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“O 'caso Sócrates’ veio demonstrar que continua a faltar legislação fundamental”

De acordo com Luís Fazenda, o Estado “podia ter abreviado em muitos anos a investigação ao ex-primeiro ministro José Sócrates se a legislação penal portuguesa tivesse acolhido a existência do crime de enriquecimento ilícito”, tal como o Bloco vem propondo desde 2009.
Luís Fazenda.
Luís Fazenda. Foto de Paula Nunes.

Na sequência da divulgação, por parte do Juiz Ivo Rosa, da decisão instrutória do processo da Operação Marquês, o Esquerda.net falou com Luís Fazenda, dirigente do Bloco de Esquerda e ex-deputado, que integrou a Comissão Eventual para o Acompanhamento Político do Fenómeno da Corrupção e o grupo de trabalho informal sobre o enriquecimento ilícito ou injustificado da Assembleia da República.

A par da ausência de legislação fundamental, Luís Fazenda alerta ainda nesta entrevista para a “falta de meios ao serviço da investigação, ou mesmo simplesmente para peritar o património de titulares de cargos políticos e altos cargos públicos na recém criada (por proposta do Bloco) Entidade da Transparência”.


Que questões legislativas são levantadas no âmbito da instrução da Operação Marquês?

O Estado podia ter abreviado em muitos anos a investigação ao ex-primeiro ministro José Sócrates se a legislação penal portuguesa tivesse acolhido a existência do crime de enriquecimento ilícito.

Aquilo que, para o Juiz Ivo Rosa, constituiu corrupção já prescrita e crimes de branqueamento de capitais e falsificação de documentos cabia perfeitamente na perceção de vantagem indevida de funcionário, agravado pelo facto de estar a ser acusado um titular de cargo político.

Que implicações teria tido a aprovação da proposta do Bloco para a criação do crime de "enriquecimento ilícito ou injustificado"?

O Bloco propôs a criação do tipo legal de crime "enriquecimento ilícito ou injustificado" em 2009, 2011 (agendamentos do Bloco) e 2015. As soluções adiantadas pelo Bloco teriam permitido clarificar a constitucionalidade da lei ao isolarem o bem jurídico a proteger como a transparência total dos titulares de cargos políticos e públicos, ao restringirem a estes funcionários do Estado o universo dos visados, e ao eleger o critério de posse de bens ou rendimentos discrepantes com o património verificado do agente, sem qualquer necessidade de inverter o ónus da prova. Os bens usurpados reverteriam para o bem público. Hoje as associações de magistrados propõem um projeto do mesmo tipo.

Que acolhimento teve a proposta bloquista?

O PS bloqueou sempre qualquer saída neste sentido e os outros partidos encontraram sempre uma via fácil para esbarrarem no crivo do Tribunal Constitucional, nos óbices já anteriormente conhecidos. Mais "incompetência" era difícil. O Bloco avisou duas vezes a maioria PSD/CDS, em 2011 e 2015, até em reuniões com a ministra da Justiça, que a iniciativa que queriam patrocinar iria ser defraudada pelos juízes do Palácio Ratton.

Qual foi a posição de José Sócrates nesta matéria?

Sócrates foi um "animal feroz" contra a lei que perseguisse o enriquecimento injustificado, vimo-lo em muitos debates na Assembleia da República a clamar pela "santuarização" da presunção de inocência.

O que é que a Operação Marquês veio demonstrar?

O "caso Sócrates" veio demonstrar, no meio de uma crise do processo penal gravíssima no país, que continua a faltar legislação fundamental, que os grandes partidos são incapazes de produzir, para além da falta de meios ao serviço da investigação, ou mesmo simplesmente para peritar o património de titulares de cargos políticos e altos cargos públicos na recém criada (por proposta do Bloco) Entidade da Transparência.

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