Esta segunda-feira, o jornal Politico, especializado em política europeia, avançou que Von der Leyen procurou atrasar a divulgação de um relatório sobre ataques à liberdade de imprensa em Itália. A atual presidente da Comissão Europeia procura assegurar o apoio dos líderes europeus de extrema-direita, especialmente Georgia Meloni, primeira-ministra italiana, para a sua reeleição.
Este órgão de comunicação social cita quatro fontes anónimas da Comissão que clarificam que o relatório anual sobre o Estado de Direito na UE deveria ser aprovado a 3 de julho mas que se espera um atraso até se confirmar a continuidade de von der Leyen no cargo.
Apesar do Parlamento Europeu ter agendado a votação para presidente da Comissão Europeia para 18 de julho, os nomes indicados dependem do Conselho Europeu (chefes de Estado e de governo). O processo pode prolongar-se durante o verão e apenas ficar concluído em setembro pela tentativa de aproximação de von der Leyen e Meloni, para a qual o procedimento de sanções de violação do Estado de Direito é crucial.
José Gusmão, eurodeputado bloquista ainda em funções, comentou: “Sabemos que Von der Leyen anda a namorar Meloni pelo seu apoio. E fomos sendo habituados aos conflitos de interesse dentro da Comissão. Mas usar o cargo de presidente para trocar favores é outro nível de perversão. As tais linhas vermelhas de Von der Leyen parecem chiclete: elásticas e descartáveis.”
Estado de Direito enfraquecido em Itália
Nos últimos dois anos, o governo de Meloni tem enfraquecido a liberdade de imprensa em Itália. Ativamente procurou restringir os conteúdos da televisão pública RAI, levando a uma greve de jornalistas em maio contra a tentativa de “tornar a RAI numa porta-voz do Governo”. A greve foi convocada também no seguimento de Itália, no espaço de um ano, ter caído cinco posições no ‘ranking’ dos Repórteres Sem Fronteiras sobre a liberdade de imprensa no mundo, do 41.º lugar para o 46º.
Para além disso, Meloni tem utilizado a abertura de queixas de difamação contra jornalistas pela divulgação de notícias na tentativa de limitar cada vez mais o trabalho e a expressão dos repórteres italianos. O ano passado, esta tática levou, inclusive, a um primeiro alerta pela Comissão Europeia no seu relatório sobre o Estado de Direito.
Itália
Em véspera do dia da Libertação, Meloni ataca aborto e RAI censura antifascista
Eleição direta do primeiro-ministro
Enquanto ganha protagonismo europeu, na frente interna a primeira-ministra italiana não faz por menos e chama à sua reforma constitucional a “mãe de todas as reformas”. A peça principal da proposta é a eleição direta do primeiro-ministro, alegando-se que assim a estabilidade seria reforçada. O papel do presidente e do Parlamento sairiam diminuídos. Sendo que, em caso de aprovação de uma moção de desconfiança face ao chefe do executivo a dissolução do Parlamento passaria a ser automática.
Na calha está ainda a reforma do poder judicial que a oposição considera que sujeita o Ministério Público ao governo. Está prevista a separação de formação, carreiras e estatuto entre juízes e procuradores.
Nesta terça-feira, a medida foi aprovada no Senado mas o caminho legislativo até poder entrar em vigor será ainda muito longo. A aprovação teria de acontecer nas duas câmaras do Parlamento italiano por uma maioria de dois terços que a coligação governamental não dispõe, estando prevista a possibilidade de um referendo caso não se atinja este patamar.
Uma reforma das regiões para a desigualdade territorial
A par desta proposta, no parlamento italiano foi aprovada esta quarta-feira, com 172 votos a favor e 99 contra, uma reforma promovida pela Liga de Matteo Salvini, parceiro de coligação de Meloni. O partido de extrema-direita que nasceu de uma matriz independentista do norte do país quer dar mais poderes às regiões, nomeadamente em serviços públicos como a educação e saúde, nas prestações sociais e no sistema fiscal, o que está a ser criticado por vir a agravar a divisão entre as zonas mais ricas a norte e as mais pobres a sul.
A sessão acabou com a oposição unida a cantar o hino nacional e a agitar a bandeira italiana enquanto que os deputados da Liga mostravam a bandeira amarela e vermelha com um leão alado da República de Veneza.
Com Meloni a conseguir concentrar o eleitorado de extrema-direita e com um resultado residual nas últimas europeias, o partido de Salvini volta à propaganda regional em busca de apoios para sobreviver.
Elly Schlein, dirigente do Partido Democrático, de centro-esquerda, disse na sessão que a votação “sancionou a existência de cidadãos de primeira e de secunda classe”. Corre agora uma petição para recolher meio milhão de assinaturas, as necessárias para levar o tema a referendo já que, ao contrário da reforma constitucional, esta medida pode ser facilmente implementada.
Uma Frente Popular, versão italiana?
O La Repubblica aproveita a onda francesa e titula: “antifascismo e unidade: sob o palco nasce a Frente Popular em versão italiana”.
Depois destas aprovações, largos milhares de pessoas juntaram-se na Praça dos Santos Apóstolos em Roma, respondendo ao apelo da oposição em defesa da “unidade”, uma das principais palavras de ordem ouvidas, a par da tradicional canção antifascista Bella Ciao.
Partido Democrático, Movimento Cinco Estrelas, Aliança dos Verdes e da Esquerda, Refundação Comunista, Mais Europa e sindicatos juntaram forças e, na manifestação, Schlein lançou um apelou à unidade dos partidos da oposição contra os ataques à Constituição, afirmando que “juntos, bloquearemos a direita que enfraquece a democracia”. Considera que estamos “num momento crucial da história italiana e europeia” e por isso “basta de divisão”, “preparemo-nos, unidos e compactos”.
No mesmo comício, o atual dirigente do M5S, Giuseppe Conte, critica Meloni por “vender a unidade do país” só para contentar o seu parceiro de coligação. A proposta de reforma, para ele, “rompe Itália” e o resultado será que “as regiões mais desfavorecidas do sul piorarão, ficarão cada vez mais para trás”. Apela a que os cidadãos do norte “não caiam na armadilha” porque esta reforma também os empobrecerá a médio e longo prazo quando um empresário encontrar legislações distintas ao mudar de região”.