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O debate torna-nos sempre mais fortes. Mais um contributo.

Contributo de Rui Maia

É preciso perceber os sinais dados pelos eleitores!”, “Temos muito trabalho a fazer nos programas!”, “Temos de puxar a luta para cima!”, “Apresentar solução de governo!”, “Temos de tentar transformar o capitalismo!”

No clima de medo e de chantagem criado pelos governos dos dois grandes partidos - PS e PSD - um pequeno partido - o BE - disputou ideias e propostas com o objectivo de garantir os direitos essenciais na vida da maioria das pessoas. Enquanto o PS e o PSD assinavam o acordo para formalização de uma austeridade agressiva e o capital ensaiava a proposição de todos os seus desejos para o país da exploração sem limites, o BE, de uma dimensão orgânica e organizativa totalmente diferente de qualquer dos outros partidos com representação nacional, fazia o combate mais difícil desde o seu nascimento, porque sabia que a formalização do acordo com a troika, a neutralização de alternativas e de um debate sério sobre o mesmo, permitia à direita, ultra-liberal, capitalista e agressiva, a aceitação e socialização da direcção política inevitável e até necessária para o país para os próximos (largos) anos. A percepção sobre as dificuldades necessárias estava em jogo como forma de capturar direitos que custaram vidas e anos de luta social. De um lado estavam os grandes patrões e donos do país, juntos ao PS, ao PSD e ao CDS, do outro lado, Bloco de Esquerda e PCP. As propostas apresentadas pelo BE, sistematicamente destruídas e denegridas na opinião pública, eram e são parte de um programa politicamente avançado para a realidade que hoje vivemos. Ele apresenta ao país alternativas, enquadradas num quadro capitalista agressivo, no confronto mais importante com o capital: a existência e qualidade de serviços públicos universais e gratuitos e o direito ao trabalho com direitos.

Não integramos novas experiências”. “Temos dificuldade em ouvir”. “Temos de assumir responsabilidades, é preciso dizer presente!”. O PS há-de ter “um líder capaz de contrariar a crise de identidade que o PS vive.”

Mas a luta mais pronunciada e desagregadora da esquerda não começou nas eleições legislativas de 2011, começou antes. Ao mesmo tempo que o PS servia (e serve afincadamente) a hegemonização da ideologia liberal naquele que é o campo eleitoral e de massas da esquerda, o BE tentou disputar política na convivência com alguma dessa base, de esquerda, aprender com essa experiência e dar continuidade, arriscando, à estratégia de criação de um novo polo de esquerda em Portugal. Nas presidenciais, com a candidatura de Manuel Alegre, e no pequeno espaço criado no seio do partido socialista, o BE tentou fazer expandir a sua proposta política em defesa da democracia e dos direitos sociais. O BE, fundando-se em compromissos assumidos pelo colectivo, de pessoas com histórias e visões diferentes na esquerda, elegendo programas essenciais a defender, conseguiu construir um novo e determinante campo de expansão da esquerda. Nesse campo, o BE nunca irá esperar, depender, sustentar ou suspender a sua estratégia enquanto " o PS escolhe, se conseguir, um líder capaz de contrariar a crise de identidade que o PS vive". Nas presidenciais, apoiando um candidato que criou ruptura no PS sobre temas essenciais, disputamos a política para a esquerda. Esta disputa foi feita contra um partido.que optou há muito pela alternância de poder, ou seja, pela concentração de poder no capital.

O BE tornou-se pela sua escolha e pela sua forma, alvo preferencial de um grande acordo hegemónico nos media que inclui a voz do PS, PSD e CDS. A existir uma variável de incerteza na política em Portugal, ela só poderia ser protagonizada pelo Bloco. Entretanto, o PS, que também apoiara formalmente a candidatura de Manuel Alegre, não fez campanha e optou pela desistência prática e orgânica em relação ao seu candidato. José Sócrates na noite das eleições fez uma intervenção que poderia enganar um espectador mais distraído, congratulando-se com a escolha dos portugueses pela estabilidade política (ou seja, pela eleição de Cavaco Silva). Essa era não só a posição de José Sócrates, como da esmagadora maioria dos dirigentes do PS a nível nacional e também dos dirigentes locais e autárquicos, cuja posição e acção sobre a candidatura foram semelhantes: não participação e escolha tácita de Cavaco Silva para presidente. O Bloco procurando a abertura, foi derrotado na luta política, nas eleições, contra a direita, contra os media, mas também com muita dificuldade em criar mobilização em torno da candidatura que apoiava, mesmo na esquerda, mesmo dentro do BE. Em contraste, as lideranças do PS mostraram-se unidas, pela direita.

