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O caso UBS e a justiça francesa e norte-americana

Os bancos pagam multas muito elevadas por terem cometido fraude. No entanto, os gestores dos bancos, aqueles que concebem as estratégias comerciais e as fazem implementar pelos seus banqueiros, não são condenados. Artigo de Stéphanie Gibaud, "whistleblower" da UBS.
UBS
Foto thetaxhaven/Flickr

A 21 de Janeiro de 2014 pedi para ser ouvida pela justiça norte-americana relativamente ao julgamento de Raoul Weil. Como Número 3 na UBS e Diretor Executivo da UBS Wealth Management, ele liderava diretamente as operações nas Américas, Europa e Ásia. Suspeito de ter organizado a evasão fiscal de mais de 20.000 cidadãos norte-americanos, num montante que atingiu os vinte mil milhões de dólares americanos, Raoul Weil declarou-se inocente das acusações contra si, considerando que não tinha qualquer responsabilidade no sistema de evasão fiscal implementado pela UBS. No Outono de 2014, foi libertado por um tribunal da Florida. Esta decisão da justiça da Florida é surpreendente quando se sabe que os EUA obrigaram os bancos a pagar montantes enormes depois de terem sido condenados em casos de evasão fiscal. Em 2009, a UBS teve de pagar uma quantia de 780 milhões de dólares após um acordo com as autoridades norte-americanas e quando Hillary Clinton era então Secretária de Estado.

Os bancos pagam multas muito elevadas por terem cometido fraude. No entanto, os gestores dos bancos, aqueles que concebem as estratégias comerciais e as fazem implementar pelos seus banqueiros, não são condenados. O meu pedido permaneceu sem resposta. Como se pode então qualificar a justiça norte-americana se esta nem sequer ouve as principais testemunhas desses processos, ao mesmo tempo que afirma estar a combater a evasão fiscal?

Após o plano de salvamento dos bancos por serem "demasiado grandes para fracassar", os meios de comunicação social norte-americanos revelaram um "demasiado rico para prender" quando Raoul Weil foi libertado, o que tende a provar as relações incestuosas entre a indústria bancária, a justiça e os líderes políticos do seu país. Depois de estar sob investigação em França, Raoul Weil podia ter medo de ser condenado, mas ao contrário dos outros gestores do UBS, foi declarado inocente durante o julgamento de 2018. Dieter Kiefer, ex-presidente do Conselho Consultivo da UBS France e ex-diretor da Divisão da Europa Ocidental da UBS, foi condenado a uma pena suspensa de dezoito meses de prisão e a uma multa de 300.000 euros. No que me diz respeito, fiquei muito surpreendida com esta decisão porque em 2009 tinha recebido um e-mail de um executivo do UBS na Suíça, que era absolutamente revelador: "Eu sempre disse que Raoul W. estava a cometer muitos erros ao mudar constantemente as estruturas. Kiefer concordou bastante comigo. Esta é a razão pela qual muitos consultores de clientes abandonam o banco. É uma vergonha. Afinal de contas, ele também paga pelos "erros" que cometeu".

Temos também de saber que Washington paga àqueles que trabalham com o IRS (Internal Revenue Service, o serviço federal de receita fiscal). Bradley Birkenfeld, um antigo banqueiro da UBS que deixou o banco em 2005, passou trinta meses atrás das grades e levantou um cheque no valor de cento e quatro milhões de dólares americanos quando foi libertado. Ouvi até dizer que ele receberia entre cinco e vinte milhões de dólares americanos adicionais por ano durante os próximos dez anos, uma vez que o IRS receberá de volta os montantes dos clientes offshore da UBS, aqueles relativos a um certo número de informações fornecidas por Birkenfeld.

Eu estava em Washington DC a 4 de Setembro de 2014 quando fui informada de que o Presidente Obama jogava regularmente golfe com o antigo chefe do UBS Investment Bank. Um ano mais tarde, durante o Verão de 2015, o Wall Street Journal e o New York Post, entre outros, informaram os seus leitores de que a Fundação Clinton tinha ligações privilegiadas com a UBS. Na realidade, Bill Clinton tinha sido pago por conferências dadas ao UBS no montante de 1,5 milhões de dólares americanos. As doações feitas pelo banco à Fundação Clinton teriam aumentado significativamente após a ex-Secretária de Estado Hillary Clinton ter tido de gerir o escândalo da evasão fiscal dos bancos suíços.

