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O que nos diz a estatística sobre a segurança das vacinas?

Virgilio Gómez Rubio e Anabel Forte Deltell, especialistas em estatística, contabilizam o risco das vacinas para a Covid-19 e explicam o seu processo de avaliação.
Vacina contra a Covid-19. Foto de Manatee County Government/Flickr.
Vacina contra a Covid-19. Foto de Manatee County Government/Flickr.

Por estes dias é impossível abrir um meio de comunicação social ou rede social e não se deparar com a agitação causada pelo surgimento de efeitos secundários adversos graves nas vacinas da Covid-19. Em concreto, o alarme foi causado pela deteção de um tipo de trombose sanguínea rara, no passado mês de março, associada à vacina da AstraZeneca, segundo a Agência Europeia do Medicamento.

Neste contexto é compreensível que surjam dúvidas sobre se a aceleração do processo de aprovação das vacinas poderia ter levado a uma situação de risco para a saúde. Evidentemente, este tipo de notícias pode ser abordado a partir de vários pontos de vista. Acreditamos que é importante fazê-lo a partir do dados e análises estatísticas.

Assim, há que ter em conta duas questões. Por um lado, entender os valores que foram reportados como ricos: o que significam e como interpretá-los. Por outro, entender como acontece o processo de aprovação de um fármaco.

O risco do ponto de vista dos dados

Se lermos o prospeto de qualquer medicamento observaremos que existe uma classificação dos efeitos secundários que os divide em raros e muito raros. Entende-se que um efeito secundário é raro quando esperamos que, em cada 1.000 pessoas medicadas, apenas uma o sofra. Para o caso dos muito raros esta proporção é de uma ocorrência para cada 10.000 pessoas que o tomam.

No caso concreto do surgimento de coágulos com a vacina de AstraZeneca, o risco estimado (na data de quatro de abril de 2021) é menos de um caso por cada 100.000 pessoas vacinadas. Em particular, se quisermos realizar o cálculo exato, devem dividir-se os 222 casos detetados pelas 34 milhões de pessoas vacinadas, o que nos dá um valor 0,65 (menor de 1) por cada 100.000.

Talvez uma forma de entender o que isto significa seja compará-lo com outros riscos conhecidos. Por exemplo, o risco de morrer de um acidente de tráfego que, em 2018, foi de menos de cinco casos por cada 100.000 habitantes. Ou o risco de sofrer de uma trombose dos vasos sanguíneos cerebrais (como a causada pela vacina) na população geral, que é de um caso por cada 100.000 habitantes, segunda a Sociedad Española de Trombosis y Hemostasia.

Convém destacar que todos estes riscos estão calculados para uma população geral, maior de vinte anos e que, claro, pode mudar entre tipos de população e faixas etárias. De facto, no caso das tromboses (tanto as associadas à vacina como as que não o estão) o risco é maior para as mulheres do que para os homens. Também se encontram diferenças entre distintos grupos etários, como se pode ver no estudo realizado pelo Winton Centre de Cambridge.

Para além disto, é importante perceber que o risco de trombose devido à vacina se concentra nas duas semanas posteriores à sua administração, enquanto que o resto dos riscos estão avaliados para um ano.

Então porque é que não se tinha calculado este risco no processo de aprovação da vacina? A resposta mais simples é: por uma questão estatística.

Avaliação da segurança de um fármaco

O processo de aprovação para uso de uma vacina, que é conhecido como ensaio clínico, consta de várias fases.

Nas primeiras fases deste ensaio realiza-se um primeiro estudo da segurança do fármaco. Primeiro num número reduzido de pacientes, fase I, onde um sintoma com um risco como o do caso que nos ocupa pode passar despercebido. A razão é que a probabilidade de observar um destes casos é extremamente pequena quando, como acontece nesta fase, o tamanho da amostra é reduzido. No caso desta vacina estamos a falar de umas 500 pessoas e, portanto, de uma probabilidade de 0,003 de se observar pelo menos uma ocorrência.

Se o medicamento passar esta primeira fase, a segurança volta a ser testada na fase III, na qual o grupo de participantes será maior, permitindo detetar efeitos adversos graves menos habituais. Contudo, a probabilidade de detetar pelo menos um caso deste tipo de trombose continua a ser muito baixa. No caso da vacina da AstraZeneca, no qual estamos a falar de cerca de 12.000 pacientes vacinados, esta probabilidade seria de 0,075.

Depois de superar estas fases, a vacina é comercializada, mas mas continua a ser seguida no que se costuma denominar a fase IV. Esta é a situação em que se encontram atualmente as vacinas que estão a ser administradas. Trata-se de uma fase em que é possível que ainda nos encontremos com mais algum efeito adverso, mas cujo risco continuará a ser muito pequeno. Isto é apenas uma prova do êxito dos mecanismos de farmacovigilância, capazes de detetar até os riscos menos frequentes e poder avaliá-los.

Em todo o caso, é importante comparar os riscos associados a estas ocorrências com os associados à doença que pretendem prevenir. Por exemplo, com o risco de sofrer trombose associada à Covid-19 que a Sociedad Española de Trombosis y Hemostasia estima entre 1.000 casos por cada 100.000 pessoas com Covid-19 leve (uns 1%) e 25.000 por cada 100.000 nos casos mais graves (uns 25%).


Virgilio Gómez Rubio é professor do Departamento de Matemáticas da Universidade de Castilla-La Mancha. Anabel Forte Deltell é doutorada em Matemáticas e professora na Universidade de Valência, Departamento de Estatística e Investigação Operativa.

Artigo publicado no The Conversation. Traduzido por Carlos Carujo para o Esquerda.net.

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