O poder autárquico tem menos diferenças ideológicas e permite alianças à esquerda e construção de confiança entre bases partidárias”. “Não há equilíbrio na acção social e representação institucional”.

Hoje, perante os resultados das eleições legislativas, muitos sugerem, ou simplesmente esboçam, erros fundamentais da direcção do BE, pedindo a sua substituição imediata, não apontando claramente (ou sequer pouco claramente) qual a sua divergência com a linha política do BE, aquela eleita na Convenção de Maio. Portanto, para estes, e apesar da aparente radicalidade do seu discurso e da enunciada profundidade da crítica sobre os problemas apontados, os resultados das eleições são os mais importantes, elemento mais forte, da acção social e de representação de massas. Fazem a linha, a estratégia e a direcção política depender da percentagem de votos obitda. Mas esta estratégia, ainda que reluzente e embalada participadamente pelos mass-media, foge à política e à intervenção social de movimento (como nos definimos), aproveitando a derrota eleitoral como estrada para uma nova estratégia de fundo, procurando alianças em torno do poder, deixando de olhar para os programas e intervenção política para se sustentar em lugares elegíveis e falta de compromisso enquanto forma de chegar politicamente aos cidadãos. Até, enquanto forma de aumentar a intensidade da participação e força dos activistas do BE, ignorando a realidade dura repetidamente apontada pelos activistas autárquicos eleitos pelo BE, independentes, ou não. Miragens. O BE não organiza alianças estratégicas de assalto ao poder local para ter a oportunidade de fazer a renovação de um jardim que legitimará a privatização de uma avenida e não branqueará a corrupção profunda no poder local mais escuro e blindado por redes de influências que podemos observar, seja em Lisboa ou no Porto. O BE, um partido, um programa, que não depende ou procura plataformas de poder-boa-vontade para aplicar algumas linhas menos perigosas do seu programa para o poder político derrotado e capturado pelo capital.

Temos insuficiente radicação social.”. “É preciso revitalizar a vida interna do partido”.

Por isso, o debate hoje em curso no BE indica linhas de esquerda diferentes, como deve ser. Estas linhas defendem: num caso, a intervenção social, com os trabalhadores, com os movimentos sociais, na experiência prática feita pelos activistas do BE, com os de esquerda ou com os independentes, nos movimentos sociais, de precários ou LBGT, de Imigrantes ou pelos direitos das Mulheres, no movimento Sindical ou das Comissões de Trabalhadores, nas Comissões de Base de Saúde ou de Moradores. Todos, a construir luta social, reflexão e alternativa política, fortalecendo a esquerda, e incluindo por isso o BE.

A outra linha política defende uma indireção à luz do mau resultado eleitoral, a redefinição da política de alianças sob a batuta da liberdade de escolha de cada estrutura do BE, libertas de um poder apontado como centralizador e de estrangulamento político por parte da sede da Rua da Palma. Estas alianças, sem domínio ou princípios políticos apresentados no curso deste debate, não procuram sustentar, como os seus protagonistas não o fazem, os problemas concretos na disputa política na rua, no trabalho, na escola ou na autarquia. Esta linha acredita que, na esperança da existência da boa vontade de algum camarada do PS, PSD ou PCP por desvendar, se obtenha o (pequeno) espaço para a intervenção da esquerda transformadora que o Bloco partilha e plasma no seu programa ao mesmo tempo que seriam a chave para os problemas bloqueantes introduzidos a partir da sede ou a partir de alguma alínea dos estatutos do BE.

