Está aqui
“O 'caso Sócrates’ veio demonstrar que continua a faltar legislação fundamental”
Na sequência da divulgação, por parte do Juiz Ivo Rosa, da decisão instrutória do processo da Operação Marquês, o Esquerda.net falou com Luís Fazenda, dirigente do Bloco de Esquerda e ex-deputado, que integrou a Comissão Eventual para o Acompanhamento Político do Fenómeno da Corrupção e o grupo de trabalho informal sobre o enriquecimento ilícito ou injustificado da Assembleia da República.
A par da ausência de legislação fundamental, Luís Fazenda alerta ainda nesta entrevista para a “falta de meios ao serviço da investigação, ou mesmo simplesmente para peritar o património de titulares de cargos políticos e altos cargos públicos na recém criada (por proposta do Bloco) Entidade da Transparência”.
Que questões legislativas são levantadas no âmbito da instrução da Operação Marquês?
O Estado podia ter abreviado em muitos anos a investigação ao ex-primeiro ministro José Sócrates se a legislação penal portuguesa tivesse acolhido a existência do crime de enriquecimento ilícito.
Aquilo que, para o Juiz Ivo Rosa, constituiu corrupção já prescrita e crimes de branqueamento de capitais e falsificação de documentos cabia perfeitamente na perceção de vantagem indevida de funcionário, agravado pelo facto de estar a ser acusado um titular de cargo político.
Que implicações teria tido a aprovação da proposta do Bloco para a criação do crime de "enriquecimento ilícito ou injustificado"?
O Bloco propôs a criação do tipo legal de crime "enriquecimento ilícito ou injustificado" em 2009, 2011 (agendamentos do Bloco) e 2015. As soluções adiantadas pelo Bloco teriam permitido clarificar a constitucionalidade da lei ao isolarem o bem jurídico a proteger como a transparência total dos titulares de cargos políticos e públicos, ao restringirem a estes funcionários do Estado o universo dos visados, e ao eleger o critério de posse de bens ou rendimentos discrepantes com o património verificado do agente, sem qualquer necessidade de inverter o ónus da prova. Os bens usurpados reverteriam para o bem público. Hoje as associações de magistrados propõem um projeto do mesmo tipo.
Que acolhimento teve a proposta bloquista?
O PS bloqueou sempre qualquer saída neste sentido e os outros partidos encontraram sempre uma via fácil para esbarrarem no crivo do Tribunal Constitucional, nos óbices já anteriormente conhecidos. Mais "incompetência" era difícil. O Bloco avisou duas vezes a maioria PSD/CDS, em 2011 e 2015, até em reuniões com a ministra da Justiça, que a iniciativa que queriam patrocinar iria ser defraudada pelos juízes do Palácio Ratton.
Qual foi a posição de José Sócrates nesta matéria?
Sócrates foi um "animal feroz" contra a lei que perseguisse o enriquecimento injustificado, vimo-lo em muitos debates na Assembleia da República a clamar pela "santuarização" da presunção de inocência.
O que é que a Operação Marquês veio demonstrar?
O "caso Sócrates" veio demonstrar, no meio de uma crise do processo penal gravíssima no país, que continua a faltar legislação fundamental, que os grandes partidos são incapazes de produzir, para além da falta de meios ao serviço da investigação, ou mesmo simplesmente para peritar o património de titulares de cargos políticos e altos cargos públicos na recém criada (por proposta do Bloco) Entidade da Transparência.
Adicionar novo comentário