Um dos meus conhecidos americanos, um especialista em comunicação bancária, explicou-me que o veredito relativo ao caso de Raoul Weil não foi uma surpresa porque apenas alguns elementos eram contra o antigo número 3 no UBS. De facto, Eric Holder, Procurador-Geral dos Estados Unidos na altura dos factos, trabalhou para a UBS enquanto era um dos Associados da firma de advogados Covington & Burling entre 2001 e 2008, precisamente no momento em que Raoul Weil era o Director do UBS Weil Wealth Management. Segundo a minha fonte, os EUA não apresentaram elementos suficientes contra o modelo de negócio da rede internacional do banco e contra Raoul Weil, o que provaria, segundo esta pessoa, que "uma conspiração para defraudar os Ministérios das Finanças dos países em questão fazia parte do modelo económico da UBS à escala internacional". Além disso, um artigo do National Whistleblowers Center alertou para os conflitos de interesse entre os lobistas bancários e o IRS, o que explicaria porque é que a justiça mostrou clemência para com Raoul Weil.

Esta pessoa que conheci em Washington D.C. em Setembro de 2014 observa que "os Estados Unidos da América têm um problema muito grave de governação. Os bancos suíços têm contactos fundamentais na Casa Branca, como Robert Wolf, amigo de Raoul Weil, que organizou angariações de fundos na sua propriedade para o Presidente Obama. Têm também contactos-chave no seio do Departamento de Justiça, do Tesouro, do Capitólio e de muitas outras instituições. A parte crucial do caso bancário reside no facto de os bancos suíços gerirem centenas de milhares de milhões de dólares americanos nas suas contas PEP (pessoas politicamente expostas), o que lhes será sempre útil para obterem a ajuda de líderes políticos para defenderem os seus interesses". Além disso, esta pessoa lembrou-me que Steve Kohn, o advogado americano que, entre outros, tinha defendido os interesses do meu antigo colega Bradley Birkenfeld, já nessa altura tinha sublinhado que "Raoul Weil tem um conhecimento profundo do programa ultra-secreto desenvolvido para os PEPs, muito simplesmente porque todos os banqueiros estão a ser solicitados a relatar as atividades políticas dos seus clientes. Os PEPs são personalidades governamentais de topo e indivíduos muito ricos do mundo que tentam esconder dinheiro sujo, obtido ilegalmente devido à corrupção, comissões de apoio e outras actividades ilegais". Mitt Romney, o candidato que concorreu às eleições presidenciais de 2008, foi notícia de primeira página quando a sua conta bancária suíça foi encerrada em 2010, curiosamente logo após o acordo assinado com a UBS.

Este especialista em comunicação bancária conhece muito bem o assunto e continuou a argumentar que "a defesa de Raoul Weil baseia-se no facto de que nem o antigo número 3 nem o Conselho de Administração do UBS na Suíça teriam tido conhecimento das acções ilícitas dos bancos nos Estados Unidos da América. A verdade é que o modelo económico do UBS e de um dos outros operadores suíços existiram e continuam a existir em todo o mundo e não apenas na Europa. A ocultação fraudulenta de ativos financeiros, evasão fiscal e branqueamento de capitais são as razões pelas quais o banco está sob investigação e terá de responder sobre os seus esquemas em vários países europeus. Além disso, o montante pago pela UBS aos Estados Unidos é para o banco o equivalente a uma "multa de estacionamento"! Infelizmente as coisas nunca mudarão enquanto os EUA não assinarem os acordos da OCDE sobre a troca automática de informações, apesar de terem forçado todos os países a assiná-los".

Assim, apesar da intenção do Presidente Obama, através de uma declaração de 2008, de "dizer aos lobistas que o tempo em que estabeleceram a agenda em Washington terminou [...]", isso não impediu o Presidente dos EUA de nomear William J. Wilkins, lobista da Associação Suíça de Banqueiros, como conselheiro principal do IRS.

Será por todas estas razões que a Suíça apenas deu acesso a informações relativas a 4.450 contas da UBS? Quem poderiam - quem podem - ser aqueles que têm as outras 45.000 contas bancárias?

