameaça de abandono, porque o principio “à igualdade, sem distinção de raça, religião ou nacionalidade” consagrado na Declaração Universal dos Direitos das Crianças e inerentes à sua família, não podem ser negados, independentemente “da raça, cor, sexo, idioma, religião, opiniões políticas ou de outra natureza, nacionalidade ou origem social, posição econômica, nascimento ou outra condição”. Seja porque tipo de regime ou governo for. Mesmo por quem se arroga dono do mundo e o quer à sua imagem e semelhança.

Felizmente que o futuro, mesmo com todas as ameaças de governantes de hoje, a exemplo de Trump, será das crianças.

Texto de José Lopes (Ovar)

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