Mas o programa do BE é aquele que é claro na escolha pela intervenção de movimento social e que assume os problemas da esquerda como seus problemas. Esse programa é partilhado e defendido largamente pelos activistas do Bloco de Esquerda. Esse é também o programa recusado com todas as forças pela esquerda fechada ou sectária mas também pelo PS e PSD, Cavaco Silva, Paulo Portas, Francisco Assis, António José Seguro, Mário Soares, António Costa, Vera Jardim, Vitalino Canas mas também pela Mota-Engil, pelo BES, Ricardo Salgado, Carlos Santos Ferreira ou Fernando Ulrich.

Inventam-se movimentos onde eles não existem sem lhes dar espaço para crescerem fora de tutelas”. “Faltam-nos quadros intermédios”. “O BE é demsaiado centralista e com pouco espaço para contrução a partir da base e dos interesses dos próprios aderentes”

A esquerda que transforma, é aquela que responde ao desempregado e ao estudante de olhos-nos-olhos, na rua, no seu local de trabalho ou na fila para a Segurança Social. É a esquerda que entrega o seu programa num panfleto ou num jornal de partido e que tem defende perante um cidadão de esquerda que o RSI é necessário e urgente para muitas pessoas, mesmo quando isso não é popular. A esquerda que transforma é aquela que disputa a hegemonia da percepção do que é justo: o fim da precarieadade, o casamento e adopção por casais homosexuais, a legalização das dogras leves, o fim dos despedimentos em empresas com lucros, a igualdade para todos no acesso à educação, à saúde, ao trabalho e à habitação, a taxação das grandes fortunas e do capital. Essa luta não pede licença à Comunicação Social ou sequer espera por tutelas internas ou externas ao partido. Porque o Bloco procura a transformação da esquerda precisamos que cada militante seja participativo e envolvido na história e luta do seu partido. Os espaços de activismo político e social criados, e por criar, não podem esperar, e muito menos depender, de enquadramentos eleitorais para criar os seus actores locais, sociais, autarcas ou de movimento sindical, social... São eles e elas no BE que ganham o seu espaço na esquerda, com a sua intervenção, e radicam a esquerda, as ideias de transformação social, e por isso, integram também o Bloco de Esquerda e o seu programa no país, do literal ao interior. O BE, um partido que integra as diferentes correntes, formas e escolas de activismo social e político, que sabe que nalgumas áreas muito há por fazer, noutras, tudo por fazer, mas em que os militantes não se vigiam entre si e não pedem e não pedirão licença para escolher a forma e objecto político da sua intervenção.

Em anos de assalto aos direitos essenciais dos cidadãos, a esquerda define-se e procura defender direitos se não se confundir com a “esquerda” que transportou o mundo e a Europa para o abismo de milhões de pessoas. Isto não significa fechar qualquer porta, pelo contrário, significa estar ao dispor da política concreta, das ideias dos homens e mulheres da esquerda, independentes ou organizados em partidos, que estejam disponíveis para, em conjunto, defender os direitos de quem trabalha ou de quem quer viver em igualdade e justiça. Um pouco mais ou um pouco menos, mas sempre à esquerda.

A esquerda que pode e há-de vencer é aquela não desiste para a facilidade, mas que terá de fazer o caminho mais difícil, contra a política de fluxograma e da vernissage, contra o fechamento e contra a sedução da pequena decisão. Aquela esquerda que terá de aprender como construir um compromisso tão grande quanto a nossa diferença.

O Bloco mudou o país porque o que faz e a sua natureza são de transformação social, porque rompe com a política da distância entre cidadãos e poder político, e que por isso, aproxima a democracia dos seus. Porque o Bloco quer ser da esquerda toda, de todos e todas os que o quiserem integrar e melhorar, será também de todos aquelas que quiserem respeitar compromissos grandes, por um país diferente, que não se fecha e que aprende aos poucos que é grande. Não nascemos para outra coisa...

Rui Maia

Membro de movimento de trabalhadores precários

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