O especialista em comunicação bancária perguntou se eu tinha lido o livro 'Confessions d'un banquier pourri' (Cresus, ed. Fayard, Paris, 2009) - Confissões de um banqueiro corrupto - que cita o Coronel suíço Konrad Hummler a ameaçar a União Europeia. Konrad Hummler foi um dos banqueiros mais poderosos da Suíça. Chefiou o NZZ (Neue Zürcher Zeitung), foi membro do Conselho de Administração da poderosa Associação Suíça de Banqueiros e foi o Presidente do banco Wegelin. Nos EUA, o coronel foi acusado de fraude. O banco Wegelin, que recuperou os ativos de vários clientes da UBS, tinha sido vendido ao Raiffaisen Bank e é hoje conhecido como Notenstein Bank. Segundo este antigo banqueiro, "os suíços estão convencidos de que todos os governos europeus e a Comissão Europeia têm boas razões para os temer porque mantêm em segredo os ativos financeiros escondidos dos PEPs de todos os governos europeus. Pela mesma razão, eles também pensam que nenhum governo dos EUA os pode deter porque também escondem os ativos financeiros ilícitos dos políticos americanos". Seria uma boa prática que a Suíça pudesse ameaçar os governos europeus que revelassem as contas dos seus ministros e dos seus presidentes.

Será que a vontade declarada pelos EUA - embora mínima na realidade - de proteger os cidadãos norte-americanos teria uma ligação com a pequena quantia do meu antigo empregador ao assinar o acordo? O processo francês poderia ter ajudado a justiça norte-americana, exatamente como a investigação norte-americana sobre Raoul Weil poderia ter ajudado a justiça francesa. Será que os nossos sistemas judiciais colaboram? Estão dispostos a colaborar e como é que funcionam? Como nunca fui ouvida nem pela justiça francesa nem pela americana, sinto-me legitimada a fazer esta pergunta.

Em Junho de 2014, um antigo colega da UBS e eu questionámos o governo francês num comunicado de imprensa. De facto, Raoul Weil visitava regularmente clientes franceses nas suas propriedades, nas suas empresas ou encontrava-se com eles durante os eventos organizados pelo Grupo UBS, enquanto exercia o cargo de Presidente. No entanto, nem sequer um líder político reagiu. É tempo do povo francês, bem como de outros povos europeus, reagir e interrogar-se sobre as razões de tal passividade porque a UBS agiu da mesma forma em Portugal, Espanha, Alemanha, Bélgica, Grécia, etc.

No que diz respeito à sua estratégia, a análise feita por um antigo colega suíço fala por si. Segundo ele, "o nosso antigo empregador negoceia multas em todos os países do mundo". Evitando julgamentos, evitando assim ser potencialmente condenada, a UBS continua a comunicar, orgulhando-se muito do facto de nunca ter sido condenada... Permite ao banco afirmar que é um banco 'limpo'". Como Raoul Weil foi libertado pelos tribunais franceses, só o tempo dirá se e em que país ou países o antigo número 3 do UBS será considerado culpado. No que diz respeito ao banco, ele conta safar-se de problemas em França enquanto "invoca um contrato de direito internacional que a União Europeia assinou com a Suíça (...) apoiando-se num acordo sobre taxas de imposto de 2004". Uma notícia interessante.

Enquanto as 40.000 contas bancárias UBS foram transferidas pela Suíça para o Ministério das Finanças francês, sabemos que a justiça francesa não está autorizada a fazer uso da informação. Seria para fazer crer aos cidadãos, com a ajuda dos principais meios de comunicação social, que Jerome Cahuzac, ex-ministro francês do Orçamento, foi um caso isolado e assim evitar o colapso do país dos direitos humanos? O recurso da UBS no tribunal, a ter lugar de 8 a 24 de Março de 2021, será para seguir de perto.


Stephanie Gibaud é relações públicas e de marketing. Ficou célebre enquanto whistleblower (lançadora de alerta) das práticas de evasão fiscal e branqueamento no grupo UBS, para o qual trabalhou em França durante oito anos. Tem participado em várias iniciativas no âmbito do Parlamento Europeu sobre justiça fiscal e proteção dos lançadores de alerta. Artigo publicado no portal Pan Odeyssey e traduzido por Luís Branco para o esquerda.net. 

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