O SNS tem de ser suficiente para oferecer cuidados universais e gratuitos a toda a população

11 de agosto 2019 - 17:27

O privado tornou-se num enorme monstro que onera e pesa sobre o serviço público, sendo preciso blindar o SNS a essa predação, afirma Bruno Maia. Em entrevista ao Esquerda.net, o candidato do Bloco pelo Porto reflete sobre as urgências do SNS.

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Porque é que aceitaste estar na lista do Bloco?

Essencialmente por causa do programa do partido. O Bloco tem hoje um programa político maduro e ousado, para fazer a diferença à esquerda do que não tem sido feito ao longo das últimas décadas. Representa uma força de modernização e de progresso no sentido de dar mais direitos às pessoas e de melhorar a economia do país.

És ativista de várias áreas e movimentos sociais. Em relação ao SNS, foi agora aprovada uma nova lei de bases. É suficiente para salvar o SNS?

A lei de bases é um bom começo, mas não é suficiente. É um primeiro sinal de que temos de começar a arrepiar caminho em relação à política de saúde das últimas décadas.

Temos uma lei de bases de 1990 que estimula o Estado a financiar a medicina privada. Não queremos isso. Mudou muita coisa em 30 anos. Os privados cresceram muito. Há mais camas de internamento em unidades hospitalares privadas do que públicas. O privado tornou-se num enorme mostro que onera e pesa sobre o serviço público e temos de blindar o SNS a essa predação.

A lei de bases é um bom começo. É uma proteção que dá ao SNS, porque vai dizer aos futuros governos que o SNS não pode ter gestão privada. Tem de valer por si mesmo, não pode continuar num caminho de recorrer aos privados para oferecer cuidados às pessoas. Isto tem sido o caminho nos últimos anos - concessões, acordos com seguros, com hospitais privados - para substituir o que falta no SNS.

O SNS tem de ser suficiente para oferecer cuidados universais e gratuitos a toda a população. O que está para lá do SNS tem de ser simplesmente supletivo, e sobretudo temporário. Tem de valer ao país enquanto o SNS tiver algumas falhas. Mas o sentido da política de saúde tem de ser o crescimento do SNS de forma a aumentar a capacidade instalada para conseguir cobrir todos os cuidados de saúde.

Atualmente, qual é a situação legal da canábis?

O Bloco conseguiu fazer aprovar uma lei da canábis medicinal. Uma parte dessa lei acabou por ser degradada nas negociações na comissão parlamentar de saúde pelo PCP e pelo PSD, e também pelo CDS, obviamente. A lei da canábis medicinal previa que todos os doentes que precisassem de canábis como forma de medicamento pudessem ter acesso a ela através do serviço público de saúde e que pudessem também cultivá-la. Existem hoje em dia doentes que precisam de canábis para fins terapêuticos e fazem o cultivo na sua casa. Atualmente, estão sujeitas a prisão, a serem acusadas de tráfico de droga. Aliás, há casos em tribunal a decorrer sobre isto.

O Bloco propôs a legalização do autocultivo para os doentes. O PCP, o PSD e o CDS contrapuseram com uma interdição desse autocultivo. Neste momento, em Portugal, temos grandes empresas multinacionais que estão a plantar e produzir canábis que vendem a outros países e pretendem vender em Portugal, mas os próprios doentes não a podem produzir. É uma lei que discrimina de forma gritante o doente em relação às grandes multinacionais que produzem a canábis.

É preciso estimular que as instituições de saúde democráticas resolvam este impasse. Temos uma lei que autoriza a restrição médica de canábis, mas no terreno não temos os procedimentos ainda implementados. O Infarmed tem de dar seguimento rápido a isto. Já passou mais de um ano desde a aprovação da lei e as pessoas ainda nao têm acesso legalizado à canábis, de que precisam.

Mas temos de dar um passo mais em frente, para a legalização da canais recreativa. Isso vai implicar que se faça justiça em relação à canábis, por comparação com outras substâncias que consumimos, como a cafeína e o álcool, que são aditivas, mas que estão imiscuídas na nossa cultura ao ponto de as encararmos como normais e socialmente aceitáveis. A canábis tem de estar neste rol de substâncias, porque é claramente menos prejudicial do que o álcool ou o tabaco. Ao fazermos essa batalha pela justiça da regulamentação da canábis recreativa, estaremos a facilitar o acesso dos doentes à canábis medicinal. Porque, ao fazê-lo, estamos a possibilitar que esses mesmos doentes tenham acesso mais facilitado ao medicamento de que precisam e também a protegê-los de uma acusação de tráfico de droga no caso de cultivarem essa canábis em casa.