O homem que abre portas nos negócios

23 de maio 2012 - 0:48

Do BPN ao "mensalão", nos últimos anos o nome do ministro Miguel Relvas surgiu associado a figuras envolvidas em escândalos que têm em comum a promiscuidade entre políticos e negócios.

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Relvas em Angola, onde viveu em criança até aos 13 anos. Foto Lusa.

Na Finertec, fez negócios para Angola

A notícia passou quase despercebida na imprensa em janeiro do ano passado: no julgamento do caso BPN, um dos investigadores explicou ao tribunal que a função do Banco Insular (criado em Cabo Verde pela SLN de Oliveira e Costa, Dias Loureiro e outras figuras do cavaquismo) era "servir os empresários angolanos que queriam meter dinheiro fora de Angola". Mas acrescentou outras ligações a bancos também registados em Cabo Verde e que serviriam de plataforma para os mesmos fins: o Banco Sul Atlântico e o Banco Fiduciário Internacional, proprietário da Finertec, a empresa onde Miguel Relvas foi administrador antes de entrar para o Governo, a par de António Nogueira Leite, nomeado por Passos Coelho para a Caixa Geral de Depósitos e que antes dirigia a sociedade gestora de mercados não regulamentados OPEX.

A Finertec também é administrada pelo vice-presidente da Fundação Eduardo dos Santos, António Maurício, e mais recentemente pelo deputado socialista Marcos Perestrello, que participou nas recentes audições parlamentares sobre os serviços secretos. Tem à frente o investidor José Braz da Silva, que se candidatou no início de 2011 à presidência do Sporting com a promessa de um fundo de 50 milhões com rentabilidade de 8% ao ano, criado pela OPEX, noticiou o Diário Económico. Disse ainda que a comissão de honra da sua candidatura integrava os ministros do Petróleo e das Relações Exteriores de Angola, o então secretário de Estado da Defesa Português, Marcos Perestrello, e o professor universitário João Duque, que Relvas depois nomeou para elaborar um relatório sobre o serviço público de televisão. Braz da Silva acabou por desistir da candidatura, alegando não querer pactuar com "o estado de guerrilha permanente" no interior do clube.

A página internet do Banco Fiduciário Internacional atrai os potenciais clientes – "particulares com elevado património", empresas e entidades institucionais – a abrir contas em Cabo Verde com três argumentos: "a fiscalidade para os clientes do BFI é nula", "a violação do segredo bancário é crime" e "o sistema financeiro é moderno e competitivo". Promete ainda a "facilitação de negócios internacionais" aos seus clientes, disponibiliza cartões de crédito e garante transferências bancárias internacionais "para literalmente todo o mundo".

"Abriu portas" a Vakil e foi ter com Dias Loureiro a Miami

Outra notícia relacionada com o atual ministro adjunto surgiu a meio da campanha eleitoral para as últimas legislativas no semanário "Sol" e dava conta de um "encontro reservado" em Miami, que juntara Miguel Relvas e Dias Loureiro . Nunca se soube o tema da conversa que juntou na Florida estes dois homens que já se sentaram na cadeira de secretário-geral do PSD e que no mínimo são pouco cuidadosos na escolha dos negócios em que se metem. Outra empresa administrada por Relvas foi a Kapaconsult, empresa de cliente único - o banco Efisa, do grupo BPN, liderado por Abdool Vakil.

"Prestou serviços muito úteis, pois abriu-nos portas no Brasil", disse o ex-presidente do Efisa ao jornal Público em novembro passado. Segundo o Público, ainda antes do BPN ser nacionalizado, Miguel Relvas foi intermediário de um negócio de emissão de dívida lançada pela prefeitura do Rio de Janeiro - que depois o tornou cidadão honorário - no valor de 500 milhões de dólares.

Do Rio ao Nordeste, o Brasil de Relvas

Uma investigação da revista Visão, em setembro passado, fala da velha amizade de Relvas com José Dirceu, antigo dirigente do PT implicado no esquema do "mensalão", hoje homem de negócios e representante de empresas estatais e privadas muito interessado em "abrir portas" entre empresas brasileiras e angolanas e que também é visto como protetor dos investimentos da empresa Ongoing no Brasil. A empresa é ali liderada pelo amigo e ex-colega de bancada do PSD Agostinho Branquinho. Citado na reportagem, um jornalista e administrador do jornal Estado de São Paulo vê na Ongoing o "cavalo de Tróia" de Dirceu numa estratégia para dominar os media no espaço lusófono.  "Os banqueiros por trás dela vieram a calhar", diz Fernando Mesquita sobre a empresa que também é candidata à privatização da RTP, outro dossier nas mãos do ministro Miguel Relvas.



Ainda segundo a Visão, a partir de 2009 os negócios e as deslocações de Relvas no Brasil aumentaram, muito por causa da introdução do sistema informático Alert nos serviços de saúde de vários Estados brasileiros, com Relvas no comando da estratégia da expansão da empresa, a partir de 2007 em Minas Gerais. Antes de entrar no governo, o ministro dos Assuntos Parlamentares era presença muito assídua no Nordeste e chegou a marcar presença no casamento do filho do ministro Fernando Bezerra em Recife. Estabeleceu contactos com a agência de marketing Arcos, que conheceu há dois anos através de Marco António Costa, atual secretário de Estado da Segurança Social e ex-vice de Menezes na Câmara de Gaia. O dono da empresa tem o ex-tesoureiro do PT no "caso mensalão" como padrinho de casamento e tem visto a sua empresa vencer grandes contratos de comunicação com as empresas estatais. Depois de Gaia, Relvas trouxe-o a conhecer a sede nacional do PSD e ajudar a fazer a campanha de Passos Coelho, associada à MCI, outra grande agência do meio político e empresarial brasileiro.



As ligações ao meio empresarial brasileiro levaram-no a integrar o conselho de curadores da Fundação Luso-Brasileira, fundada por João Rendeiro, o ex-banqueiro do BPP caído em desgraça, e atualmente presidida por Miguel Horta e Costa, o ex-presidente da Portugal Telecom nomeado em dezembro por Passos Coelho Comissário-Geral "para o Ano de Portugal no Brasil e para o Ano do Brasil em Portugal em 2012/2013".

Da "jota" ao Governo, um percurso nada singular

Se retirarmos a acumulação da representação parlamentar com a intermediação de negócios, o percurso de vida de Miguel Relvas não é muito diferente de Passos Coelho ou José Sócrates, que pertencem à mesma geração: aos 24 anos tornou-se deputado com a primeira vitória eleitoral de Cavaco Silva, enquanto fazia o seu caminho nos corredores da jota laranja. Nos 24 anos seguintes frequentou os corredores do Palácio de São Bento, até sair para o lugar de braço direito de Passos Coelho, conservando gabinete na AR por ser titular da pasta dos Assuntos Parlamentares. A licenciatura, obtida na Universidade Lusófona em Ciência Política e Relações Internacionais, chegou aos 46 anos de idade. Suspendeu o mandato parlamentar para ser secretário de Estado da Administração Local de Durão Barroso, entre 2002 e 2004 e ocupou a secretaria-geral do seu partido entre 2004 e 2005 e novamente a partir de 2010. Desde 1997 tem sido eleito presidente da Assembleia Municipal de Tomar, onde ganhou raízes desde que aos 13 anos entrou como aluno interno no Colégio Nun'Álvares a seguir ao 25 de Abril, vindo de Angola, onde passou a infância.

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